Breaking debuta nas Olimpíadas de Paris com arena lotada e muita animação de torcedores da França, China e dos EUA
Luciana Mazza
Protestos, polêmica na internet, emoção e participação da nova geração marcaram a estreia da modalidade nos Jogos Olímpicos.
No último final de semana em uma das praças mais famosas de Paris, Praça da Concórdia, onde tem um famoso obelisco de ponta dourada que domina toda a cidade, aconteceu a estreia do Breaking. No mesmo local onde também foram realizadas as competições do Skate, Ciclismo BMX Freestyle e Basquete 3×3. Uma arena que ficou lotada, a torcida francesa era a esmagadora maioria e vibrou muito com as atletas da casa. Estados Unidos e China estavam atrás, mas com muitas bandeiras. O local foi montado para receber a nova modalidade, inclusive com assentos muito próximos do “palco” para personalidades como Snoop Dogg, que inaugurou o evento, e Bam Adebayo, da NBA.
Na sexta-feira (9) as B-Girls foram as primeiras a duelar na arena, na primeira etapa 16 competidoras foram divididas em quatro grupos. Apenas as duas mais bem avaliadas pelos jurados de cada chave avançaram para as quartas de final. Foi nesse momento da competição que duas B-Girls viraram notícia em todo o mundo. Primeiro, foi a atleta refugiada Manizha Talash, jovem de 21 anos, que fugiu do Afeganistão depois que o Talibã começou a tomar o controle em 2021, ao fazer sua estreia durante a batalha pré-qualificatória, Talash revelou uma capa azul-bebê sob seu suéter estampada com as palavras pedindo a emancipação das mulheres afegãs.
A World DanceSport Federation, que governa o esporte, emitiu uma declaração mais tarde na sexta dizendo que “a B-Girl Talash (EOR) foi desqualificada por exibir um slogan político em seu traje durante a batalha pré-qualificatória”. Ela declarou antes que a competição começasse: “Eu não deixei o Afeganistão porque tenho medo do Talibã ou porque não posso viver no Afeganistão, saí porque quero fazer o que puder pelas meninas no Afeganistão, pela minha vida, meu futuro, por todos”.
Sob o governo do Talibã, o Afeganistão se tornou o país mais repressivo do mundo em relação aos direitos das mulheres, de acordo com as Nações Unidas. O grupo islâmico linha-dura fechou escolas secundárias para meninas, proibiu mulheres de frequentar a universidade. A política da moralidade do Talibã também tem como alvo mulheres e meninas, criando um “clima de medo e intimidação”, de acordo com um relatório da ONU publicado no mês passado.
O segundo caso foi da australiana Rachel ‘Raygun’ Gunn. Depois de não conseguir nenhum voto nas três batalhas que disputou, ela foi duramente criticada e muito ironizada nas redes sociais, mesmo após o termino das Olimpíadas. Muitos internautas hostilizaram a atleta, com comparações de seus movimentos com personagens como Homer Simpson e animais como cachorros e dinossauros. Raygun se defendeu. Em entrevista à TV Nine Network, a australiana de 36 anos se mostrou satisfeita com o que apresentou. “Fiz o que faço de melhor, mostrei minha criatividade, meu estilo, um pouco da personalidade australiana, para tentar conquistar um lugar no cenário mundial”. Em uma mensagem no Instagram, Rachel Gunn disse: ”Não tenha medo de ser diferente, vá lá e se represente, você nunca sabe onde isso vai te levar”.
Além das apresentações de Breaking, ela também é professora da Universidade de Sydney e tem doutorado em estudos culturais. Recentemente, ela representou a Austrália no Campeonato Mundial de Breaking em 2021, 2022 e 2023. Autoridades também se manifestaram sobre o caso, o primeiro-ministro australiano Anthony Albanese, saiu em defesa da atleta, explanou: “Essa é uma tradição australiana de as pessoas tentarem. Ela tentou representar nosso país e isso é uma coisa boa” – afirmou o político. A comunidade do Breaking se uniu para defender a australiana e a modalidade, Martin Gilian, chefe da arbitragem do Breaking na Olimpíada, comentou sobre as notas recebidas pela B-Girl. Conhecido como MGbility, o juiz explicou que as pontuações da modalidade – que foi avaliada por nove árbitros – são dadas conforme comparações feitas entre o que é apresentado por cada competidor. “Temos cinco critérios no sistema de julgamento comparativo. Só que o nível dela talvez não fosse tão alto quanto o das outras competidoras”, afirmou ao jornal britânico Metro. Para Martin Gilian, Rachel não recebeu votos justamente porque ficou abaixo das demais B-Girls: “Suas concorrentes foram melhores, mas isso não significa que ela foi mal. Ela fez o melhor que pode”. Garantiu que a comunidade do Breaking apoia a professora. “Ela estava apenas tentando trazer algo novo, algo original e que representasse seu país.” Entre os movimentos de Raygun estava um em que ela imitava um canguru, animal símbolo da Austrália. “No Breaking, quando você procura por inovações ou originalidade, sempre procura fora da dança. Artes marciais, como os animais se movem, qualquer coisa”, comentou.
