Ele é o guardião da história do Hip-Hop brasileiro
Conhecer o passado e respeitar quem o escreveu é um dever e uma sábia decisão de quem pretende viver o verdadeiro Hip-Hop ou falar em nome dele.
A História dessa cultura não é uma lista de nomes, datas e feitos de pessoas antigas, mas sim um registro de homens e mulheres desbravadores que abriram caminhos, criaram pontes onde não existiam, enfrentaram preconceitos, quebraram tabus, resistiram a tudo e a todos, erraram e acertaram para que hoje tudo fosse diferente.
Como certa vez disse Afrika Bambaataa: “O Hip-Hop é conhecimento, cultura, entendimento, autoconhecimento, conhecimento sobre os outros”.
O Portal Breaking World acredita na verdade dessas palavras e teve a honra de conversar essa semana com “O Guardião” da história do Hip-Hop brasileiro.
Queridos leitores, convidamos a todos para esse incrível bate-papo com Rooneyoyo, onde falamos do passado, do presente e do futuro.
Está pronto para essa conversa? Então senta que lá vem história…
BW: Rooney, queria que você falasse um pouco da sua infância, da adolescência e como era seu relacionamento com sua família. Quem era o Rooney nessa época, o que pensava e sonhava?
Rooneyoyo: Eu nasci debaixo da ponte, no Bixiga (risos), como brinca minha mãe até hoje, porque foi demolido e virou um elevado naquela região. Costumava sair cedo de casa e só voltava à noite, jogava bola, andava de Skate, bicicleta, patinete, pula-pula, corda, brincava com o que meus amigos emprestavam. Alguns brinquedos eram feitos por mim, tais como: carrinhos de rolimã, que eram construídos com restos de madeira que pedia nas oficinas e que achava em terrenos baldios; pipas, com papel de pão e vareta de bambu que encontrava na rua; taco, feito de madeira de construção; bolinhas de gude, feito à mão lixado de epóxi, além disso, fazia rolos e trocava por figurinhas para poder bater. Na adolescência, para levantar um dinheiro, fazia pulseirinhas artesanais com nomes personalizados de linha de tricô, pranchinhas de surfe como pingente de acrílico, que achava na rua, aprendi olhando os artesãos de rua. Mas, a minha paixão era jogar botão de mesa que fazia com tampa de relógio, fui campeão paulista quando tinha uns 14 anos. Nessa época, ia para o centro da cidade a pé, entrava nos condomínios comerciais perguntando se havia relojoaria para pedir vidro de relógio riscado e adesivo da empresa, que também colecionava, com o troco do pão juntava e comprava adesivo dos times e números à base de água e colava nestas tampas e pintava com tinta de guache escolar ou esmalte, escondido da minha mãe. Aos 16, conheci o Break e também o ioiô, numa promoção de refrigerante e treinava mesmo fora da temporada, quando chegou a promoção, em 1998, comecei a participar das competições de bairro e intimava os campeões da época, até que um deles me deu “uma lavada”. A partir daí, comecei a treinar mais e um colombiano me ensinou uns truques, fui convidado a participar de uma competição interna no fim da promoção e ganhei o título de “Internacional Champion Yo-Yo” da Russel Company, fui convidado a viajar com a Cia. de Yo-Yo, ou seja, minha infância dura até hoje (risos). Nesta época, recebi vários apelidos: Ninaco, Tanajura, Pé na Cova, Índio, Tijelinha, Tripa, Zé ou Zé Ricardo mesmo, cada lugar que frequentava tinha um apelido, pois não ficava em casa, vivia procurando algo para fazer e andava demais e a cada período eu tinha um ciclo de amizade para poder usufruir do que eles tinham para oferecer. Sobre pensamentos e sonhos ao decorrer da entrevista vocês vão conhecer.
BW: Quando teve o primeiro contato com a Cultura Hip-Hop? O que te chamou atenção nessa cultura?
Rooneyoyo: Em 1983, vieram uns promotores do SENAC na minha escola, oferecendo apostilas para vender e quem comprasse ganhava a inscrição do curso de datilografia gratuita, minha mãe meio que me obrigou a fazer o curso e eu tinha que ir a pé para o centro, na Rua 24 de Maio, fazer o tal curso depois da escola, entre agosto e dezembro, muitas vezes antes de começar o curso tinha umas rodas no centro. Era muito comum na época, com capoeiristas, puladores de círculo de facas, jogadores de bolinha da sorte. Em meados de outubro vi uma roda diferente, eram os dançarinos de “Breakdance”, vi um monte de meninos dançando ao som de um rádio gravador (boombox) pequeno, a mesma dança que assistia nos programas de TV e dos videoclipes, pois raramente passava algo interessante para mim, o encantamento foi imediato, fazia curso 2 vezes por semana, saía da escola e corria para o centro, para ver se encontrava esta roda de novo, para tentar aprender algo, enturmei-me e vi a Gênesis do que hoje chamamos de Hip-Hop se formar em São Paulo, de lá para cá tudo virou História e hoje profissão.
