Conheça o B-Boy Campeão do DF que conquistou o coração do Brasil. Ele não tem uma das pernas, mas tem asas, determinação e muita dança!
Por: Luciana Mazza
Essa semana, antes da Red Bull BC One em São Paulo, o Portal Breaking World teve o prazer de fazer uma entrevista exclusiva com Samuel Henrique, que também é conhecido na cena do Breaking como B-Boy Samuka.
Samuel nasceu e foi criado no Recanto das Emas, em Ceilândia, quebrada do Distrito Federal que, para quem não sabe, carrega esse nome por ter origens ligadas à quantidade de emas, uma ave do Cerrado que existia na região, e também a um sítio arqueológico chamado “Recanto”. Hoje o B-Boy é um dos grandes nomes da atualidade do Breaking brasileiro, muito esperado na final nacional que promete batalhas insanas. O rapaz do Cerrado, com sua dança, talento e história de superação após lutar contra um câncer ósseo e passar pela amputação de uma das pernas, conquistou o mundo e ganhou o coração dos brasileiros. E quem sabe, neste final de semana, possa ganhar também a competição nacional e, em novembro, ir a Tóquio em busca do grande cinturão do Touro Vermelho da Red Bull BC One, que há 15 anos foi levantado pelo B-Boy brasileiro Neguin.
Entre treinos e voos voltando da Europa para o Brasil, Samuka respondeu à nossa entrevista com muita humildade. O mano garante que quer dançar, se divertir, mas também quer ganhar, se for a vontade de Deus! Confira na íntegra esse bate-papo que inspira, motiva e promove aprendizados e reflexão para a vida e para quem pretende viver da dança:
BW: Queria que falasse um pouco de suas origens, de como foi sua infância, sua vida em família no Distrito Federal. Que lembranças tem dessa época? Na infância e na juventude, quais eram suas crenças e seus sonhos?
Samuka: Bom, eu venho do Recanto das Emas, Ceilândia, cidade que eu cresci, onde tive minha história, onde conheci a dança, o basquete, o futebol… Meu sonho quando criança era ser jogador de futebol. Acho que a maioria das crianças do Brasil tem esse mesmo sonho. Então, comigo não foi diferente. Gostava demais de jogar futebol. Nunca imaginei que eu iria viajar um dia. Então, na minha cabeça só queria ser jogador de futebol. Cheguei a ser jogador de basquete também na cadeira de rodas antes do Breaking, joguei pela seleção brasileira do sub-23. Mas, no final das contas, o verdadeiro amor foi o Breaking. A vida é cheia de surpresas!
BW: Verdade que começou a dançar Breaking em 2011 depois que teve uma perna amputada, devido a um câncer? Como foi começar no Breaking num momento tão difícil? Alguém te ajudou nesse aprendizado? De onde você tirou forças para começar e permanecer firme dançando até hoje?
Samuka: Eu conheci o Breaking na verdade em 2010, num projeto social na minha cidade, com o professor Klésio. Conheci, fui lá, peguei algumas aulas, mas nunca tinha levado tão a sério, porque como eu te falei, meu negócio era futebol, gostava de jogar pra caramba todo dia. Mas daí, depois da cirurgia, depois do câncer, quando eu já tinha perdido minha perna, eu me perguntei: “Pô, o que eu vou fazer agora?”. Jogar futebol tinha como, mas era mais difícil, e naquela época eu tinha desiludido um pouco de tudo, então comecei a assistir bastante vídeos no YouTube, o que eu podia fazer com a perna, e daí eu vi um B-Boy do Japão, e também outro da França, e esses dois foram referências para mim. Com uma perna dançando o Breaking, em alto nível, eu falei: “O quê? Se eles podem, acho que eu também consigo”. Tentei. E foi quando, mano, minha mente explodiu ali. O Breaking veio para mim como um desafio. Cada movimento era um desafio para aprender, então me deixava, tipo… ocupado, certo? Sempre tentando me adaptar, sempre tentando descobrir como fazer o movimento e, enfim, aquilo para mim foi a chave para sair da depressão, para sair da tristeza. E eu estava criando, asas… Na verdade, começar o Breaking para mim naquela época foi uma porta, foi um escape daquele pensamento que eu não conseguia mais fazer nada, daquele pensamento que ainda tinha acabado. Força, primeiramente Deus, minha mãe e meus amigos. Minha mãe, porque ela foi a primeira pessoa a dizer: ” Você vai fazer! Seja o que for, você vai fazer!”. Ela pedia para arrumar a casa, pedia para eu lavar o quintal e tal. E eu vinha com aquela desculpa, “ah, só tem uma perna” e ela falou “Não quero saber. Pode não ter uma perna, mas você tem dois braços, você tem cabeça para pensar, você vai fazer sim”. E aí, eu comecei a ver que eu conseguia fazer as coisas dentro de casa e aquilo foi só me dando força. Chegou lá fora, eu já conseguia desenrolar as coisas, entendeu? Então foi natural. E os meus amigos também, sempre me motivando, sempre dizendo que eu conseguia. E me empurrando mesmo, para continuar tentando, teve algumas épocas que eu desanimei, o que é normal, mas eles estavam lá, minha mãe estava lá também, e são essas pessoas que não me deixaram desistir.
