No litoral de São Paulo, o Rap nacional se renova e continua mais vivo do que nunca por meio da nova geração que frequenta as “Batalhas de Rima”
“O Rap é um dicionário da vida. Ele te dá uma visão ampla de tudo. É sentimento e lógica.” (MC Ryan)
“Se você ama essa cultura, como eu amo essa cultura, diga Hip-Hop, Hip-Hop” ou “Cachorro sapeca mijou no hidrante, o que vocês querem ver? Sangue!”. São com essas frases que começam as “Batalhas de MC’s” no litoral de São Paulo. Um encontro de todos, do antigo com o novo, fazendo uma verdadeira renovação cultural. Mas desde cedo aprendem que o Hip-Hop não é moda e que é necessário ter personalidade e criatividade, fazendo as próprias rimas. As decoradas não são bem-vindas. A cada dia a nova geração chega e acontece com mais força, escrevendo assim seu nome na história.
Mostrar a nova geração da Cultura Hip-Hop, esse também é um dos compromissos do Portal Breaking World, afinal, eles são o futuro e a continuidade da cultura. Nesta matéria, conversamos com o MC Ryan, da cidade de Itanhaém, que foi visto por muito tempo como o menorzinho das Batalhas de MC’s, mas hoje o menino com 15 anos mostra nessa entrevista que ser MC é muito além de segurar um microfone: é necessário ter conhecimento, flow, uma boa métrica, se afastar das drogas, ter sonhos e saber onde deseja chegar. Se liga na entrevista:
BW – Ryan, queria que você falasse um pouco de você e da sua família.
MC Ryan – Eu sou o Ryan da Silva, na rima MC Ryan, tenho 15 anos, moro no litoral de São Paulo, em Itanhaém. Sou filho de uma enfermeira e a profissão do meu pai não sei, pois não tive convivência com ele. Tenho uma irmã chamada Tamires que é técnica em enfermagem.
BW – Nos conte quando e como surgiu o interesse pela rima que é feita por MC’s?
MC Ryan – Bom, a minha família tem diversos gostos musicais, mas Rap quem escutava era minha irmã e meu tio, mas o interesse surgiu realmente quando eu tinha 13 anos, eu ia numa praça e lá rolava Batalha de MC’s. Aqui, nessa época, em Itanhaém, tinha o Big Mike que estava rimando aqui na Cabuçu, aí eu vi aquilo e gostei muito. Cheguei em casa e comecei a pesquisar sobre o assunto, sobre Batalhas de MC’s, foi aí que eu comecei a ver uns garotos da minha idade, o Thiago, o Leozinho, tudo novinho, rimando, aí eu comecei a assistir muita batalha e me espelhei nisso. Eu queria fazer aquilo também. Até que no meio do ano eu já estava fazendo “freestyle” e comecei a rimar na internet por meio de um programa que várias pessoas, de várias batalhas, que até vários MC’s que são famosos começaram lá, e que se chama “Radical”. Aí eu comecei a batalhar, os caras falavam que eu batalhava bem. Mas o primeiro contato que eu tive com uma batalha de fato, ao vivo e em cores, fora do mundo virtual, foi na “Batalha do Secreto”, que acontecia sexta-feira, mas que eu por ser menor de idade tinha muitos problemas por causa do horário, minha mãe ficava preocupada de eu voltar tarde para casa. Mas, mesmo assim, teve um dia que eu fui lá, batalhei e ganhei! Sendo essa a primeira vez que fui campeão numa batalha de rima.
BW – Como você aprendeu a rimar? Rimar não é algo fácil, a pessoa tem que ter a resposta certa na hora certa e pensar muito rápido. Alguém te ajudou nisso ou te ensinou?
MC Ryan – Bom, eu não vou dizer que aprendi de primeira, eu tive muita dificuldade no começo. Eu era um tipo de MC que mandava muito suporte, falava várias vezes “Tá ligado”, “Mano”, mas eu já me sentia chocado pelo simples fato de estar ali rimando, já me sentia feliz. Mas realmente não era fácil, eu tive muita dificuldade no começo de encaixar as rimas no beat, de ter a métrica certa e conseguir pensar numa resposta, mas quando você está rimando e está batendo de frente com um outro MC, parece que sua mente fica automática, o cara manda um ataque e você já tem a resposta. Eu não tive muita ajuda de ninguém. Me lembro que eu conheci o Chad, mas nessa época eu já sabia rimar e ele também sabia. A minha primeira batalha depois que eu ganhei a do Secreto foi eu vs Chad MC, ele me levou para batalhar, mas antes pediu que eu mostrasse o que eu sabia. Então, nós rimamos, os amigos dele gostaram e aí ele me levou em outras batalhas e disse que eu era cria dele (risos), aí eu fui aos poucos me destacando. Mas ajuda de MC’s eu nunca tive, eu sempre fui muito independente. Eu colocava o beat em casa e ia encaixando palavra por palavra.