BW: Quem eram suas referências? Que elementos fizeram toda a diferença na sua vida? Com quem você aprendeu?
Rooneyoyo: Minhas referências eram os dançarinos da Rua 24 de Maio com a Rua Dom José de Barros, mas não sabia o nome de quase ninguém, até começar a ouvir quando um chamava o outro pelo apelido, eram alguns artistas dos videoclipes da época de 1983 e quando vieram os filmes em 1984, aí perdi a linha mesmo. Na época, não tínhamos conhecimento dos elementos artísticos que conhecemos. A “Febre Breakdance” tomou conta de mim, após a chegada dos filmes no Brasil, achava que tinha que fazer tudo para ser reconhecido dentro da Cultura, comecei dançando, depois fazia uns desenhos e pintava em roupas e vez ou outra um traço no muro devido a falta de grana para tintas, mais tarde, conheci o Rap, pouco antes de ir para a São Bento, em 1985 e, na sequência, tive a oportunidade de conhecer os equipamentos de DJ. Lembrando que estive presente na 24 de Maio, no aniversário de São Paulo na Praça da Sé, em 1984, no “Festival de Break”. Ver os caras que eram meus amigos indo para a novela “Partido Alto”, da TV Globo, assistir os filmes “Breakin” e “Beat Street” no cinema e, em seguida, frequentar o Boulevard da São Bento, isso foi uma “lobotomia” (risos). O aprender foi natural com todos que convivi, mas o principal era que tínhamos que ter uma Gangue, a minha era a AclimaçãoBreaker´s, com Hamilton, Eu (Ninaco), o Marcelo Gueta e seu irmão mais novo Guetinha, treinávamos no parque da Aclimação, no centro, me aproximei do Andrezinho (ALAM Beat), que era amigo do Mancão do Cambuci, treinávamos no meio da semana, durante a noite. Logo, nos encontramos enquanto irmãos e viramos da Família Street Warriors. Nesta época, conheci Tico e Teco (OsGemeos), nós trocávamos desenho pela janela, pois a mãe deles não deixava eles dançarem conosco naquele horário, além disso, com frequência o ALAM Beat me chamava para treinar na Pompéia, na casa de uns amigos que tinham uma garagem de azulejo, com Faustinho (Falecido) e Gula, a gente frequentava os bailes de matinê aos domingos, mas raramente entrava, pois não tínhamos grana para frequentar, às vezes entrava escondido, cerca de meia hora antes de fechar, assim conheci o Jack (MCJack) no clube A Ponta, no Tatuapé e revezava os treinos de domingo, quando ia ao Parque do Ibirapuera, lá treinava uma gangue de manhã em um período e no outro período vinham outras gangues diversas, ou seja, ficava de manhã até o fim da tarde, para aproveitar, sem comer e a pé (risos).
BW: Outra paixão foi o ioiô, que deu significado ao seu nome, Rooneyoyo. Fale um pouco dessa outra paixão.
Rooneyoyo: O nome “Rooneyoyo” tem vários significados, bora lá: Rooney foi o Heliobranco que me apelidou, na época das visitas à casa do DJ Ninja com a Rádio NWBass, para poder mixar num racha, simulávamos uma rádio fictícia e eu gostava muito de Gangsta Rap e meu apelido no disco Radicais do Peso ficou “Gang$taRooney”, o nome foi inspirado no Filme “Action Jackson” um Blacksploitation (filmes feitos por e para negros americanos) onde tinha um personagem tipo Robin Hood Urbano do Gueto, o porquê fica por conta da imaginação do leitor… (nada a declarar); Rooneyoyo foi a junção do nome porque alguns me chamavam de Yo-Yo também e outros me chamavam de Rooney Yo-Yo e juntei tudo para ser único nas buscas na internet. Então, tenho vários personagens e moldo conforme a necessidade.
BW: Onde tudo começou para os B-Boys e B-Girls de São Paulo? Fale sobre o Marco Zero e sobre a pedra que até hoje tem o seu nome.
