Conheça a história do B-Boy nordestino que da dança fez asas e representou o Brasil na Índia

“A dieta do pobre é não morrer de fome. A fome foi muito presente na minha vida por muitos anos.” (B-Boy Till)

Ele é de Quintino Cunha, bairro que fica em Fortaleza, no estado do Ceará. De uma família humilde, teve uma vida difícil, o que não o impediu de correr atrás dos próprios sonhos.

Foi com a mãe que também foi pai que aprendeu a ler por meio de uma cartilha, sendo o único da família a terminar o ensino médio. Sua paixão sempre foi a capoeira, mas foi por intermédio do Breaking que criou asas e voou de encontro aos próprios sonhos, ganhando a etapa nordestina do “Red Bull BC One” e, depois, a “Cypher Brasil”, numa disputa emocionante que pegou fogo em uma das noites mais frias paulistanas em 2019, o que o levou em seguida para a Índia, junto com mais dois brasileiros, B-Boy Bart e B-Girl Itsa, representando o Brasil.

Sem dúvida, ele escreveu o nome na história e está entre os melhores B-Boys brasileiros! Estamos falando de Francisco Cleiton Verçosa, da Perfect Style Crew ou, somente, Till. O Portal Breaking World teve a satisfação de conversar com ele e abordar vários assuntos sobre a vida e a dança do atual campeão da “Red Bull Cypher Brasil”.

Veja a entrevista na íntegra:  

BW – Fale sobre a sua infância, onde nasceu e foi criado, sobre a sua família. Quando você teve o primeiro contato com a Cultura Hip-Hop?

Till – Eu sou de uma família humilde, que sempre lutou pela sobrevivência do cotidiano. Nascido em Fortaleza-CE, no bairro Quintino Cunha. Na minha infância, no período de 1 a 4 anos, lembro que nunca ficávamos no mesmo lugar, minha mãe, sendo pai e mãe para nós (4 filhos – 3 homens e 1 mulher). Nunca consegui estudar direito. Já morei em vários lugares de Fortaleza, chegando a morar até em um interior próximo à cidade. Itaitinga para ser exato. Esse foi um lugar onde passei muitos anos de necessidade, mesmo com casa própria. Até voltar para Fortaleza e, desde então, sempre morar de aluguel. Desde quando morávamos juntos, meus irmãos, minha mãe, minha tia e eu e várias outras pessoas, incluindo uma prima minha, sempre foi uma luta cansativa e sempre via o resultado da mãe no final do dia antes de irmos dormir. Aprendi a ler em casa com a minha mãe, com uma cartilha do ABC. Depois mudamos para Antônio Bezerra-CE, que é onde vivi o restante da “infância” e quase toda a minha vida até hoje. Estudei, único da família a terminar o ensino médio e sempre buscando algo melhor por meio da arte para minha mãe e tia, que moram comigo. Meus irmãos estão cada um em suas casas, com seus parceiros. Atualmente, tenho 25 anos e em 4 dias faço 26.

 

Atual campeão da “Red Bull BC One Cypher Brasil”, B-Boy Till



BW – É verdade que sua paixão pelo Breaking começou quando assistiu a uma apresentação na escola onde seu sobrinho estudava? Conte como foi isso.

Till – Um certo dia levei meu sobrinho para a escola, para praticar o Hip-Hop e, quando vi, me apaixonei. Na época, tinha 14 anos e já praticava capoeira, que também amo.

BW – Com que idade começou a dançar Breaking? Alguém te ensinou? Quem eram suas referências?

Till – Comecei com 14 anos. No Breaking era muito difícil ter uma didática de como compartilhar o Breaking/Hip-Hop para os demais aqui na minha cidade, sinto que no meu começo muitas pessoas não me passavam bases, steps, movimentos, porque viam uma capacidade, uma força de vontade tão grande de querer entender/aprender aquilo que estava vendo, que isso causou inveja em algumas pessoas próximas. E isso me atrapalhou muito. Tive muitos incentivadores, mas hoje vejo que eram aproveitadores do meu talento. Mas, apesar disso, sou muito grato a todos que já passaram pela minha trajetória de vida. E deixo bem claro do quão sou grato. Há uns 9 anos, achava que só existiam competições, cyphers, outros treinos, só no exterior. Se a galera fosse menos egoístas na época, talvez, meu Breaking seria mais aproveitado, como faço hoje em dia e, quem sabe, minhas condições estariam até melhores. Mas Deus sabe o que faz.

 

Mesmo passando por muitas dificuldades, B-Boy Till conquistou seu lugar na cena



BW – Li que antes do Breaking outra paixão era a capoeira. Acredita que o fato de você ser capoeirista o ajudou no Breaking?

Till – A capoeira te ensina muita coisa, sem ela, não teria a disciplina mental e corporal que tenho hoje. Sem falar da flexibilidade que adquiri, praticando-a.

BW – Fale sobre o seu gosto por desafios e todo o preparo físico necessário para se alcançar um bom rendimento.

Till – Sempre gostei de desafios para aprender algo novo. E por isso, exploro todo meu corpo, além de exercita-lo, para deixá-lo inteligente, possível para fazer o que eu penso ou vejo de novo.

BW – Nos conte como são seus treinos, quantas horas e quantos dias da semana dedica a isso?