BW: Quando e como surgiu a oportunidade de ir para Calais na França? Conte sua experiência de entrar e dançar numa Companhia Internacional fale sobre como foi sua vida nesse período?
Samuka: Então, essa oportunidade pra Calais já foi bem mais para a frente na minha carreira. Mas foi algo também que foi um novo começo, na verdade. Foi meu começo na dança contemporânea, foi meu começo numa companhia de dança, num grande passo da minha vida que foi morar fora. Então é bem interessante quando a gente acha que fez muito, na verdade a gente não tem nada, tá ligado? Sempre há um começo. E o dono de uma companhia na França, viu meus vídeos e tal, me enviou uma mensagem e me convidou para trabalhar com ele. Fui para uma audição que durou um mês praticamente. No início foi uma loucura. O B-Boy, a grande maioria tem a mente muito fechada. Só pensam em Breaking, mas quando você abre a sua mente, a dança é vasta, tá ligado? É infinita. Então, foi uma experiência bem da hora, graças a Deus, até hoje eu tô na companhia, gosto muito da companhia, gosto muito da galera, gosto muito do meu chefe, enfim. E é isso, tocar, conhecer o mundo através dessa companhia, fazendo shows, viajando… coisa que, tipo, é uma bênção, dançando que é uma bênção também, então tipo, eu vivo meu sonho todo dia e eu sou muito grato a Deus por isso.
BW: Alguma coisa mudou de como as pessoas te viam quando você estava no Brasil e depois que você foi para fora? Na sua opinião quais são os maiores desafios dos B-Boys e B-Girls brasileiros quando vão dançar fora do Brasil?
Samuka: Os maiores desafios do B-Boy ou B-Girl que vão dançar na gringa, isso depende bastante. Acredito que hoje, graças a Deus, tem muito mais oportunidade através de campeonatos ou de qualificatórias, então isso já é muito bom. Muitas vezes é o clima, muitas vezes é o fuso horário, saca? Acredito que um dos mais desafiadores é a língua. A galera se preocupa muito em dançar, sim, é uma grande parte, muito importante, mas a língua, cara, às vezes atrapalha muito quando a pessoa não fala, a comunicação acaba fechando portas, falta de comunicação, então eu creio que seja infelizmente ainda a língua hoje, né? Porém, tá muito melhor, eu vejo muitos brasileiros viajando hoje e representando o Brasil em vários lugares do mundo, o que é maravilhoso para a nossa cena!
BW: Como chegou no America´s Got Talent? Como foi ser semifinalista de um show de talentos americano tão conhecido em todo o mundo?
Samuka: Bom, sobre o America´s Got Talent. Fui visitar um amigo meu, Yuri, que mora em Los Angeles. E acabei fazendo a audição para o programa e deu tudo certo. Cheguei nas quartas. Essa experiência foi gigantesca mesmo. Poder conhecer o programa, né, o Terry Crews, o Julius de “Todo mundo odeia o Chis”. Foi uma realização de um sonho! Eu lembro de ter voltado para a minha cidade lá no Recanto das Emas. E a galera pedindo para tirar foto comigo. Onde eu ia era foto, escutei pessoas agradecendo por ter falado da nossa cidade. Então eles disseram que eu coloquei a cidade no mapa, o que foi muito gratificante! Vim de fora e poder dar esse gosto para a minha cidade, para a galera que eu cresci junto, que eu represento, foi demais!
BW: Em março de 2024 você fez história ao se tornar o primeiro brasileiro a conquistar em Tóquio o título mundial no “Undisputed Masters”. Fale sobre o que se passava na sua cabeça e o que sentiu quando foi anunciada a sua vitória. Como foi ver o Brasil em peso torcendo por você?