Rooneyoyo: Em São Paulo, as coisas foram simultâneas em vários bairros, pois os clipes começavam a ser exibidos com cenas de “Breakdance” (a febre) de 1983 a 1985, os dançarinos eram oriundos de grupos de dança dos Bailes Blacks, mas a Rua 24 de Maio com a Dom José de Barros nos deu a explosão midiática que as pessoas conhecem da História da Gênesis do Hip-Hop de São Paulo e mesmo sem saber a nomenclatura correta, os programas de auditório passavam as disputas semanalmente e durante meses. Quando falamos de B-Boys e B-Girls o prisma muda, pois naquela época só vi uns três dançarinos irem para o chão, os movimentos eram simples. Depois do clipe do Break Machine e os filmes Breaking e Beat Street, a dança melhorou um pouco, em relação às mulheres não vi nenhuma, somente fui vê-las fazer uma entrada nos encontros da São Bento e creio que por volta de 1987, nós temos um grande vácuo na cena feminina. A participação delas foi intensificada após os encontros da B-Boys Battle Party, de 1998 em diante. O Breaking de hoje é diferente do que vimos no início, para entendê-lo, necessita-se compreender o contexto de cada época. Anos depois, no ano de 2014, Nelson Triunfo com apoio do ALAM Beat leva um projeto na Secretaria de Cultura e aprova um evento em homenagem aos tempos primórdios e eu fui carinhosamente homenageado pelo Mestre Nelson Triunfo, a quem sou muito grato pela sua contribuição pela arte e cultura.
BW: Você é considerado um dos pioneiros do Hip-Hop no Brasil, são quantos anos envolvidos com o Hip-Hop? Nos conte como tudo começou aqui no Brasil e como era viver a Cultura Hip-Hop na década de 80?
Rooneyoyo: Eu datei minha participação quando frequentei a Rua 24 de Maio com Dom José de Barros em agosto de 1983 em diante, quando fazia um curso de datilografia ali no Senac. Como já destaquei, este período chamávamos de “Break” ou “Breakdance” o que conhecemos hoje de Cultura Hip-Hop. Nessa época, tudo era muito orgânico e presencial, não havia internet, telefone de fácil acesso, as informações eram disseminadas via TV, rádio, jornal, revista, vinil, k7. As Informações eram raríssimas, para se ter uma foto de dança, tinha que comprar a revista para ter acesso ao conteúdo. Quando me perguntam sobre a década, foram sete anos de evolução, pesquisa, visitas em lojas de disco para busca dos conteúdos, mas nem sempre comprávamos, olhávamos revistas em bancas de jornais para saber se tinha alguma informação nas revistas, ia em laboratórios médicos e entrava nos consultórios para ficar folheando página por página para ver se achava algo que interessava, ia em bibliotecas todos os dias para folhear os jornais do dia na seção de cultura, para saber se sairia algo naquele dia, isso era interminável. Nos encontrávamos no Boulevard da Estação de Metrô São Bento para ver o que cada um trazia de informação e ficávamos olhando por horas e discutindo teorias sobre matérias, fotos, roupas, etc. Faço isso até hoje (risos).
BW: Que boas lembranças você tem dessa época, como era a vibe de quem dançava?
Rooneyoyo: É interessante lembrar dessa época para resgatar as memórias, principalmente porque se não revivermos e contarmos nossa história, ninguém o fará, vivemos em um país que invisibiliza as nossas histórias, apreciá-las ou respeitá-las não é cultural, principalmente por ser uma cultura marginalizada. Esse período foi incrível, principalmente porque estávamos inventando o nosso jeito de fazer arte e a cultura com todas as suas camadas, que muda de lugar para lugar. Minha energia sempre foi de troca de informação, militância, de luta, de abertura de espaço, estávamos no pós-ditadura e a dança também era um aprendizado constante, todo dia aprendíamos coisas novas. A dança moldou meus pensamentos e por ela tenho feito reflexões e construído caminhos em prol de comunidade, como não tínhamos nada de referência, (re)criávamos, faço isso até hoje, se não tínhamos uma roupa a fazíamos, se não tínhamos um som, montávamos. Então, a vibe era se reinventar.
BW: O Breaking da sua época era diferente da forma que é dançado hoje? Que diferenças você pode citar entre os B-Boys e B-Girls da sua época e os de hoje?
