Razões para acreditar: Hip-Hop educa, transforma e salva vidas por meio do Breaking e de ações sociais
“Somos uma família, onde ajudamos uns aos outros, compartilhamos momentos felizes e tristes, a motivação é caminhar sempre juntos” (B-Boy Suco)
O endereço é na Avenida Portugal, 1.111, no Jardim Pilar, em Mauá, no estado de São Paulo, onde, todas as terças, sextas e domingos crianças e jovens de diferentes idades, personalidades e histórias, se reúnem formando uma grande família. Crianças muito espertas e agitadas, outras mais tranquilas e inocentes e, ainda, aquelas mais agressivas ou tímidas, que aos poucos vão chegando, cada uma com sua história. Descobrindo aos poucos o real motivo de estar ali e o significado de fazer parte de uma grande família. Dessa forma, o Breaking chega na vida de muitos pequenos e grandinhos de comunidades carentes de Mauá, como instrumento de motivação, capaz de transformar histórias em exemplos de vidas a serem seguidos.
Por meio de ações sociais ampliam suas visões do futuro. A ideia nunca foi somente ensinar a dançar Breaking. “Aqui a gente fala sobre o bullying, racismo, digo para essa garotada que eles precisam respeitar os idosos. Ensinamos responsabilidades. Quando alguém chega, tem de dar ‘oi’ para todo mundo”, conta o oficineiro Cesar Massotti, mais conhecido no meio da Cultura Hip-Hop como B-Boy Suco, idealizador e presidente do “Projeto Hip-Hop Educa” aqui no Brasil e em outros países. Suco dança há 26 anos, começou em 1995. Com 13 anos, fazia parte da Mauá Break Crew. Naquela época, as coisas não eram fáceis, eram dias totalmente diferentes dos de hoje: poucos espaços, muita discriminação, o Breaking não era valorizado, sem internet e celular, tudo era mais difícil. Ver vídeos, só em fita cassete e demorava muito para chegar na mãos dos B-Boys, um passava para o outro. Os poucos projetos sociais que existiam na cidade não tinham tanta estrutura.
Suco começou a dançar com a Mauá Break, com os B-Boys Neguinho, Aguimar e Rogerio, eles foram suas referências. Na crew ficou até 2015, quando fundou o “Hip-Hop Educa”. Ele conta: “A real motivação inicial foi o descaso do governo antigo e desprezo com as oficinas que rolavam na cidade, nós tínhamos muitos alunos bons com talentos maravilhosos e que não queríamos perder e foi aí que conseguimos o espaço para dar o pontapé inicial no projeto. Foi com muita fé e trabalho duro que conseguimos colocar tudo em prática. O espaço, que era o mais difícil, conseguimos e a força de vontade das crianças e adolescentes para poder participar era o essencial para dar certo. Dificuldades sempre existiram e temos até hoje, creio que como todo projeto social. O único apoio que tivemos foi dos pais e mães e o responsável do espaço, o Claudio de Lourenço, que nunca nos cobrou um centavo! Muitas crianças já eram minhas alunas ou de outros professores em oficinas e foram convidadas a participar do Hip-Hop Educa. Algumas já tinham experiência com dança, outras não, tivemos que separar e fazer um trabalho diferenciado, ensinando disciplina e postura, entre parte corporal e mental, alguns se adaptaram muito rápido com a parte musical, corporal, criatividade, entre outros aspectos e depois dávamos o início na parte educacional entre os intervalos das aulas e dessa forma a família foi crescendo. Devagar começamos a cobrar também os estudos, responsabilidades, para poder fazer parte da família do Hip-Hop Educa”, conclui o arte-educador.
Importante dizer que em todas as aulas do projeto o aluno, desde o início, é ensinado sobre a história do Hip-Hop, quem foram seus precursores e que no Brasil tiveram muitas pessoas importantes para a história do Breaking. Todas as crianças estudam os 4 elementos do Hip-Hop e se aperfeiçoam no que tem mais afinidade. São ensinados na dança sobre os nomes dos passos (Top Rock, Footwork, Freezes) e sobre a importância do alongamento e da musicalidade. Suco declara: “Nosso projeto é bem além do que participar de eventos de Hip-Hop. Somos uma família, onde nos ajudamos uns aos outros, onde compartilhamos momentos felizes e tristes também e a motivação é estar perto dessa família, onde nos reunimos para almoçar, jantar, ir para a praia, chácara ou festas comemorativas e isso é a motivação deles. É claro, também, que os que gostam de competir os apoiamos. Alguns deles são preparados para as competições, mas mesmo os melhores para nos representar, são cobrados a ter uma boa conduta e disciplina com seus companheiros de dança, não queremos campeões apenas, mas sim bons cidadãos, multiplicadores para um bom futuro para nosso país. Mas entendemos que todos os alunos merecem competir também e mostrar sua dança, conhecer aquela energia maravilhosa de estar participando de uma competição e a real importância de que todos nós acreditamos nela, independente de ganhar ou perder. Com essa visão, hoje estamos no Chile, na Cidade de Linares, no México, na Cidade do México e Cidade de Juarez e na Argentina, em Buenos Aires. Nesses locais, não tem uma sede como a nossa, mas o papel dos responsáveis é levar nas escolas, faculdades e comunidades o mesmo modelo e ideologia que temos aqui no Brasil: educar, disciplinar, confraternizar e se divertir, todos junto numa única uma família”, explana o B-Boy.