BW – Alguns MC’s falam que leem dicionário para poder aumentar o vocabulário. Você faz isso?
MC Ryan – Eu não leio muito dicionário não. Mas ajuda, muita gente usa. Eu comecei a batalhar em 2018, nessa época o povo já falava que eu rimava bem. Falavam que eu deveria continuar e aí eu fui me aprofundando nisso.
BW – Onde você mora sempre participou das principais batalhas da cidade. Me fale dessas batalhas? E das principais dificuldades enfrentadas por MC’s que moram em cidades pequenas?
MC Ryan – As principais que eu conheço eram: A “Batalha da Praça”, “Batalha da Consciência”, “Batalha do Secreto”, “Batalha da Pista” e a “Batalha do Quadrado”. Nessa última, vários MC’s conhecidos já encostaram lá. Sobre as dificuldades de morar numa cidade pequena, bate às vezes um desânimo. Mas não só por ser pequena, mas muitas vezes pela falta de apoio das pessoas, da família, tem muita gente que acha que Rap não é futuro, que não dá dinheiro. E realmente, em cidade pequena não rende muito, aqui tem poucos eventos, nenhum apoio, mas no meu caso eu pretendo sair de Itanhaém, ir para outros estados, aqui tem bastante dificuldade. Na caminhada de MC’s você é desmotivado até mesmo por outros MC’s que acompanham o seu progresso, por exemplo, eu fui muito desmotivado pela minha idade, em 2018 eu comecei a me destacar, o povo já falava: “é o menorzinho das batalhas”. Eu já era conhecido e por causa disso gerou um conflito de outros MC’s comigo. Muitas pessoas chegavam a falar que eu ganhava por causa da minha torcida, mas não era por isso, eu me esforçava bastante, ficava rimando por horas, rimando em aplicativos, só para fazer o melhor na batalha.

BW – Você falou de apoio. A sua família apoiava sua arte ou não?
MC Ryan – Minha família é um caso complicado (risos). Nem sempre eles me apoiaram, começaram mais me apoiar agora. Minha mãe no início olhava meio torto para mim. Eu nasci em São Paulo, morava numa favela, em São Paulo as coisas eram bem diferentes, tinha gente desde pequena indo para o lado errado das coisas e a minha mãe veio para Itanhaém por causa disso. Ela queria uma vida melhor e mais segura para a gente. Ela falava que eu tinha que estudar, que Rap não dava futuro para ninguém, que isso deveria ser um hobby para mim. Mas, na minha visão, nunca foi assim, eu sempre enxerguei o Rap como uma forma de se expressar, eu sou uma pessoa muito complicada, eu reflito muito sobre várias coisas, sobre eu mesmo. Mas agora ela fica feliz por mim, acha que é uma coisa bacana de se fazer porque ela me vê feliz, tanto que no evento do “Prêmio Sabotage” que eu me inscrevi esse ano, ela estava me apoiando. Ela hoje me diz que eu tenho que mostrar a todos o meu trabalho de uma forma diferenciada. Minha avó me apoia muito, às vezes ela muda de lado (risos), mas ela tem alguns motivos e no final das contas eu sei que ela quer o melhor pra mim. Mas quando eu pegar mais fama eu vou lançar uns sons.
BW – Já se sentiu preterido por ser criança?
MC Ryan – Sim, quando existe uma criança numa batalha, normalmente as pessoas não olham como MC e vão te olhar como criança. Mas eu vou falar… Eu nunca rimei decorada numa batalha, sempre improvisei e me esforcei, o meu freestyle sempre foi muito agressivo. Mas sempre teve muito preconceito. Tiveram várias batalhas que eu arranquei grito e aí uma torcida veio falar que eu ganhei as pessoas porque era criança. E isso desmotiva quem é novo! Eu acho esse negócio de preconceito pela idade muito errado!
BW – Nas batalhas existe uma divisão entre batalha de tema e de sangue. De qual você gosta mais?
MC Ryan – De conteúdo de batalha entre conhecimento e sangue eu prefiro sangue, porque conhecimento é basicamente para você testar sua cultura, o que você sabe. A batalha de sangue já é bate volta a pessoa rima com o que desejar, tem “gastação”, eu sou mais de sangue pois é mais liberado.
BW – Nas batalhas rola de tudo, às vezes xingamentos a familiares e outras coisas. Já aconteceu, depois da batalha, de ficar aquele “climão”? Ou quando termina a batalha acaba tudo e as coisas voltam ao normal?
