Chega de Silêncio! Elas pedem justiça e atitude dos homens!
“Nenhuma mulher ficará calada enquanto houver outras violentadas”.
Na última semana, na quinta-feira (22), uma denúncia sacudiu o mundo do Hip-Hop brasileiro: uma matéria na Record denunciava cenas explícitas de abusos cometidos por Francisco, mais conhecido como MC Fran, rapper de 46 anos, que até então era integrante do conhecido grupo Tribunal MC’s, formado em 1989, na Zona Leste da cidade de São Paulo. Fran mantinha um relacionamento escondido de 5 anos com a irmã da vítima e morava muito próximo da mãe e o outro irmão, o que teria facilitado os crimes. Os primeiros ataques teriam ocorrido durante uma viagem à praia e, depois, ele abusou da cunhada enquanto a sogra estava isolada por Covid.
O crime só foi descoberto após a jovem de 14 anos contar para a mãe os abusos que vinha sofrendo cometidos pelo rapper e, depois disso, a mulher instalou uma câmera de segurança no quarto da filha. O equipamento flagrou o momento em que o agressor toca na menina e a obriga sentar no seu colo, depois de alguns minutos é possível ver a menina chorando.

Muitas provas constataram os fatos, como mensagens de WhatsApp onde Fran declarava estar apaixonado pela menina e disposto a largar sua mulher e ficar com a jovem, pressionando ela se entregar a ele.
Fran foi preso em São Paulo por 15 dias e depois foi libertado.
Crimes como esses acontecem todos os dias, a cada hora, no Brasil. O caso do rapper está longe de ser um caso isolado. São mais de 536 casos por hora no Brasil e quase a mesma proporção de mulheres que dizem ter sido vítimas de algum tipo de violência sexual. Todos esses dados remetem à violência doméstica: 76,4% das mulheres conheciam o autor da violência, a maior parte aconteceu dentro de casa.

Nos últimos 12 meses, 1,6 milhão de mulheres foram violentadas no Brasil, enquanto 22 milhões (37,1%) de brasileiras passaram por algum tipo de assédio sexual. Entre os casos de violência, 42% ocorreram no ambiente doméstico. Após sofrer uma violência, mais da metade das mulheres (52%) não denunciou o agressor ou procurou ajuda.
Os dados são de um levantamento do Datafolha, feito em fevereiro, encomendada pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), para avaliar o impacto da violência contra as mulheres no Brasil.
Com a pandemia e a determinação de medidas restritivas a situação agravou, mulheres e crianças ficaram mais vulneráveis. Com o fechamento das portas de instituições de ensino há mais de um ano, crianças e adolescentes ficaram longe de agentes fundamentais de sua rede de apoio, como educadores e colegas, o que tornou mais difícil a denúncia de abusos sexuais. O isolamento social aproximou ainda mais as mulheres de companheiros agressores. O índice de violência doméstica disparou em 2020, bem como o de feminicídios, que aumentaram cerca de 2% já no primeiro semestre do ano. Além dos assassinatos de mulheres por motivações de gênero, há outro tipo de feminicídio, paulatino, indireto e silencioso. Pesquisas mostram que grande parcela das vítimas de violência doméstica desenvolve problemas psicológicos e emocionais, como depressão e ansiedade, levando, por exemplo, ao suicídio.

A violência doméstica também é a principal causa de quadros depressivos e de suicídio entre as mulheres, conforme o Boletim Epidemiológico de Tentativas e Óbitos por Suicídio no Brasil. Outra pesquisa mostra que a violência doméstica e o estupro são a sexta causa de morte em mulheres de 15 a 44 anos. Conforme os dados levantados, as mulheres negras constituem um subgrupo muito mais discriminado, sendo o principal alvo da violência. Segundo levantamento feito pelo G1 recentemente, 75% das mulheres assassinadas no Brasil, no primeiro semestre de 2020, eram negras. Outra aferição, feita pela Rede de Observatórios da Saúde, mostrou que as mulheres negras sofreram 73% dos casos de violência sexual no Brasil em 2017. Tudo isso revela as várias faces e nuances do machismo e do racismo, principalmente quando caminham juntos.
De acordo com o MMFDH (Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos), no início da pandemia da Covid-19, em março de 2020, quando ainda não haviam sido decretadas medidas rígidas, houve aumento de 45% de abusos sexuais contra crianças e adolescentes no Brasil em relação a 2019, quando 11.241 denúncias foram registradas pelo governo federal. No ano passado, o total subiu para 20.771.

