Viva as cores e a arte legítima! Hoje é o Dia Internacional do Graffiti
O Graffiti é uma forma de expressão artística que utiliza locais públicos, muros, paredes de grandes edifícios, roupas, carros e até o chão como tela. A história do Graffiti começa ao final dos anos 1960 e início dos anos 1970, em cidades como Paris e Nova York, locais que começaram a mostrar em suas paredes as primeiras obras de artistas anônimos que buscavam se expressar com temas da transgressão e da contracultura, um movimento que criticava e questionava a cultura determinante de uma cidade.
A palavra Graffiti vem da palavra italiana “graffito”, que significa literalmente “escrita feita com carvão”. Mas falar do marco zero talvez não seja fácil. Há relatos de que no Império Romano, há mais de 2 mil anos, alguns muros de Roma já ostentavam pinturas que criticavam políticos, em imagens cheias de ironia. Em Pompeia, ainda é possível encontrar muros com pinturas que simbolizavam um protesto. A história se perde no tempo, mas foi nos EUA e na França que a arte se tornou uma importante ferramenta de resistência a todos os tipos de opressões.
Em Nova York, foi das periferias que surgiu o Graffiti, sendo um dos elementos da Cultura Hip-Hop. Saindo dos muros de vizinhanças como o Bronx, o Graffiti tomou conta dos metrôs e até dos próprios trens, levando a arte e o protesto da periferia para todos os cantos de Nova York.
Em Paris, houve o movimento conhecido como “Maio de 68”, em que estudantes das duas maiores universidades da cidade iniciaram um protesto contra o que acreditavam ser uma política retrógrada das instituições de ensino. Os sindicatos também passaram a protestar, em resposta a um certo clamor mundial, já que aquele ano foi marcado por fatos muito importantes, como o assassinato de Martin Luther King Jr. nos EUA, o fortalecimento dos regimes militares na América Latina e a guerra no Vietnã. Nesse contexto, artistas anônimos deixaram seu descontentamento estampado nos muros da capital francesa, marcando, assim, o início dessa forma de expressão.
O Brasil é de todas as cores! E tem motivos para se orgulhar!
Tudo que acontecia nos EUA e na França chegou a refletir no Brasil, trazendo mudanças na música e no movimento tropicalista. A periferia de São Paulo seguiu os passos das grandes metrópoles mundiais e também começou a usar o Graffiti como forma de expressar artisticamente suas opiniões contra outras imposições culturais. Tomando força no início da década de 1980, o Graffiti, em São Paulo, chegou a ser considerado vandalismo e pichação por uns, ou admirados por outros, como era o caso dos urbanistas que viam tudo como arte e forma de expressão artística.
Um exemplo brasileiro de um dos grandes nomes dessa arte, como Basquiat e Keith Haring, é o italiano Alex Vallauri, nascido em Asmara, Eritreia em 9 de outubro de 1949, chegou ao Brasil em 1965, se estabeleceu em Santos, no litoral e mudou-se em seguida para a capital paulista, mas, infelizmente, morreu ainda jovem, em 1987, aos 37 anos, em São Paulo. O dia de sua morte, 27 de março, é a data em que é celebrado o Dia do Graffiti no Brasil. Vallauri participou nas seguintes edições das Bienais de São Paulo: 11ª (1971), 14ª (1977), 16ª (1981) e 18ª (1985). Além disso, também esteve nas mostras intermediárias realizadas pela Fundação Bienal: Pré Bienal (1970), Brasil Plástica-72 (1972), A trama do Gosto (1987) e Bienal Brasil Século XX (1994). Alex Vallauri começou com seus Graffitis em 78, quando surgiu nos muros de São Paulo uma enigmática bota de cano longo. A bota logo recebeu uma perna, umas luvas negras e acabou se tornando o personagem principal de sua obra, A Rainha do Frango Assado, uma das vedetes da Bienal de 1985. Esse era o grande lema de Valllauri, em suas palavras: “Enfeitar a cidade, transformar o urbano com uma arte viva, popular, de que as pessoas participem, acrescentado ou tirando detalhes da imagem… essa é a minha intenção.” Em relação a sua atividade como artista urbano, costumava dizer que “poderia ser chamada de desempenho anônimo”, uma vez que “o público só vê as marcas que ficam nos muros”.