Till – A meta é treinar todos os dias, mas, agora, estou na fase adulta e tenho prioridades, como, por exemplo, ganhar dinheiro para pagar as contas do fim do mês, então, não tem como me empenhar todos os dias só no meu Breaking, apesar de também ser meu trabalho. Mas amo treinar e gosto de dar o meu máximo todas as vezes que treino.

BW – Procura manter alguma alimentação especial?

Till – Costumo falar que a dieta do pobre é não morrer de fome. Porque a fome foi muito presente na minha vida por muitos anos. Eu deixei de comer algumas coisas por falta de condições e porque também faziam mal à minha saúde, tipo, refrigerantes, salgados, pizza, guloseimas, e etc. Só não deixei completamente, porque como disse, como tudo, mas amo treinar muito.

BW – Você trabalha com dança e dá aula na sua cidade? Fale desse trabalho.

Till – Atualmente trabalho na empresa “Beach Park” com a função de animador/bailarino e com o meu Breaking, passando workshops e julgando eventos. Gosto de ser digital influencer no Instagram, que é onde consigo me comunicar com todo mundo.

 

B-Boy Till em seu trabalho como animador no Beach Park



BW – O que passou pela sua cabeça quando decidiu concorrer na “Red Bull”? Achou que chegaria onde chegou?

Till – Quando participei da “Red Bull” pela primeira vez, achei que os jurados sempre me dariam uma chance de mostrar o meu potencial. Fui treinando. Sem pretensão nenhuma de passar ou ser melhor que ninguém, apenas mostrar algo massa e movimentações originais minhas para a galera e, no final, tudo deu certo. Fui para o mundial!

BW – Como foi no dia da “Cypher Brasil”? Deu nervosismo ou aquele frio no estômago? Ou você se sentiu confiante?

Till – Estava chateado porque cheguei durante o evento. Cheguei 20h no sábado, o evento sempre começa na sexta e vai até o domingo. Bateu o nervosismo, o lugar era horrível de respirar, passei mal na semifinal, contra o participante Onnurb, ele também. Então, foram turbilhões de coisas ruins, mas aguentei e firme em Deus. No final, tudo deu certo!

BW – Na sua opinião, o que o levou a ser o campeão da “Cypher Brasil”? Na final, você e o Ruddy, dois grandes B-Boys brasileiros, como foi esse momento?

Till – Eu estava apostando na minha originalidade e o Ruddy na dele, então, eu acho que essa confiança de si próprio é que nos faz acreditar que podemos, sim, chegar lá e representar. O Ruddy já é veterano, muita experiência e viagens para o exterior. A minha ali ia ser a primeira. Mas deu certo, acho que só em eu ter chegado na final estava ótimo.

 

B-Boy Till foi um dos representantes do Brasil na Red Bull BC One, em Mumbai, na Índia



BW – Teve muita comemoração no Nordeste quando saiu o resultado? Qual foi a reação da família e de amigos?

Till – A reação é sempre não acreditar no que tá acontecendo. Mas esse era meu objetivo e consegui concluí-lo. E fiquei tranquilo, mas por dentro muito feliz. Pelo que eu vi de algumas pessoas, feliz e outras confesso que não entendi muito bem. Não sei, talvez, pensavam que eu teria novas atitudes por ter vencido esse evento. Mas estranhei a forma de me tratar, positiva e negativa. Eu estou tranquilo, o que mudou foi eu ficar mais conhecido para mais pessoas, alcançar mais pessoas e ganhar mais seguidores do Instagram. Só isso, e muito grato só por isso!

BW – Conte como foi na Índia, como foi competir com alguns dos melhores B-Boys do mundo?

Till – A Índia é um país forte em personalidades e culturas. Pessoas muitos gentis, comidas muito apimentadas, sem carne, sem o meu costume de arroz e feijão todo dia. Estranhei um pouco a alimentação, o clima, mas gostei. Eu estava sem grana nenhuma, então, não pude aproveitar muita coisa.

BW – É verdade que os estrangeiros, quando pensam em brasileiros dançando Breaking, esperam ver movimentos como o mortal, entre outros de Power Move, por causa da imagem que o Neguin fez lá fora?

Till – Acredito que o B-Boy Neguin acreditou no que ele tinha e mostrou, mas já é do brasileiro lançar nas battles movimentação como backflip (mortal para trás) e outros que lembram a capoeira, mas tem outros tipos de B-Boys no Brasil. Então, acho que os gringos devem pensar bem antes de deduzir que tal B-Boy faça tal coisa, porque existe vários outros “flava” no Brasil. Não só na técnica, mas no style também. Eu amo treinar os dois !

 

Além de B-Boy e animador, Till também é digital influencer.


BW – O que mudou na sua vida depois dessa experiência? Quais são seus planos para o futuro?

Till – O que mudou foi que eu tive minha primeira viagem para o exterior e foi para Mumbai, na Índia e mais seguidores no Instagram. Tirando isso, nada. Mas, também, acreditaria que haveria algum tipo de apoio ou patrocínio, mas nada.

BW – O que você diria para B-Boys e B-Girls da nova geração que sonham em chegar onde você chegou?

Till – Digo-lhes a vocês que querem chegar onde cheguei, que treinem bastante sem se importar com a opinião do outro, seja a disciplina e estude bastante, independente de sua classe social. Cuide do seu corpo e objetive as suas conquistas.

Fotos: Arquivo Pessoal

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