Rooneyoyo: É de fato diferente, já na nomenclatura, no conceito e na equidade de gênero, primeiro porque estávamos em uma bolha da moda e tudo era ditado pela TV, jornal e algumas revistas, a era “Breakdance” de 1983 a 1985. Depois temos a época dos que resistiram e suavizaram a inserção e o acesso à informação da nova geração, pois as informações foram chegando aos poucos, as descobertas e estudos sobre o que vivíamos, eram moldados à nossa realidade e foi se transformando no que todos vivenciam hoje, um exemplo disso é o termo B-Girl, que não existia, pois na época todos dançavam o “Breakdance” que hoje conhecemos como Popping, Waving, Tuttting, Robbot, alguns passos de Locking misturados com algo de Breaking. Sobre as B-Girls, só as vi depois de 1987 e elas estavam vinculadas por serem namoradas de algum Breaker que frequentava aquele espaço. Alguém precisa me rememorar, se alguma delas foi lá só para dançar o Breaking e algumas se tornaram MC em meados de 1987/1988. Havia também uma época que todos eram denominados de B-Boy, o B-Boy que tocava era o DJ, o B-Boy que grafitava, era o grafiteiro. Nossa dança, era coreografada ou muito improvisada e sempre fora do ritmo, outro detalhe que mudou muito também para melhor, claro e para corrigir isso, tivemos brigas homéricas de conceitos e provar, algo que demorava, pois os documentos e vídeos com informações não estavam ao alcance dos dedos como é hoje, mas dávamos mais valor a cada momento.
BW: Fale um pouco da Street Warriors, se não me engano foi fundada em 1983, correto? Como era o relacionamento com a sua Crew?
Rooneyoyo: Essa parte da História é linda, pois somos uma família até hoje e para entender isso tive que rever com nossos personagens da época, pois foi uma junção de várias gangues e grupos de dança. Em 1983, no Cambuci, formou-se o P.O.R.T.A.L., que era como chamamos hoje de guarda-chuva de tudo isso e podemos começar com a Star Break do ALAM Beat, Didi, Gula e Faustinho, que virou Zulu On A Time Bomb com ALAM Beat, Didi e Silvão que virou B-Boys City Breakers com a entrada do Raul (ex Funk & Cia), Deley (ex Os Cobras) e Paulinho. Gula e Faustinho (Falecido) montaram a Duck Rockers, a Fantastic Break do Cambuci com Edinho, Mancão, Fubá, Edu “O Bárbaro”, Bulldog, Luciano e Aninha; o Tico e Teco (Os Gêmeos) eram Cambuci Breakers, mas também eram B-Boys Due (nosso grupo de grafiteiros), eu, Tico e Teco e quando iam cantar Rap eram MC Due e, para finalizar a família, a minha Gangue Aclimação Breakers que eram, eu (Ninaco), Hamilton, Gueta e Guetinha, muitos grupos da época mudavam de nome para entrar em concursos. Isso tudo acontecia em 1 ano, ou seja, tem grupo que não durou 2 meses, até que o Mancão e o ALAM Beat com Silvão fundam a Street Warriors e DJ Carlão (Ninja) foi convidado para ser o DJ do grupo. A data é comemorada todo segundo fim de semana de dezembro junto com o P.O.R.T.A.L no Cambuci.
BW: Você foi um dos caras que fez os primeiros eventos de Breaking com público abrangendo todos os estados. Fale um pouco dessa vida como organizador de eventos em todos esses anos. O que foram as festas chamadas B-Boys Party, que aconteceram na Avenida Rio Branco?
Rooneyoyo: Eu virei organizador, como pode perceber nas falas anteriores, porque não tinha ninguém que fizesse a produção e também porque tenho sede de ver as coisas acontecerem. Via eventos competitivos acontecendo no exterior pelas revistas e VHS trazidas por amigos que viajavam para o exterior e pensei: “vou fazer isso igual”. Na época, eu tinha uma loja de roupas de Hip-Hop voltada para o nosso público e usava o lucro da loja para subsidiar e promover estas festas. Foi como tudo começou, mandando cartas pelo correio, colocava anúncios em revistas especializadas e quando respondiam, os convidava, fiz muita feira de moda fora de São Paulo, quando vinham ao meu balcão de vendas itinerante (estande) comprar alguma peça, já pegava contato e com certeza iriam receber um convite pelos Correios. A B-Boys Battle Party era uma festa mensal que promovíamos nos clubes do centro da cidade daquela época, entre 1998 até 2001, alugávamos o local e trazíamos os equipamentos. Tudo devido a julho de 1998, quando os encontros da Estação São Bento do Metrô foram proibidos, pois estavam mudando para um lado mais comercial com lojas e não queriam nosso povo lá, tentamos ir para a rua em outros pontos e não vingou, foi aí que decidimos fazer estes encontros, uma vez por ano fazia o B-Girls Battle Party, onde descobri uma mina, a DJ Nice, que competia no DMC (competição de DJs Nacional), ela gostava de Break Beat Europeu, uma parte da festa era comandada por elas; uma vez ao ano também fazíamos a Batalha Final, uma competição de coreografias e no final tinham batalhas de grupo. Os anos foram passando e fui mudando regras e categorias, hoje temos o foco voltado em competições de alto rendimento.