Samuka: O Undisputed 2024, foi uma experiência surreal, maravilhoso demais! Ver a galera do Brasil lá torcendo por mim, no final das contas a galera do Japão também tava por mim, então foi uma parada louca demais! Tava numa fase da minha vida um pouco down e veio esse campeonato, eu não tinha expectativa nenhuma, eu me senti super sem estima lá, e de certa forma isso é ruim, mas também é muito bom. Sabe, dá um gás, dá um ranço, não sei se é a palavra certa, acho que dá um gás ali a mais, então poder provar para mim mesmo que era possível, e provar para a galera também que era possível, foi um tapa na minha cara primeiramente. Foi muito louco, só eu sei o quanto eu treinei ou batalhei para chegar lá. E a galera que estava à minha volta também, o Perninha também estava naquele momento, ele é um dos moleques que, tipo assim, tá comigo desde o início, eu chamo ele de coach, que é alguém que sempre me apoiou e muitas vezes quando eu desacreditei de mim, ele tava lá acreditando, e tipo, ele acreditando em mim, me dava poderes, é o que eu falo, quando eu tô feliz, tudo isso vem à tona e ele é uma das pessoas que me deixa muito feliz, foi mágico.
BW: Como você analisa o Breaking Brasileiro em relação ao Breaking do resto do mundo? Onde exatamente estamos e para onde estamos indo? Como você vê o futuro do Breaking brasileiro? Se pudesse dar um conselho para a nova geração de B-Boys e B-Girls do Brasil, o que diria?
Samuka: Cara, o Brasil, em comparação com o resto do mundo, tem muito potencial, mas infelizmente estamos um pouco atrás. Não é igual o investimento, por exemplo, que um país como a China coloca no Breaking, um país como a Rússia, um país como os da Europa. Galera tem que ralar pra caramba, muitas vezes já, a responsabilidade chega muito cedo, então é difícil conseguir viver do Breaking, tem um tempo ali para treinar e se dedicar somente para isso, não é igual aos outros países. Não é impossível, mas é difícil. Então, toda a molecada e da nova geração, se realmente quiser viver agora da dança, quiser aproveitar a melhor fase do corpo deve se capacitar primeiro, pensar só na parte da dança não basta, deve pensar no contexto geral. Um bom dançarino não quer dizer que você seja um bom profissional, então seja um bom dançarino e profissional. Fale outra língua, aprenda a falar com as pessoas, aprenda a administrar sua carreira ali, converse com quem sabe, aprenda, não tenha ego, não tenha medo de perguntar, tenha humildade de perguntar e aprender, escute mais, e se o país não está te apoiando, vai, viaja, não tenha medo de arriscar, vai para algum lugar que está te apoiando, não deixe de representar seu país. Eu comecei a morar fora, comecei a ter mais condição, mais oportunidade, nem por isso eu deixei de representar meu país, no meu caso tenho muito orgulho de ser brasileiro, de representar o Brasil, eu nunca representei outro país e nem quero. Porém, a gente tem que ser bem honesto. Não tem como continuar num lugar ou num país que não te dá suporte pra fazer o que você gosta, o que você ama tendo potencial pra ser bom.
BW: Quais são suas expectativas para a Red Bull BC One? Como se preparou? Veja, Tóquio é mágico para os Brasileiros! Você ganhou Undisputed em Tóquio. Neguin ganhou Red Bull BC One em Tóquio. Está pronto para ganhar aqui no Brasil e para em Tóquio ajudar o Brasil a lavar a alma depois de 15 anos sem levantar e trazer o cinturão do grande Touro Vermelho para o Brasil?
Samuka: Red Bull, 2025 São Paulo, zero expectativas, quero me divertir, quero dar o meu melhor, acho que é isso que importa no final das contas, no final do dia. Tem muita gente boa, esse ano tá muita gente forte, o que é muito da hora, então sei que independente do resultado, eu sei que o Brasil vai ser bem representado lá fora, então eu tô bem tranquilo. Obviamente eu vou dar o meu melhor, quero ganhar! Vou dar o meu melhor pra fazer isso acontecer! Vou. E se for da vontade de Deus, vai tudo dar certo! Quem sabe esse ano posso estar no Japão e quem sabe do lado do Neguin com esse cinturão aí, né? Com ele nas costas!?
BW: Que mensagem você deixaria para os brasileiros que torcem por você e para aqueles que se inspiram em você e na sua história?
Samuka: E a mensagem que eu tenho para deixar para a galera é minha gratidão, por todo amor e carinho, pelas mensagens, pela energia e por tudo, por tudo mesmo. Muitos momentos que eu pensei em desanimar, sei lá, sempre a galera teve comigo, então eu sou grato mesmo e espero que a galera possa se inspirar mesmo e chegar a lugares maiores e mais altos e poder inspirar mais gente ainda, espero que a gente possa compartilhar essa mensagem de gerações em gerações e que possa atingir mais e mais pessoas.
Agradecemos ao B-Boy Samuka pela disponibilidade de nos conceder essa entrevista e à assessoria de imprensa da Red Bull BC One por intermediar esse encontro.