Segundo dados da 4ª Delegacia de Polícia de Repressão à Pedofilia, de São Paulo, que possui uma DHPP (Divisão de Proteção à Pessoa), em 2020, os casos registrados aumentaram 56,8% em relação a 2019.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) relatou que “Um dos motivos da alta durante o isolamento social é a convivência do agressor no mesmo espaço em que a vítima, por mais tempo. Em sua maioria, os agressores são homens próximos, como parentes e vizinhos. ”
Durante a pandemia, a forma de denúncia mais recorrente tem sido por meio de familiares em que o menor confia ou pela percepção da mudança de comportamento da vítima, como foi o caso da menina de 14 anos assedia pelo MC Fran.
O caso recente causou total indignação dentro e fora da Cultura Hip-Hop e muitas pessoas se manifestaram nas redes sociais, como por exemplo, as pioneiras do Rap Nacional Rubia, Rose MC e Sharylaine, juntas elas comandam as Clássicas do Hip-Hop e diante da situação fizeram uma live especial para falar sobre o assunto. Criaram um manifesto contra a violência e o assédio às crianças e mulheres. Rubia abre a live falando que as pessoas não podem fazer de conta que situações como a do MC Fran não estão acontecendo. Ela lembra que está nessa luta junto às mulheres faz tempo. São dela as palavras: “As mulheres estão denunciando há três décadas o que alguns homens falam nos vídeos e acham da hora. Os homens que estão se manifestando ao nosso favor, são aqueles que ouviram as mulheres do Hip-Hop no passado, é preciso dar um passo adiante! Tem um ditado alemão que diz: “Se tem uma mesa com 10 pessoas, chega um nazista senta nessa mesa e nenhuma das pessoas se levanta, nós temos 11 nazistas sentados à mesa”. Então, se você vai fazer uma música, um graffiti, ou uma dança, vai discotecar junto com um assediador, com um estuprador, com um agressor de mulheres, se você compactua, chama ele para trabalhar junto, então você também é um agressor!”.

Sharylaine concorda com Rubia e continua dizendo: “Faz quase 30 anos que as mulheres da Cultura Hip-Hop vêm se movimentando contra o machismo, contra a violência sexual, contra o assédio dentro de uma cultura libertária, de luta, mas chegou num ponto que estamos no limite, hoje temos toda a tecnologia que nos aproxima, então, agora nada vai passar batido”. Ela afirma: “As ruas estão de olho. Se você é da Cultura Hip-Hop, você tem um compromisso social. Essa cultura não se levantou apenas com os homens, ela se levantou com homens e mulheres e isso tem que ser respeitado. Mulitas mulheres de todos os elementos sofreram e sofrem assédio, estupro, violência. E aí rapaziada? Vocês vão continuar assistindo e achando bonitinho? Passando pano para os manos? A cultura salva, mas vocês estão matando as mulheres! Que caminhos vamos seguir? Alguns homens se pronunciaram, muito bacana! Mas qual será a ação de fato? Precisamos de ação! Que vocês se reúnam, que discutam tudo que vem acontecendo, pois é recorrente. Não podemos admitir mais nem dentro e nem fora da cultura!”. Rose MC acrescenta: “Houve em todos esses anos mudanças, conseguimos que alguns grupos mudassem letras, que parassem de cantar algumas músicas ofensivas às mulheres, mas nesse momento precisamos de uma mudança bem maior, que é a de comportamento. Existe uma legislação, então, não podemos deixar continuar acontecendo estupro de vulneráveis, mulheres e menores”. Rose deixa um recado: “Preste atenção nos jovens dentro da sua casa, observem os sinais que esses meninos e meninas dão que algo está errado, é importante abrir os olhos e denunciar esses casos!”, conclui.