BW: A primeira “Batalha do Ano” que levou 3 mil pessoas aconteceu em qual ano? Como foi esse evento?
Rooneyoyo: Nosso primeiro evento da Batalha aconteceu em 1999, como fazíamos as festas mensais com batalhas individuais, de duplas, misto, de Old School vs New School (acima de 30 anos versus abaixo de 14 anos), B-Girls Battle, pensamos: vamos fazer a B-Boys Battle Party Annual Contest, com o nome Batalha do Ano que foi um desastre comercial em um negócio mal elaborado com o B.O.T.Y mundial, mas o público veio em massa. Tentamos mais um ano, mas para arrumar patrocínio era muito difícil, pois levar até quatorze pessoas para a Alemanha era oneroso e comercialmente inviável, mudamos o nome que segue até hoje, Batalha Final. Creio que este público de 3 mil seja em 2004, no Parque Dom Pedro, na antiga fábrica da Comgás, um espaço com 11 mil metros quadrados e dezenas de espaços, criamos uma sala onde só tocava Funk Style, creio ser a primeira deste gênero, um ambiente de 1.200 m², onde forramos com Madeirit branco para o Breaking, tivemos 17 DJs, em um pico totalmente abandonado, lembro que até os Guardas da Polícia Metropolitana ajudavam a segurar as escadas pros Pichadores e Grafiteiros fazerem seus trabalhos, ali nosso público dos 2 dias atingiu cerca de 8 mil pessoas, 3 mil no sábado e 5 mil no domingo. Foi assustador ver aquele mundaréu de gente em um pico sem nenhuma estrutura, mas era uma época Roots mesmo, fazíamos as coisas com muito amor, paixão, hoje somos mais comerciais, seguimos regras e leis, outros tempos.
BW: Fale sobre sua experiência como DJ e quando fez a escolha de parar de dançar e se dedicar a essa carreira? Estar nas pick-ups é melhor do que estar nas rodas?
Rooneyoyo: O ser DJ era uma época que achava que tínhamos que ser tudo para ser da cultura, adoro música e adorava ver como os DJ´s faziam para mixar, achava aquilo mágico, os toca discos eram um sonho de consumo distante. Então, comprava os discos, ouvia, lia, traduzia, copiava as roupas, ficava tentando entender porque das correntes, dos chapéus, das marcas, ficava horas decifrando fotos e encartes. Conheci o DJ Carlão no Cambuci, ele me mostrou um som, o Love Master Ace com a música Diseases e o refrão parecia que ele falava Ninja, foi aí que o batizei com seu apelido, DJ Ninja. Na casa dele aprendi a mixar, cortar, fazer back to back, alguns poucos scratchs, mas demorei muito para ter meu primeiro set de DJ e não escolhi parar de dançar, tenho problema na coluna, sinto dores e fui diminuindo minha ação como dançarino gradativamente, na real sempre quis dançar Popping, mas não tenho essa aptidão e fui parar no chão mesmo. E não tem comparação uma arte com outra, estar nos toca discos comandando um evento ou festa é diferente de estar nos palcos ou numa roda (Cypher) como dançarino. Gosto de tudo, então, pulo esta decisão.
BW: Você esteve fora do país algumas vezes, nos conte sobre suas experiências e sobre grandes amizades que fez pelo mundo.
Rooneyoyo: Todo ser humano tem que se oportunizar a sair de seu bairro, município, estado e país, trocar experiências ou vivenciar outras culturas, estudar para poder entender, respeitar para poder se posicionar, cultivar seres com propósitos parecidos, ser respeitado e ser verdadeiro com sua essência, olhando de fora parece algo surreal conhecer seus ídolos, mas criar seu conceito dentro de outra cultura traz verdade no seu eu, faz ser respeitado pelos criadores de uma arte que pode ser usada para o bem. Fazer amizades pelo mundo é algo que me faz bem, traz paz, faz o mundo ficar pequeno. Nada é impossível.
BW: Tocar na São Bento tem algum significado especial para você? De onde saíram os nomes DJ Naja e O Guardião?