O tempo passou e o Graffiti brasileiro evoluiu muito de Vallauri para cá e, além de já ser considerado por cada vez mais pessoas como expressão da arte contemporânea, essa expressão já conta com grandes nomes nacionais expondo em grandes painéis ao redor do mundo. E continua se modernizando, tudo vira tela e o Portal Breaking World foi atrás de alguns desses artistas, que aqui em São Paulo deixam a nossa vida cada dia mais colorida e nos enche de orgulho mesmo em momentos tristes como esses que vivemos da pandemia. Lembrar desses mestres urbanos e mostrar a nova geração que já mostra sua força e resistência é uma boa forma de comemorar o Dia Internacional do Grafitti, prontos para viagem ao mundo das cores?
OsGêmeos Gustavo e Otávio Pandolfo nasceram em 1974, na cidade de São Paulo. Passaram a infância e a adolescência no Cambuci, um bairro da cidade de São Paulo. Nesse período eles foram expostos a uma variedade de mudanças culturais influenciadas pelas ruas. No final dos anos 80, com o surgimento e o avanço do movimento Hip-Hop no Brasil, os gêmeos foram amplamente afetados por ele, começando como B-Boys e continuando com seus primeiros trabalhos de Graffiti. O estilo inicial de sua arte de rua ainda estava para ser formado, pois faltava consistência e referências artísticas que eles empregaram posteriormente. Com isso, eles mostraram uma incrível versatilidade no que diz respeito à mídia, usando não apenas tinta spray, mas também frascos de tinta para carros e tinta látex quando faltavam materiais adequados para o trabalho desejado. Trata-se de uma dupla dos inseparáveis e geniais artistas de rua; dos irmãos gêmeos que nasceram idênticos, tanto na aparência quanto na criatividade. Sob esse nome e trabalhando sempre unidos, conquistaram o mundo do Graffiti e da arte, porque seu estilo distinto os tornava os grafiteiros mais importantes e influentes de sua geração. Hoje, são reconhecidos e admirados não só no Brasil, mas em todo o mundo por meio de suas artes, usam linguagens visuais combinadas, o improviso e seu mundo lúdico para criar intuitivamente uma variedade de projetos pelo mundo. Já realizaram inúmeras mostras individuais e coletivas em museus e galerias de diversos países, como Cuba, Chile, Estados Unidos, Itália, Espanha, Inglaterra, Alemanha, Lituânia e Japão. Atualmente, estão “em casa”, na Pinacoteca de São Paulo, com a Exposição “Segredos”. Sim, eles contam segredos jamais revelados antes na exposição. O lançamento da exposição foi um sucesso.
Eduardo Kobra é dos artistas mais famosos do Brasil na arte do Graffiti. Autor do maior mural grafitado do mundo — “Chocolate”, com 5.742 metros — Eduardo Kobra também tem grande parte de suas obras espalhadas pelo mundo. Em contraponto ao estilo mais lúdico da dupla OsGêmeos, Kobra usa o realismo carregado de cores como marca pessoal. É um expoente da neo-vanguarda paulistana. Começou como pichador, tornou-se grafiteiro e hoje se define como muralista. Seu talento brota por volta de 1987, no bairro do Campo Limpo com o picho e o Graffiti, caros ao movimento Hip-Hop e se espalha pela cidade e pelo mundo. Com os desdobramentos que a arte urbana ganhou em São Paulo, ele derivou – com o Studio Kobra, criado em 95 – para um muralismo original inspirado em muitos artistas, especialmente os pintores mexicanos e norte-americanos, beneficiando-se das características de artista experimentador, bom desenhista e hábil pintor realista. Suas criações são ricas em detalhes, que mesclam realidade e um certo “transformismo” grafiteiro. Muitos críticos afirmam que a característica mais marcante de Kobra é o domínio do desenho e das cores. Mas o que é mais fundamental para o artista é o olhar. Kobra foi desde cedo apresentado às adversidades da vida. Viu amigos sucumbirem às drogas e à criminalidade. Alguns foram presos. Outros tantos perderam a vida. Foi o olhar que o salvou. Kobra é autor de projetos como “Muro das Memórias”, em que busca transformar a paisagem urbana por meio da arte e resgatar a memória da cidade; Greenpincel, onde mostra (ou denuncia) imagens fortes de matança de animais e destruição da natureza e “Olhares da Paz”, onde pinta figuras icônicas que se destacaram na temática da paz e na produção artística, como Nelson Mandela, Anne Frank, Madre Teresa de Calcutá, Dalai Lama, Mahatma Gandhi, Martin Luther King, John Lennon, Malala Yousafzai, Maya Plisetskaya, Salvador Dali e Frida Kahlo e recentemente homenageou o Rei Pelé com um mural em Santos, no litoral sul do estado de São Paulo, “Coração Santista”, com 800 metros quadrados.