O assédio é uma realidade e está espalhado por toda a sociedade! Não existe um lugar especifico para acontecer. Pode ser no transporte, no trabalho, em casa, nos eventos, no esporte, nas salas de aula, nas competições, nos treinos. Recentemente, no Breaking, um caso veio a conhecimento público relatado pela própria vítima, estamos falando da B-Girl Jillou. Num desabafo, ela escreveu em suas redes sociais: “Caros homens, em primeiro lugar, estou falando da minha perspectiva e não para mais ninguém! Algumas coisas para começar: pare de agir surpreso como se tudo isso não estivesse acontecendo. Ouça as mulheres! Como mulher, não acho que seja minha responsabilidade educar os homens sobre o comportamento deles, mas se acham que é difícil encontrar informações, irei compartilhar o que sei e ver quantos homens compartilham essas informações com seus irmãos e se dispõem a ter conversas desconfortáveis. Porque essa é a parte mais importante: converse com seu irmão, converse sobre suas experiências e fale o que você acha certo e o que você acha que é errado. Se você acha que seu irmão está fazendo algo que não está certo ou que talvez esteja perto de cruzar os limites, converse com ele. Conversas desconfortáveis são o que mais precisamos agora. Sentem-se juntos e questionem tudo o que sabem. Tenho de estar constantemente atento ao que escrevo, visto ou como me movo. Não consigo me alongar na prática sem pensar em qual direção minha bunda está voltada. Certa vez, eu estava esperando meu táxi na estação de trem e um grupo de três homens se aproximou de mim. Eles me perguntaram “Como você está?” E eu simplesmente iria embora. Como eles continuaram me seguindo, liguei para um amigo para não me sentir sozinha. Mas essas situações no meio da noite são altamente desconfortáveis e me deixam insegura. Ocorreu mais de uma vez que já disquei 110 (911) no meu celular e segurei o dedo no botão, pronto para ligar. Ouvi uma ótima frase da minha amiga Viola (com quem tenho muitas conversas desagradáveis) “Temos praticado ignorar à perfeição” e não poderia ser mais verdade. Assobios, homens olhando… me sinto objetificada diariamente. Levando todas essas experiências em consideração, eu esperaria que todo homem respeitasse nossa situação na cena do Hip-Hop. Sim, todos nós compartilhamos amor, paz e unidade, mas no final, é uma sala onde o gênero historicamente dominante é a maioria. O domínio histórico! Ah, como adoro quando falam “mas as mulheres também podem estuprar” ou “algumas mulheres pedem isso”. Em primeiro lugar, vamos atirar em alguns números (os EUA, por exemplo): 1 em cada 5 mulheres e 1 em 71 homens são vítimas de estupro na vida. 91% das vítimas de estupro são mulheres. Podemos, por favor, dar uma olhada na luta que as mulheres travaram nos últimos séculos? Se você não cresceu em um exército de mulheres guerreiras das amazonas, então você experimentou o mundo exatamente como eu. Assisti a filmes em que as mulheres mal tinham papéis principais e, se sim, tínhamos que ser salvos pelo herói masculino. E se você quiser saber mais sobre representação feminina, então pesquise o teste de Bechdel, a maioria dos meus filmes favoritos falham aqui. Ainda devo me vestir ou me mover de uma certa maneira para não atrair a atenção de um homem da maneira errada. Então, aqui está a minha pergunta: Por quê ensinamos as mulheres a evitar a violência sexual em vez dos homens a não praticá-la? As desculpas, as distrações: sinto muito, mas…. Sejamos realistas: o que eu li on-line não muda nada para aqueles que sofreram com as ações. Você culpa seus traumas ou circunstâncias em vez de se concentrar em suas próprias ações. Os opressores precisam entender que não podem se desculpar por si mesmos. Eu não me importo se você sofre de depressão, esteve “em um lugar muito escuro”, esteve sob a influência de álcool, se você não se lembrava como eu, suas ações são de sua responsabilidade. O bem supera o mal? Nada supera o mal, contanto que você não tenha admitido ainda e trabalhado consigo mesmo e com seu pessoal. Portanto, por mais que possamos respeitá-lo pelo seu trabalho, o respeito como pessoa deve ser conquistado novamente. A resposta a essa pergunta parece tão óbvia para mim, que eu nem quero perder meu tempo respondendo. Mas, conforme leio as últimas declarações, não parece tão óbvio para os outros. Um pedido de desculpas deve ser sincero e precisamos ver se você não está falando sobre você mesmo, mas se preocupa com a vítima. Sua reputação não deve ser uma questão de conversa, se suas desculpas forem honestas. Seu pedido de desculpas não é para você, mas para sua vítima. Assuma total responsabilidade! Você não pode simplesmente passar seu trauma para outra pessoa e usar seu trauma como desculpa. Vamos acabar em um círculo onde nos machucamos e, na pior das hipóteses, causamos depressões e suicídios. Como comunidade, precisamos ver o quadro completo. Podemos respeitar a própria contribuição, mas ainda não precisamos deles em posições de poder. Podemos tê-los para preservar a história, mas o envolvimento deve ser mantido baixo até vermos que o trabalho foi feito por conta própria e as vítimas tiveram tempo para se curar. Tenho vivido situações que me levam a uma posição muito desencadeadora neste momento. E perdi muitas noites de sono por causa desse assunto. Portanto, tenha misericórdia de mim dessa vez nos comentários.”