Rooneyoyo: Sim, tocar ali, onde eu aprendi a estudar, pesquisar, me moldou para ser o que sou hoje, é impagável. Me fez entender quem eu sou e porque estou na Cultura. A.G. Naja, A. G. era o Assistente Geral do DJ Ninja, da época do disco do Hip-Hop Cultura de Rua, da Dupla MC Jack e DJ Ninja. Eles tinham muitas colagens e intervenções durante o show, não dava tempo de fazer tudo sozinho, eu tinha que ser preciso, tinha que ser dinâmico, segurava os discos, fazíamos shows com vinil e eu era como um Roadie, um faz tudo do grupo. O apelido Naja foi para combinar foneticamente com o nome do Ninja. O Guardião veio após uma palestra sobre a evolução disso ou evolução daquilo sobre Hip-Hop, mas poucos defendiam a raiz da cultura, sabemos que um povo sem passado é um povo sem História. Fui para casa pensativo e irritado, então adotei este codinome como simbologia de ser um cara que respeita a raiz, como tenho muito material da “Febre Breakdance” é como se fosse um ancião, quando alguém precisa de uma informação, procuro as referências que tenho para contribuir.
BW: Em sua caminhada, você ajudou muitos B-Boys e B-Girls a encontrarem seu próprio caminho. Em recente evento a B-Girl Miwa falou justamente da gratidão que tinha a você! Na sua visão, quais são as maiores dificuldades hoje na vida de um B-Boy ou de uma B-Girl?
Rooneyoyo: Creio muito no ajudar sem olhar a quem, mas lógico, com o passar do tempo você aprende a ajudar a quem quer ser ajudado e hoje estou bem seletivo, pois muitas pessoas acabam se aproximando para tirar proveito da sua boa vontade e você vai perdendo a fé nas pessoas, justamente por causa dos mal-intencionados e muita gente deixa de ser beneficiada por isso, e todos perdem. É um assunto delicado e muito pessoal, a Miwa que você citou é uma mulher inteligente e dedicada, na época vi um potencial circunstancial diferente e foi uma troca mútua de trabalho e conhecimento, tinha minhas ideias e ela fome de fazer algo importante para ela e pra Cultura, tenho esse olhar de perceber o potencial em algumas pessoas, umas dão muito certo outras não, devido a fatores variados, os que dão certo ficam para a História, os que dão errado dá vontade de desistir de tudo, porque são pessoas que te traem e não entendem o quão profundo é ser leal e respeitar sua criação intelectual. Isso vem acontecendo com mais frequência, alguns querem ser você sem viver a sua experiência, os valores de hoje são fúteis e sem pudor, cada vez eu vejo menos pessoas criativas e sem propósitos longínquos, são imediatistas, isso não é bom para ninguém. Não há dificuldades se fizer um planejamento, mas para isso o dançarino precisa entender e respeitar vários níveis de ação global. Estamos falando de Brasil? Aqui estamos muito à frente dos nossos vizinhos, porém, sonhando errado. É fácil, falando de competições, derrotar o mundo todo com nossa aptidão corpórea, mas não respeitam as hierarquias e conhecimentos dos mais velhos e se baseiam em pessoas erradas, apoiam um desconhecido que nunca fez nada pela sua categoria em detrimento de achar que é seu concorrente. Muitos criam mecanismos abstratos e temporários, isso não funciona e vai dar errado. Se não unir a categoria, nunca dará certo e tem um monte de gente indo no caminho errado, porque é o mais curto, dificuldade haverá sempre, devido às escolhas egoístas.
BW: Das festas de B-Boys Party na Rio Branco diretamente para o futuro. Hoje falamos de Olimpíada e você é o Vice-Presidente da Federação Paulista de Breaking e Presidente da Confederação Brasileira de Breaking. Você imaginava no passado que o Breaking chegaria a virar uma modalidade olímpica? O que acha sobre o fato do Breaking ter sido indicado como mais uma modalidade olímpica? É possível com toda essa evolução que se perca a essência desse elemento como muitos temem?