Mel Zabunov nasceu em um ambiente artístico, em São Bernardo do Campo, teve contato com artes visuais desde muito nova: “minha mãe, artista autodidata, já fazia esta conexão unindo seus sete filhos e incentivando a criatividade por meio da música, da dança, escultura, do artesanato, artes plásticas e contação de histórias, ela passava todo este universo mágico para nós sozinha e nos contava o quão grande e interessante são outros países, sua culinária diferente, idiomas, culturas diferentes no geral, então, toda criatividade e vontade de desbravar o mundo herdei da minha mãe, tenho muito orgulho disto. Tive uma infância onde nós mudávamos muito de casa, perdemos muitas coisas, minha mãe sofria no casamento e por conta de religiosidade nos sentíamos sufocados, era bem difícil, não parávamos em escola nenhuma e nunca tínhamos condições para nada, assim, morávamos sempre em 1 ou 2 cômodos, lembro que aos meus 8 anos, fomos morar de favor na casa da vó materna, onde minha mãe não tinha muita autonomia sobre os filhos, por conta dos meus tios meu pai não foi morar junto nesta época”, conta a grafiteira. Aos 12 anos de idade (ano 2000) começou a reparar as pichações na rua e começou a pichar uma sigla do seu próprio nome, mas usava giz de cera, a partir de então se fixou no universo da pichação e a coisa foi ficando cada vez mais séria, era uma das poucas mulheres da pichação na cidade. Suas maiores inspirações são no “Ser Humano” em geral, sempre se preocupa em conectar o trabalho aos sentimentos de alguém, procura estampar exteriormente incentivos de autoestima, espiritualidade, tudo que é genuíno, natural e orgânico e fazer as pessoas olharem para dentro delas, encontrando todo seu potencial particular.
Bonga Mac nasceu em 1975, Donizete de Souza Lima, artista visual, arte-educador, empresário e estudante de artes visuais pela FAEEP – Faculdade de Educação Paulista (2019-2023). Co-autor do livro Tinta Loka Street Book (2017) e empresário desde 2013, seu primeiro contato com o Graffiti foi em meados dos anos 90, por influência da Cultura Hip-Hop, o que o motivou a reproduzir as ideias passadas em capas de discos e letras de músicas. Desenvolve projetos notáveis enquanto artista visual no Graffiti e, desde 2000, atua como arte-educador em projetos de incentivo à difusão da Cultura Hip-Hop e arte urbana, para um público diversificado. Já atuou em projetos como Criança Esperança (Instituto Sou da Paz), Fundação Fé e Alegria, Ação Educativa e Fábricas de Cultura. Atualmente, está se dedicando ao Projeto Kombozas, onde faz belos desenhos em Kombis e tem como objetivo criar uma galeria móvel. Durante a pandemia, tem customizando peruas com a técnica do Graffiti, trabalho que está desenvolvendo de forma gratuita aos perueiros e perueiras. É uma forma de presentear quem está na rua todos os dias e também de se manter produtivo em tempos de Covid-19. Deseja com essa ação se tornar o gatilho para levar essa movimentação para o Guinness Book, onde pretende quebrar o recorde do artista urbano que possuirá o maior número de Peruas Kombi pintadas.