Baseado em vivências e relatos como esse, no Brasil B-Girls se uniram e criaram um grupo no WhatsApp chamado Rede B-Girls do Brasil e também escreveram um Manual Antiassédio. A iniciativa do guia foi da B-Girl Amanda Baroni (27), que mora no Complexo da Maré, em Nova Holanda, no Rio de Janeiro. Por causa do Breaking, Amanda entrou na fotografia e depois no jornalismo. Também é produtora e trabalha com áudio visual. Ela conta: “A motivação para fazer o guia veio do relato da B-Girl Jillou, do assédio que ela sofreu no meio do Breaking”. Amanda inicialmente fez uma matéria sobre o assédio dentro do Breaking, a partir do encontro que outra B-Girl chamada Maya organizou. Ela explana: “Foram encontros on-line e fiz um questionário, uma pesquisa com 47 B-Girls aqui do Brasil e daí colhemos muitas informações através da vivência de cada uma e assim nasceu o guia, através da constatação que o ambiente de treino e os eventos, as Jam, as Cyphers, eram os locais onde mais aconteciam assédios. Meninas relataram que foram tocadas nesses locais, foram sarradas, ofensas falando que eram “Maria B-Boy”. A ideia não era levantar apenas o problema, mas também instruir as pessoas a cometerem menos esses tipos de situações. O material foi feito em duas semanas através de pesquisa e colaboração das meninas, principalmente na revisão final. O primeiro material foi publicado em junho do ano passado, em português e ele também não estava registrado, foi um gatilho para que fôssemos além do assedio em si. Vimos o problema, onde ele estava, as causas e os possíveis caminhos para resolver. Esse é um dos tópicos do guia, de entender porquê que os homens são os que mais cometem esse tipo de crime e vimos como a nossa sociedade está doente mesmo. Eu li bastante outras pesquisas em outros portais de credibilidade, os homens são os que mais cometem, mas também são os que são mais pressionados em toda a vida, reprimidos emocionalmente eles vêm a conquista da mulher, é algo quase que social e quando são rejeitados pelas mulheres é visto como um fracasso, se eles não se sentem amados, eles querem tomar aquilo à força. Eles querem ter quase que uma certificação de masculinidade mesmo. E no meio do caminho acabei assistindo um documentário chamado “Silêncio dos Homens”, que fala exatamente isso. E foi bom porque mudou a minha relação com os homens à minha volta. Deu para ver como a criação dada a eles os afetam como adultos. Como distorcem a visão deles relacionadas a mulher. O guia foi traduzido para quatro idiomas no final de 2020, em novembro, foi quando eu comecei a conversar com a B-Girl Miwa, pois nós já tínhamos a intenção, assim que saiu o em português, de retornar o projeto algum tempo depois em outros idiomas, porque sabemos que isso acontece no mundo todo. Então, foi um processo de quase cinco meses. Eu publiquei em março, que era o mês das mulheres e depois fiquei sabendo que em abril era o mês do combate ao assédio. É possível evitar o assédio através da conscientização! E o guia tem esse objetivo! Ele foi registrado na CBL no meu nome e no nome das meninas que colaboraram. Foi disponibilizado para download gratuito, porque era algo comunitário em prol de uma causa importante”, conclui. Sobre o caso do MC Fran, Amanda opinou: “Eu vi a matéria em alguns veículos, houve também muito sensacionalismo, mas ele cometeu um erro grave e tem que ser responsabilizado por isso. Precisa de uma reabilitação mental”, finaliza.