Rooneyoyo: Já tive esta conversa com Crazy Legs em 1999, quando o trouxemos, em um dos jantares parece que tivemos a mesma sensação e desejo de ver o Breaking competitivo nas Olimpíadas, porque falamos da abertura nas Olimpíadas de 1984 nos EUA, justo na febre do “Breakdance” e ficamos imaginando como seria, foram horas discutindo conceitos, pois eles são os criadores e nós consumidores, então, até ele entender a ótica de quem não vive nos Estados Unidos da América, que eles estão em um país corporativo e nós em um país assistencialista e isso não é fácil. Mas, não imaginava de fato que isso aconteceria. Hoje tenho um pensamento crítico muito profundo sobre este assunto, creio que é cedo para essa admissão da nossa modalidade, pois o mundo todo precisaria ter uma política pública voltada para o esporte e um apoio mais forte em todos os países, o que ninguém percebe é que temos uma disparidade cruel e injusta, enquanto Europa e Ásia gasta cerca de 6 milhões de reais para fazer um evento de um final de semana, nós aqui, por exemplo, não conseguimos captar recursos na casa dos 50 mil reais para um evento, muito menos nossos vizinhos Sul e Centro Americanos, Africanos e Oceania, para que estejamos entre os 64 países como consta na proposta para o COI. Politicamente é um evento para envaidecer o capitalista eurocêntrico. Para mudar a ótica da nossa categoria, agora falando dos brasileiros, precisam entender que temos um plano, mas sem adesão não vai funcionar. O que vejo é daqui uns anos, não termos brasileiros competindo pela falta de escolhas coerentes e assertivas neste momento, pois um erro pode frustrar toda uma geração e teremos um delay como estamos tendo no futebol. Conversamos com um dos colaboradores da elaboração das regras para as competições da modalidade, o Storm, apontei várias incongruências na competição, mas como disse, politicamente e esportivamente vai sim perder a essência como muitos temem. Creio que quem gosta da arte como cultura deve continuar fazendo como sempre fizeram e quem tem o foco Olímpico deve procurar focar. Daqui 20 anos teremos dois tipos de dança e como irei continuar fazendo as duas danças, a do Hip-Hop e a Olímpica, não tenho este problema. As pessoas vão ter que aprender a separar isso no conceito desde o início, hoje a confusão está estabelecida, Breakers formados em Educação Física criticam as competições de alto rendimento, mas aceitam ser produtores e jurados de competições de empresas que trabalham com o esporte de alto rendimento. Competidores atuais da modalidade, dançam, competem e julgam competições de alto rendimento e são contra as competições Olímpicas, o dinheiro compra as pessoas, mas não admitem que o fazem. Por isso, digo que não vai dar certo se não entrarem num consenso. O que eu vejo é medo de se assumirem publicamente, pois ser de uma Federação ou estar em uma Confederação dá trabalho, custa caro e é muita responsabilidade, as pessoas não sabem como funciona, não querem aprender e se dar o trabalho de criar algo que não existe. Repetindo, as pessoas não querem trabalhar para criar algo inexistente, querem o produto pronto para consumo, para poderem criticar em vez de aderir e ajudar a realizar.
BW: Com o advento das Olimpíadas o que muda na vida daqueles que pretendem de fato se tornarem atletas olímpicos? O que essa nova geração de B-Boys e B-Girls pode esperar?
Rooneyoyo: Sempre acreditei que tudo pode ser bom, vai mudar a vida de quem ingressar neste foco Olímpico, não só para o Atleta Dançarino, mas para todos que se envolverem, ainda vão abrir caminho para outros profissionais da categoria como comissão técnica, profissionais da saúde, entre outros, mas para que isto dê certo aqui no nosso país teremos que mudar nossa cultura do pensamento, cultura de postura, cultura do estudar, pesquisar, respeitar e nossa política tem que mudar para um campo diferente do que temos hoje, a política do assistencialismo, a política de dar migalhas popularmente falando. Isso nunca funcionou em nenhum país do mundo. O esporte pode mudar isso, melhorar a vida dos brasileiros, mas a política tem que mudar também, a mudança deve demorar uns 50 anos ou umas três gerações, ou seja, não veremos isso acontecer. Mas, vou dar um voto de esperança e fazer um apelo para quem ler esta entrevista, vamos nos unir pela causa juntos ou iremos sempre brigar entre nós e não vamos chegar a lugar algum.
BW: No último ano você realizou a Batalha Final em alguns lugares como no Shopping Tatuapé e no Centro Esportivo Tietê, na Virada Esportiva. Como foram esses eventos?
Rooneyoyo: Desde o início as Batalhas que fazemos são tematizadas, cada ano criamos um conceito e aplicamos nas peças publicitárias e tentamos envolver os participantes para este universo lúdico que nos possibilita viajar dentro da arte. Não fizemos nada novo, porém inédito em São Paulo, entrar em um Shopping e executar um evento com todas as exigências e prazos cumpridos, além de participar de uma Virada Esportiva, com a Secretaria Municipal de Esportes, só mostra o quanto nós amadurecemos profissionalmente e estamos preparados para assumir responsabilidades internacionais com todas as exigências Olímpicas. Executar eventos com apoio governamental é sempre uma roleta russa, exige um grau de flexibilidade de alto nível mental. Nunca é fácil depender e assumir a responsabilidade com as leis que temos, a burocracia não ajuda, os prazos são curtos para uma execução com excelência. Mas, concluímos e superamos a expectativa das metas impostas pelo grupo de trabalho. Com o orçamento que tínhamos foi planejado 4 eventos e executamos um total de 7, incluindo a contrapartida e com uma ação social de doação de reciclagem dos banners que sempre ficam inutilizados, ajudando uma comunidade de mulheres de vulnerabilidade social. Foi emocionante concluir e conseguir este feito dentro da realidade imposta.