Fabiano Minu nasceu na Vila Maria, bairro da capital de São Paulo. A paixão pela arte do Graffiti e pelas cores em jaquetas aconteceu com a chegada do filme “Beat Street” (A loucura do Ritmo), em 1984. Fez parte da 1ª geração de B-Boys de Guarulhos e também da 1ª geração de B-Boys da São Bento, no início de 1985. Integrante do lendário grupo de B-Boys Fantastic Force (Guarulhos), teve como referências no Graffiti em jaquetas, os grafiteiros Paulo “Robô” e Bad Break Mania. Participou da 2ª Amostra Paulista de Graffiti de São Paulo, em 1993, com vários artistas na época, como OsGêmeos, Speto, Gugu, Vitché, Arhur Lara, entre outros. Conheceu o Paulo Robô na Sundays Disco Club… “foi o primeiro grafiteiro que conheci, por ver a primeira jaqueta grafitada (antes só tinha visto no filme Beat Street). Anos à frente, conheci outro grafiteiro na São Bento, Bad Break Mania, com jaquetas grafitadas sensacionais, essas são minhas duas referências no Graffiti em jaquetas. Depois de eu ter pago para ter a minha primeira roupa (camisa) grafitada e não sair como eu queria (risos), tomei coragem para começar a grafitar em roupas na época”, explana Minu. Outra paixão são os boomboxes, ele conta: “Os boomboxes também têm a sua importância, pois são os parceiros dos B-Boys para dançarem nas ruas e todos aqueles que curtem um Beat, Funky Groove, Rap, etc. Não é à toa que existem vários colecionadores de boomboxes no intuito de manter essa ligação entre artistas e a música. Para quem é da velha escola, ter uma jaqueta e um boombox grafitado é como representar as raízes do Hip-Hop em sua essência. Eu tenho um boombox que grafitei recentemente, quem sabe seja o primeiro de muitos que virão”, conclui.
Xandy Sabino é grafiteiro, B-Boy e coreógrafo. Mora no litoral de São Paulo, no Guarujá, sua arte é bem respeitada dentro da Cultura Hip-Hop. É fundador da Unidade A Crew e também é arte-educador. Tem trabalhos espalhados por todo o litoral e cidade de São Paulo. Assim como Fabiano Minu também grafita boomboxes.
Xall Len também é do litoral de São Paulo, mora na cidade de Peruíbe. Sua infância e juventude foi em Ana Dias, distrito de Itariri, descalço, de cachoeira em cachoeira e pedalando até a praia de Peruíbe. “Conheci o Rap por meio de fita cassete com alguns amigos, no rádio da minha mãe colocávamos “509-E”, “Racionais MC’s” e “MC Barriga”. Nessa mesma época, já era conhecido por “rabiscar” as mesas da classe, sendo expulso diversas vezes, passeando por todas as escolas da região. Sempre me interessei por arte de rua e os poucos desenhos que tinham nos muros de Peruíbe me atraíam”, conta o grafiteiro. Sempre foi ligado em desenhos, e apesar de levar muitas broncas pelos rabiscos, também se destacava na escola nos trabalhos. Gosta de pintar letras, sempre com muitas cores e inserindo elementos. Suas letras estão em constante mudança e evolução, pois buscam sempre acrescentar novas técnicas e personalidade. Seu estilo é a mescla de Wild Style, Bomb e Piece.
Citamos alguns grandes talentos de São Paulo, mas é claro que existem muito mais artistas espalhados pelo Brasil e pelo mundo! Desejamos a todos grafiteiros um dia maravilhoso e cheio de cores! Que essa arte legítima possa cada vez mais dar voz aos nossos anseios, nossas reivindicações e lutas! Um salve a todos os grafiteiros!
Fotos: Arquivo Pessoal / Reprodução