A verdade é que faz anos que não é incomum casos de assédio dentro da Cultura Hip-Hop. Na década de 80, Afrika Bambaataa, fundador do Zulu Nation e pioneiro do Hip-Hop, sofreu sérias acusações de ter abusado sexualmente de jovens. A história iniciou-se quando Ronald Savage lançou o livro “Impulse Urges and Fantasies” (Impulsos e Fantasias, em tradução livre) que inclui alegações tenebrosas sobre Bambaataa ter abusado sexualmente do autor quando ainda era menor de idade. Falando para o site New York Daily News, em um extenso relato divulgado no dia 9 de abril, Savage (também morador do Bronx/NY) deu detalhes sobre suas memórias daquela época. De acordo com Savage, o ícone do Hip-Hop abusou sexualmente dele quando tinha 15 anos de idade e isso deixou sérios problemas relacionados a sua intimidade que acarretaram em algumas tentativas de suicídio. “Eu quero que ele saiba o quanto ele danificou meu crescimento“, diz Savage ao Daily News, que na época fazia parte da Zulu Nation (organização internacional de Hip-Hop fundada na década de 1970). Afrika Bambaataa negou o assédio, declarou: “Quaisquer e todas as alegações de qualquer tipo de abuso sexual, essas alegações são infundadas e são uma tentativa covarde para manchar minha reputação e legado no Hip-Hop neste momento”.

Anos depois, o pioneiro Crazy Legs também esteve no meio de um escândalo de assédio. Na ocasião, outro grande nome do Breaking, Ken Swift, escreveu no seu Instagram: “Eu cortei relações com Crazy Legs 23 anos atrás por causa de suas ações erradas. Eu pessoalmente sei tudo sobre as besteiras arrogantes, enganosas e egocêntricas do Crazy Legs, mas eu não estava ciente de suas ações e do impacto sobre todas essas mulheres e meninas em nossa comunidade e ler essas histórias é perturbador e nojento. Eu só posso imaginar a quantidade de trauma que ele causou a B-Girls e mulheres jovens em todo o mundo. A declaração pública que ele fez é um exemplo claro de quem ele realmente é, fazendo tudo sobre si mesmo sem nenhuma responsabilidade. Esta comunidade deve manter integridade e respeito por nossas artes e pelos outros. Não é disso que trata o legado da Cultura Hip-Hop e da dança de B-Boying / B-Girling. Esta é uma situação muito séria. Quero que todas as vítimas saibam que estou protegendo vocês e estou aqui para ajudar a curar nossa comunidade da maneira que puder. Não há como renunciar a ele, ele precisa ser expulso. Qualquer pessoa usar sua reputação ou fama / poder para assediar sexualmente mulheres é uma forma de abuso totalmente inaceitável. As mulheres afetadas por esse abuso têm medo de falar por causa da vergonha, reação e retaliação. Em qualquer comunidade, eu acredito que é uma questão de força em números e de nos unirmos e falarmos sobre esse comportamento, confrontando essas situações e expondo os perpetradores. Parece que esse abuso foi mais importante para Legs do que a responsabilidade de ser um líder comunitário, um pioneiro do Breaking, um atleta de uma grande corporação e das Olimpíadas. Crazy Legs não merece nenhuma dessas honras. Há responsabilidade por trás dessas oportunidades e privilégios que muitos nunca verão em sua vida. Toda a nossa comunidade de dança não deve tolerar ou mesmo tentar arranjar desculpas para ele”, concluiu.

No Brasil, os números de assédio são tão alarmantes que a Comissão Ajufe Mulheres – grupo da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) composto por magistradas e magistrados federais em Brasília – realizaram dos dias 3 a 6 de maio o curso “Assédio sexual: teoria e práticas de prevenção”. No primeiro dia, o debate foi com a cientista política Manoela Miklos. No segundo dia, o evento contou com a participação da advogada e fundadora da Bastet Compliance de Gênero, Mayra Cotta. O curso foi aberto para profissionais do Judiciário, mas também para pessoas interessadas no tema. “A construção para enfrentar e prevenir o assédio parte do reconhecimento de que este deve atuar no resgate dos ideais também dentro de sua própria estrutura interna. Para tanto, é preciso conhecer as características e fases do problema, a fim de se permitir a atuação especializada. O diálogo proposto pelo curso foi de grande valor cumprido o objetivo buscado pelo Comitê de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e do Assédio Sexual e da Discriminação no Poder Judiciário”, explica a conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e coordenadora do Comitê, Tânia Reckziegel. Além disso, foi lançado a Cartilha “Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, Sexual e Discriminação”.
O assédio nos Esportes Olímpicos
Larry Nassar