BW: Com a pandemia, muitos planos mudaram na vida das pessoas. Em muitos casos, foi necessário uma readaptação. O que você tem feito? É verdade que está trabalhando num novo modelo de evento? Pode falar sobre ele? Quando será e de que forma será?
Rooneyoyo: Essa pandemia nos atrasou 2 anos de planejamento, li e estudei muito e fiquei pensando como poderia mudar parte desta realidade atual. Tínhamos planejado um Brasileiro e um Sul-Americano para este ano, mas seguindo as normas e decretos da OMS (Organização Mundial de Saúde), tivemos que nos adaptar e voltar à realidade imposta. Então, vamos fazer um evento semipresencial, com a participação somente dos competidores, DJ, MC e produção reduzida, sem público, para isso criamos um programa de TV On-Line, com um conceito Cibernético e Eletrônico com o piso individual e com o distanciamento social necessário. Teremos um sistema de julgamento presencial com um aplicativo digital com desenvolvimento de inteligência artificial, muito parecido com o que vai ser usado se aprovado no futuro Olímpico, ou seja, quem participar desta competição já irá sentir a emoção de como será daqui alguns anos. A Batalha Final ocorrerá em breve. Sobre o que eu tenho feito desde março, estudando, consegui ler 19 livros e 8 dissertações de mestrado de amigos, escrevi um texto para um livro que será publicado em breve pelo Os Gêmeos, falando da parte do Rap brasileiro e a correção cronológica do mesmo. Já era para a exposição “Segredos” deles, que será exibida na Pinacoteca, em São Paulo, estar aberta ao público e deve abrir em outubro, tem obras minhas feitas na época que trocávamos desenhos pela janela, não posso dar spoiler mas quem for irá entender este universo do Hip-Hop da sua raiz até o lado mais comercial e aqui fica meu convite para a visita. Dica: comprem o livro e os brindes, vai virar item de colecionador. É isso, estou fazendo algo produtivo, sendo eu e aproveitando para pesquisar mais, pois tenho novidades para lançar em breve, muitos acontecimentos artísticos.
BW: Na sua opinião, o que você acha dos eventos on-line que têm acontecido e como acredita que será a vida futura de B-Boys e B-Girls com esse fator de risco, o novo coronavírus? Que desafios terão que ser enfrentados ao seu ver?
Rooneyoyo: É fato que gostaríamos de ter público presente, mas a pandemia mudou nossas realidades, adaptar faz parte da continuidade. Estou acompanhando alguns eventos on-line e só me mostra o que não fazer, pois conceitualmente estão executando de maneira emotiva, tendenciosa, faz com que desmotivem alguns dançarinos e isso não é bom, por outro lado é importante ter alguns eventos neste conceito, faz com que motivem os dançarinos continuarem treinando, um paradoxo e vejo também muitos competidores com o propósito sem planejamento assertivo e isso é um erro que pode custar caro, procurar uma assessoria seria um bom caminho para melhoria de alguns produtores, uma agenda coletiva poderia ser algo construtivo. Essa doença (Covid-19) é implacável e invisível, os cuidados para com os participantes diretos e indiretos têm que ser levados à sério, temos que aprender a conviver remotamente e conviver conosco sozinhos, este é o maior desafio que enfrentaremos.
BW: Quem é hoje o Rooneyoyo? Qual o legado que pretende deixar para as gerações futuras? E o que significa o Hip-Hop na sua vida?
Rooneyoyo: O Guardião hoje é um cara mais tranquilo e focado em fazer algo que o deixe feliz e em paz. Vai continuar lutando e brigando pelo que acredita, causas que ache importantes, têm muitos sonhos a serem realizados, ideias para tirar do papel e realizar. Um ser pensante e pulsante. O legado é algo que depende de quem vai receber, pois o imediatismo faz parecer inútil o lapidar do tempo, quem dá valor a arte sabe que já cumpriu mais do que prometeu para si próprio, daqui para a frente as ideias estão implementadas e outras podem surgir. Hip-Hop é algo espiritual e orgânico, só vivendo pra sentir e entender.
Fotos: Cadu Barbosa, Willian Machado, 77Produz, DMC e Arquivo Pessoal.