As ações do “Hip-Hop Educa” não param por aí. No Brasil, ajudam algumas famílias com alimentação, com informações de cursos e até mesmo com vagas de emprego para alguns pais e mães de alunos. Com a pandemia do novo coronavírus, as aulas presenciais foram temporariamente suspensas. Mas o fato de existirem muitas comunidades em Mauá fizeram B-Boy Suco e B-Boy Jhonathan, que também é professor do projeto, juntos, se envolverem em vários trabalhos sociais. Recentemente, tomaram a iniciativa de fazer uma grande ação para ajudar as famílias nesse momento de pandemia. Então, fizeram um mapeamento da região, montaram uma equipe com 10 pessoas e separaram em duplas, indo a diversos bairros da cidade, arrecadando alimentos e produtos de higiene, todos uniformizados, com as camisas do projeto e cartão de visita, o que ajudou muito na hora de dar credibilidade ao trabalho e milhares de doações foram chegando de diversos lugares. O mapeamento foi em várias comunidades de famílias que tinham crianças, portadores de necessidades especiais e idosos, esses tiveram prioridade. Cada cesta básica foi montada conforme a família destinada, mais crianças, mais alimentos, menos crianças, menos coisas e casal de idosos mais o básico, arroz, feijão… Todas as famílias foram cadastradas com nome, bairro e quantidade de crianças. Além do sexo e suas idades, para também a distribuição de doação de roupas. Eles relatam: “Nos locais que as pessoas não estavam usando máscaras, era interessante ver toda nossa equipe de máscara, luva, sendo observados pelas pessoas, achando estranho a nossa preocupação com a Covid-19. Creio na minha visão que para eles a pandemia era de menos, vinha em primeiro lugar a necessidade de ter algo para comer e de tudo isso passar logo, para poder dar continuidade no trabalho e nos sonhos que muitas famílias projetaram para a vida. É complicado você falar para as crianças tirarem seus tênis ou chinelos e deixarem para o lado de fora de casa, se dentro de sua própria casa o chão é de terra, barro e do lado do esgoto à céu aberto. Em relação às nossas crianças, no princípio os pais ficaram meio receosos com o risco do contágio de coronavírus nesse trabalho social, mas fizemos uma reunião, esclarecendo tudo e com a liberação dos pais e uso de proteção (máscaras, luvas e álcool em gel) encararam o desafio e adoraram fazer parte disso, de ajudar as pessoas. A equipe foi selecionada por alguns motivos: para poder participar mais das ações do projeto, para se libertar da timidez, para aprender a se comunicar melhor numa abordagem com as pessoas, sentir e aprender como é tão fácil poder ajudar de alguma forma o próximo, esse um dos papéis do projeto, poder transformar vidas. O trabalho está indo para o terceiro mês e não tem prazo de término das arrecadações, enquanto essa pandemia não acabar. Na cidade já têm várias mortes confirmadas pela Covid-19 e, até o momento, nenhuma família do projeto teve o vírus. Foram montadas 150 cestas básicas, o total de 760 pessoas, com base de algumas famílias com 3, 5, 7 e até mesmo 12 pessoas numa casa e todas famílias que receberam doações, suas casas eram barracos de madeira”, concluem os responsáveis pela ação.
Sobre o futuro, Suco acredita que as coisas vão demorar ainda para voltar ao normal, principalmente os eventos, por conta da verba de patrocinadores neste ano de 2020, mas sobre os espaços de treino acredita que vão aos poucos voltar a funcionar normalmente aqueles que são abertos, mas os centros culturais terão que se adequar à algumas novas regras de higienização. Ele avisa que os B-Boys que trabalham autônomos com shows, eventos, apresentações e comerciais vão precisar ter paciência e outros planos para sobreviver nesse momento. Para quem gosta de competir, os eventos on-line, segundo Suco, são uma opção para não parar tudo e uma forma de quem dança não ficar louco dentro de casa e poder conhecer pessoas, além de se motivar. Quem nunca teve uma chance de viajar para fora do país para participar de eventos internacionais, pode nesse momento competir em campeonatos organizados em outros países, isso alimenta sonhos e a vontade de correr mais atrás de novas conquistas. Ele fala: “Precisamos nos reinventar nesse momento. O Hip-Hop continua vivo e seus elementos continuam salvando vidas! Para mim, o Breaking é minha vida, minha paz, meu motivo de continuar sonhando e poder ajudar pessoas a se transformarem e ter um futuro melhor. Acredito em 3 tópicos: o Hip-Hop me educou, me transformou no que sou hoje e me deu caminhos do bem, me salvou do que poderia vir acontecer. Às vezes, até mesmo antes de conhecê-los, eu tenho irmãos e irmãs, pais e mães de amigos de outros países, que me consideram como filho e têm um carinho enorme por minha pessoa. Então, o Hip-Hop sim é família e por meio do Hip-Hop construí uma família que tenho há 17 anos! Momentos bons e ruins sempre vamos ter em nossas vidas, a coisa mais certa e segura é sempre ter fé em Deus, sabedoria e paciência, tudo passa! Nunca desista de sonhar”, ele finaliza.
Para quem desejar conhecer mais sobre o trabalho do B-Boy Suco e do “Hip-Hop Educa” ou tiver interesse em ajudar o projeto, é só visitar no Facebook @cesar.massotti ou @hiphopeduca ou, então, fazer contato pelo e-mail: misticsuco@hotmail.com.
Fotos: Divulgação / Arquivo Pessoal