Em 2018, uma das maiores sensações dos Jogos Olímpicos do Rio-2016, a ginasta Simone Biles revelou ter sido vítima de abuso sexual cometido por Larry Nassar, ex-médico da Federação de Ginástica dos Estados Unidos (a USA Gymnastics). Aos 20 anos, Simone tornou o crime público por meio de uma carta postada nas redes sociais. A ginasta campeã olímpica McKayla Maroney, por exemplo, revelou ter sido vítima do médico oito anos após ter sido molestada pela primeira vez, quando tinha apenas 13 anos. Também da seleção de ginástica dos Estados Unidos, a tricampeã olímpica Aly Raisman denunciou o médico em novembro de 2017. Foram pelo menos 140 vítimas de Nassar, entre ginastas, dançarinas, patinadoras artísticas e alunas atletas da Universidade do Michigan. As primeiras acusações de abuso sexual contra ele se tornaram públicas em setembro de 2016. O médico foi condenado a 60 anos de prisão em dezembro de 2017, por conta de posse de imagens de pornografia infantil. Em julho de 2017, confessou ser culpado por três acusações do mesmo motivo — ele estava preso desde dezembro de 2016 por causa da pornografia infantil. O medo é uma das respostas para os muitos fatores de as vítimas do médico Larry Nassar e tantas outras vítimas de abuso e violência sexual se manterem em silêncio. “Não tenho mais medo de contar a minha história”, escreveu Simone Biles, logo no primeiro parágrafo da carta em que tornou público o crime sofrido. A ginasta conquistou cinco medalhas na primeira Olimpíada que disputou, quatro delas de ouro. Ela declarou: “Por muito tempo, perguntei-me: Eu era tão ingênua? Foi culpa minha? Agora eu sei a resposta para essas perguntas. Não, não foi minha culpa. Não, eu não vou e não devo levar a culpa que pertence a Larry Nassar, USAG e outros”.
Fernando de Carvalho Lopes

O ex-treinador da Seleção Brasileira de Ginástica foi denunciado em abril de 2018, em reportagem do Fantástico, por mais de 40 ginastas por abusos sexuais entre 1999 e 2016. No processo, quatro vítimas, sendo duas menores de idade, tiveram seus relatos inseridos na ação penal. Fernando foi denunciado pelo Ministério Público por estupro de vulnerável e enquadrado no artigo 226, inciso II do Código Penal – agravante pela relação de poder em relação às vítimas. A pena para esse crime varia de 54 a 150 anos.
John Geddert

Em 2021, a morte do técnico John Geddert abalou a ginástica artística. O técnico de 63 anos, que foi encontrado morto, respondia a uma acusação de assédio sexual, 20 de tráfico humano, duas de agressão sexual e extorsão. Comandada por Geddert nas Olimpíadas de Londres 2012, a campeã olímpica Aly Raisman cobrou uma investigação independente sobre as denúncias de abusos na ginástica dos Estados Unidos. A ex-ginasta de 26 anos disparou contra a federação americana de ginástica (USA Gymnastics): “Me revira o estômago. Penso nos sobreviventes por aí. Gostaria que houvesse mais que eu pudesse dizer para aliviar a dor e o sofrimento. Por quê ainda não há investigação independente? Quantas crianças mais terão que sofrer? Para uma organização que afirmou nos últimos 15 anos que “a segurança do atleta é a prioridade número 1” é impossível imaginar um fracasso maior. Isso é e sempre foi maior do que John Geddert, Marvin Sharpe, Steve Penny e Larry Nassar” – postou Raisman em suas redes sociais. Dona de três ouros, duas pratas e um bronze nas Olimpíadas de Londres 2012 e Rio 2016, Aly foi uma das vítimas do ex-médico Larry Nassar no maior escândalo de abusos sexuais do esporte. Ela tem sido uma voz em defesa das sobreviventes. “Como menor de idade na seleção nacional, eu frequentemente tinha que viajar (sem meus pais) sob a supervisão da USA Gymnastics. Os adultos “responsáveis” incluíam John Geddert, Marvin Sharpe, Steve Penny e Larry Nassar. Respectivamente, os crimes pelos quais foram acusados incluem conduta sexual criminosa e extorsão, abuso sexual de crianças, evidências de destruição e agressão sexual”, disse Raisman.
Enfrentamento do Assédio Sexual pelo mundo