MC Ryan – Sobre os desentendimentos nas batalhas, realmente tem MC’s que um esculacha a família do outro e isso gera brigas. Antes eu era um garoto que falava muito de pederastia, mas com o passar do tempo comecei a usar mais ideologia. Na verdade, eu não era pederasta, apenas rimava em cima do assunto que outros estavam rimando. Mas esse clima depende muito da energia da plateia. Os MC’s também julgam muito o outro pela classe social, às vezes alguns me chamavam de boy, mas ninguém sabe do meu passado, não sabem do esforço que eu tenho que fazer para ser alguém na vida, que minha mãe teve. Minha mãe levantava todos os dias às 3 horas da madrugada para ir trabalhar em São Paulo, mesmo morando aqui no litoral. Hoje, por exemplo, ela foi num dia e só volta no outro. Isso é perigoso e exaustivo, ela é uma grande batalhadora, uma guerreira e eu a amo demais! E por classe social eles nem sabem que eu morava dentro de uma favela e não conhecem a minha história. Mas não ligo para isso!
BW – Na sua opinião, o que é necessário para um MC ser considerado bom?
MC Ryan – Muitos acham que a gastação é uma forma de freestyle, mas eu não concordo não. A essência de um bom MC é ele ter um bom conteúdo nas batalhas. Não ficar falando de pai, de mãe, ter uma mente aberta, ter poesia na cabeça, ter pensamento grande, tem que ser esforçado, tem que ser competitivo e tem que ter amor pelo que faz.
BW – No meio das batalhas rola muita droga? Como você faz para fugir disso?
MC Ryan – Olha, para mim nunca fez sentido as drogas. Eu sempre tive cabeça, desde pequeno eu já tinha uma noção do que eram as drogas. Noção do que era certo ou errado. Tanto que minha mãe não me deixava ir nas batalhas, às vezes, por medo. Pelo simples fato da pessoa usar droga ela já é horrível, está se autodestruindo e desses eu mantenho distância, tendo plena consciência de que aquilo não é certo. Eu nunca tive atração por droga nas batalhas, diversas vezes já trombei com vários MC’s que estavam drogados e muita gente bêbada e isso atrapalha na batalha, algumas vezes chegam pessoas embriagadas atrapalhando e um amigo, o Dodô, que era o responsável pela batalha tomava atitude, dava bronca, mas muitas situações as pessoas não respeitam, às vezes você está batalhando e o cara joga bafo na sua cara de maconha, isso é o cúmulo da falta de respeito ou coisa assim e isso gera conflito. Minha mãe embaçava muitas vezes de eu ir em batalhas por isso, ela sabia que no centro, de sexta-feira, tinha muita gente embriagada, muitas drogas e ela tinha medo do que poderia acontecer. Mas muitas vezes eu insisti e fui. Mas tem que ter cabeça para sair fora dessas coisas!
BW – Entre os MC’s famosos, qual você mais se identifica? E você falou que estava gravando alguma coisa em estúdio, pode falar sobre isso?
MC Ryan – Hoje em dia têm bastante MC’s que eu acho que não tem muito conteúdo, mas que chama a atenção da galera. Mas tem dois que mais me identifico: um é o Dudu MC, ele tem um ótimo flow, conteúdo, a métrica como ele manda as rimas, ele tem toda uma habilidade, aquilo surge naturalmente e o outro é o Thiago MC, que agora foi mais para o Trap, mas gosto muito dele. Assistindo ele batalhando e o Dudu são inspiração! Inclusive muitas pessoas veem semelhança entre eu e o Thiago. Sobre as gravações, eu tenho gravado algumas coisas pelo celular, usando aplicativos profissionais que são usados em estúdios, tem masterização e outros recursos. Eu estou querendo aprender mais sobre esses aplicativos e lançar algumas coisas. Nessa quarentena tenho feito isso.
BW – Quais são seus planos e sonhos para o futuro?
MC Ryan – Meus planos para o futuro é viajar para o Espírito Santo e ir na batalha do “Oh Shit”, em Registro, e lançar um som no estúdio! E se tornar um MC conhecido! E eu ainda quero, quem sabe, lançar um Trap com o Dudu. Esse moleque é muito bom! Ah também quero ser um jogador profissional de “FreeFire” (risos).
BW: O que significa o Rap na sua vida?
MC Ryan – Essa pergunta foi impactante (risos). O Rap é a vida, é o sentimento para mim, é a lógica de tudo. Ele diferencia aquilo que eu vivo nas convivências, no passado. Ele é aquilo que contraria todo o julgamento, o preconceito, o racismo, ele diferencia tudo, é o modo de você viver a vida com mais respeito. Ele é um dicionário da vida. Ele te dá uma visão ampla que temos que ter em relação às pessoas que estão à nossa volta. Existem pessoas que são muito preconceituosas! Esse negócio de preconceito de idade ou qualquer outro tipo de preconceito, uma pessoa que pensa assim, não sabe o que é Rap. O Rap é onde somos todos iguais!
Fotos: Arquivo Pessoal
- MC Dodô e MC Ryan na final da "Batalha da Consciência"
- MC Ryan na "Batalha da Consciência"
- MC Ryan duelando com MC Bob Leal na "Batalha da Consciência"