Após as polêmicas, as classificadas foram: Sya Dembélé da França, as japonesas Ami Yussa e Ayumi Fukushima, a holandesa India Sardjoe, as chinesas Liu Qingyi (671) e Ying Zi, a ucraniana Kateryna Pavlenko e Dominika Banevi, da Lituânia. A partir de então, as batalhas passaram a contar com três rounds, em duelos eliminatórios.
No final das competições femininas, quem subiu ao pódio em primeiro lugar foi a B-Girl Ami, do Japão, que ficou com o ouro. Para quem não sabe, Ami foi a primeira mulher a vencer a Red Bull BC One World Final, em 2018. Ganhando novamente em 2023 e agora se tornando a primeira mulher a ganhar uma medalha olímpica de ouro no Breaking mundial. O pódio foi completado pela nova geração, que veio com tudo, a prata foi para a B-Girl lituana Nicka, de apenas 17 anos e o bronze para B-Girl chinesa 671, que é chamada por alguns de “máquina do Breaking” devido a realizar movimentos pouco executados por mulheres.
No domingo (10) foi a vez dos B-Boys, que também agitaram o público presente numa competição bem menos polêmica e também muito bem disputada. Ainda nas classificatórias, um momento emocionante chamou atenção, o B-Boy Hiro10, que é japonês, de apenas 19 anos, após executar um combo de Power Move de grande dificuldade, porém, não suficiente para derrotar o veterano B-Boy Victor, após perceber que deixaria a competição naquele momento, o menino finalizou apresentação chorando, sendo abraçado pelo MC Max e pelo próprio Victor. Ele saiu da arena aplaudido pelo público.
Falando sobre o pódio masculino, o B-Boy Phil Wizard, que ganhou o ouro teve duas vitórias e um empate durante a fase de classificação. Já nos mata-matas, o canadense conseguiu três triunfos por 3 rounds a 0. Na decisão, o campeão teve um excelente desempenho diante do francês Dany Dann que levou a prata e recebeu 23-4 na votação dos juízes. Na decisão do bronze, o americano Victor venceu o B-Boy japonês Shigekix por 3 rounds a 0 (20-7).
E não teve brasileiro nas olimpíadas?
Realmente, o Brasil não teve representantes no Breaking masculino nem feminino. B-Boy Leony e B-Girl Mini Japa que foram os únicos brasileiros que disputaram vagas em Shanghai, na República Popular da China e em Budapeste, Hungria, no Olympic Qualifier Series (OQS) não conseguiram se classificar, ficando em 31° e 34° lugares no ranking, respectivamente. Nesta última fase eliminatória, se classificavam 10 B-Girls e 10 B-Boys entre os 40 participantes em cada modalidade.
Mas, no time de jurados do Breaking das olimpíadas tivemos um brasileiro, o B-Boy Migaz, que é membro de um dos grupos de Breaking mais tradicionais e conceituados do país, DF Zulu Breakers, que existe desde 1989. Migaz é reconhecido como um dos melhores árbitros internacionais de Breaking e, desde 2021, é julgador da WDSF.
Outro nome brasileiro que brilhou em Paris foi de Samuel Henrique, mais conhecido como B-Boy Samuka, do Distrito Federal, ele faz parte do grupo ILL-Abilities, composto por dançarinos com deficiência, de vários países. Samuka encheu o Brasil de orgulho se apresentando nos Jogos Olímpicos. Para quem não se lembra, ele também em junho fez uma apresentação que viralizou com vídeo em programa de televisão dos EUA, o America´s Got Talent, onde deu salto mortal com apenas uma perna mostrando que o nosso país, mesmo não tendo se classificado nessa olimpíada, é um celeiro de grandes talentos!
Teremos Breaking nas próximas olimpíadas?
Bom, a notícia que temos é que o Breaking, modalidade surgida nas ruas dos bairros pobres de Nova York na década de 1970, teve seu futuro olímpico interrompido antes mesmo de completar um ciclo. Com o encerramento do evento em Paris no último domingo, novamente várias publicações saíram informando que a nova modalidade não fará mais parte do programa olímpico em Los Angeles 2028. A decisão surpreende e entristece quem ama essa cultura que também é esporte, mas não coloca um ponto final. A modalidade pode retornar em outras edições, no futuro, a depender do desejo das próximas cidades-sede dos Jogos Olímpicos.