Casos como esses citados acima motivaram, além das denúncias, algumas ações. Na Alemanha, ginastas começaram a usar uniformes para lutar contra o assédio e sexualização no esporte. A ginasta Sarah Voss participou do Campeonato Europeu de Ginástica Artística, em Basel, Suíça, com uma peça diferente no vestuário. No lugar do tradicional collant, a atleta usou um macacão cobrindo o corpo inteiro. A decisão de Sarah expressa um enfrentamento ao assédio sexual e hipersexualização contra as atletas da modalidade. Ela foi a primeira a utilizar o traje, servindo de inspiração para mais duas colegas de equipe. A vestimenta está dentro do que é permitido pelas normas da Federação Internacional de Ginástica. “Uma só peça com pernas compridas, do quadril até o tornozelo”, considera a instituição. No entanto, a escolha causou impacto, já que, antes de Sarah, atletas só tinham coberto as pernas em competições internacionais por motivações religiosas. A atleta foi apoiada pela federação de seu país, que concorda com a decisão das competidoras e se posiciona contra o assédio sexual. Em entrevista à emissora alemã ZDF, a ginasta afirmou: “Até agora não ousamos fazer isso. Pelas regras da federação internacional, calças compridas com collants são permitidas em competições, mas ninguém o fez. Em algum momento, nós, como seleção alemã, nos perguntamos: Por que não?”. Kim Bui e Elisabeth Seitz, também da equipe alemã, usaram o uniforme com calças na competição. Elisabeth disse que usar o collant foi uma preocupação a menos, porque ela se concentrou apenas no esporte e não se seu corpo estaria ou não à mostra.
Algumas considerações:
O assédio precisa ser denunciado

Certa vez, um autor desconhecido escreveu: “Nenhuma mulher ficará calada enquanto houver outras violentadas”. Ter essa consciência é o primeiro passo!
Mulheres: busquem informações na grande mídia, nos guias e cartilhas já escritos! Nas literaturas! Eduque filhos homens respeitando o sexo feminino, eles serão os homens do futuro!
Homens: se posicionem contra assediadores! Mães são violentadas, irmãs são violentadas, filhas são violentadas, então, é necessário ir muito além do que um apoio verbal!
Eventos: está na hora de pensar na segurança dos competidores e criar canais de denúncia, além de ter regras de expulsão para assediadores. Um evento sério, de credibilidade, não pode admitir determinadas atitudes!
Amparo legal para as vítimas

O apoio às vítimas de abuso e assédio sexual é um aspecto essencial para estimular as denúncias. No entanto, o Brasil ainda enfrenta uma série de obstáculos nesse quesito. O tratamento dado às vítimas durante o processo legal em crimes de estupro seria um desses problemas. Advogados de defesa, por exemplo, já teriam utilizado o histórico sexual ou de comportamento das vítimas para constrangê-las durante julgamentos. Dessa forma, a pergunta é: “A análise da conduta pessoal das vítimas deve ser proibida em julgamentos de estupro?”… Outro marco conquistado pelas vítimas de estupro foi o direito ao aborto legal, instituído no Código Penal de 1940. Embora alguns grupos conservadores articulem restrições a esse direito.
E, por fim, lembre-se: Você não está sozinha!
Pedir ajuda não é uma decisão fácil, mas pode ser a melhor maneira de salvar sua vida. Além das forças policiais e jurídicas, outros canais para denunciar a violência são os serviços telefônicos, a família, os grupos de mulheres, grupos de proteção (voltados para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual) e o Disque 180, a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência. Procurem se informar como usar as redes sociais nesses casos, para o agressor não virar vítima! Faça sua voz ser ouvida e saiba que mexeu com uma, mexeu com todas! Vamos à luta!