Jurados? 3… 2… 1…!
Descubra o que acontece nesses minutos com os jurados e como entender melhor os critérios de julgamento durante uma batalha de Breaking
Então você, B-Boy e B-Girl, passam horas treinando, melhorando o desempenho, limpando movimentos, montando sessions mais elaboradas, se preparando para participar de mais um grande evento, afinal, competir além de se divertir significa mostrar para o que veio, apresentando o melhor de sua dança naquele momento, para os jurados e para o público presente. Além da adrenalina que envolve a situação, do esforço físico e psicológico, é importante lembrar que também existem os custos com inscrição, depois gastos com transporte, alimentação, hospedagem, entre outros detalhes que acabam sendo necessários, tudo isso sem ter a certeza do que vai acontecer, pois uma série de fatores podem interferir no resultado final. E como entender o que se passa na cabeça dos jurados e que critérios vão usar na hora de escolher o campeão? Afinal, “de bunda de neném e cabeça de jurado nunca se sabe o que pode sair”. Mas, pensando nesse momento muitas vezes angustiante para quem dança e também para quem vai julgar, o Portal Breaking World resolveu convidar três grandes nomes do Breaking brasileiro para um bate papo esclarecedor sobre o assunto.
O primeiro procurado pela nossa redação foi o B-Boy Amendoim, que dança há 22 anos. Ele lembra que já foi mais difícil julgar uma Batalha, mas admite: “Com a experiência que adquiri esses últimos anos, não digo que se tornou algo mais fácil, mas se tornou algo mais justo e com critérios que atribuí para fazer um melhor julgamento. Levo em consideração o que é feito e não o que o B-Boy ou B-Girl deixou de fazer. Por exemplo: “Poxa Amendoim, eu fiz Top Rock, “Foot”, Tricks e Power e meu adversário só fez Top Rock e Footwork, por que você votou nele?”… Muitas vezes, a pessoa se preocupou somente com a variedade de passos que vai mostrar para o jurado e não trabalhou qualidade, limpeza e personalidade neles. Muita coisa na dança não é o que você faz, mas sim como você faz, não adianta mostrar um repertório cheio de coisas com grau de dificuldade, tendo muito crashes ou errando a sequência, não posso votar na tentativa de acerto porque é algo difícil. Outra questão é se preocupar com a própria dança e não com os jurados ou com o outro que está competindo. O fato de eu trabalhar na “Powertubemoves” (maior canal de tutorial de Power Moves da América Latina) confunde muito a cabeça das pessoas, acham que pelo fato de eu trabalhar com Power Moves eles devem fazer Power Moves na hora da Batalha para ganhar meu voto e acabam deixando de ser elas mesmas para querer me mostrar algo que eles treinaram e fazem bem. Sempre que posso, lembro que o B-Boy ou B-Girl deve estar com o foco nele mesmo e não nos outros. Eles são responsáveis pelos próprios sonhos e não os outros! Dancem, estudem, se divirtam e não se cobrem tanto. Como jurado, algumas vezes fui questionado, já encontrei erro de voto após assistir vídeo de uma batalha que julguei, porém, batalha é algo muito complexo, tem aquele lance de quem é espectador e quem está avaliando, ambos olham diferente para a batalha e a emoção ao vivo é diferente. Dificilmente dou “Tie Break” em uma batalha, sou bem chato nessa questão e guardo bem a minha opinião para que eu possa dar um feedback para quem eu avaliei e tenho costume de me avaliar como jurado também e isso me ajuda muito nas decisões”, conclui.
Perguntamos ainda para o Amendoim o que lhe chama atenção numa batalha, o que deve ser apresentado e o que não pode acontecer de forma alguma: “O Breaking em si me chama atenção como um todo, tanto battle de iniciantes, B-Girls, B-Boys, Crew. A energia da pessoa é algo contagiante, o dançarino não precisa ter um nível absurdo, mas a energia e a felicidade de estar ali curtindo aquele momento, ganhando ou perdendo é o que mais me admira hoje! A pessoa pode fazer uma cambalhota que seja, se era aquilo que ela queria mostrar está ótimo, só não aceito desrespeito e agressão. Teve uma batalha que um rapaz empurrou o outro na maldade e no meio da batalha já dei meu voto, sem aguardar o término, isso é batalha de Breaking e não MMA”.
Sobre a forma que são escolhidos os jurados pelos eventos, Amendoim falou: “Estudar a história de quem ele está chamando, saber o entendimento dele na cena, experiência dele com batalhas e se está ativo no cenário. Grande parte dos eventos não estão priorizando bons jurados, apenas visualizando quem é influência na internet e tem um “hype” nas fotos e acabam sendo chamados para o trabalho. Em meus eventos sempre convido pessoas que conheço o entendimento de dança dela, vejo quais eventos já julgou, qual foi o feedback, trago pessoas que tenham uma posição mais profissional para tamanha responsabilidade”, finaliza.
A responsabilidade de julgar um evento, de fato, é grande também, concorda a B-Girl Nathana Venancio, outra profissional da dança que convidamos para fazer parte dessa matéria. Ela lembra: “Quando somos jurados, estamos julgando a dança e a arte de outra pessoa. No meu ponto de vista, a arte é difícil de ser julgada, porque cada indivíduo, cada B-Boy e B-Girl, está se expressando e defendendo o seu estilo, acredito que ali na batalha é só um momento, isso não me mostra quem é o melhor, e sim só quem está melhor ali naquele momento, então eu tento ser o mais justa possível e imparcial, não vejo a pessoa como meu amigo, irmão ou conhecido e sim como profissional. Em uma batalha eu analiso tudo: a musicalidade, fundamentos, dinâmica, flow, flava, sentimento, originalidade, presença, domínio do espaço e etc”.
Nathana tem 13 anos de dança, conheceu o Breaking por meio de um professor de dança de rua, que foi um dos seus mentores na dança. No início não foi fácil. Ela conta: “Eu era muito nova e os treinos eram à noite e a grande maioria eram homens e isso incomodava a minha família, mas eu consegui vencer esses obstáculos, depois, comecei a evoluir e viajar, e isso me motivou a não desistir e sempre avançar e ir além”, afirma. Hoje, Nathana representa a “We Can do It B-Girls” e “Rock Niggaz”. A “We Can do It B-Girls” é uma crew somente de B-Girls, inclusive, ela é uma das fundadoras, juntamente com a B-Girl Bibi e a Day, “meninas inspiradoras”, segundo Nathana. Ela lembra: “São B-Girls que têm uma história de superação incrível e são a minha família. A “Rock Niggaz” também é uma família, assim como a “We Can do It B-Girls”, cada um mora em uma cidade diferente e mesmo morando longe isso não é um empecilho, admiro todos da Crew e são inspiração para mim também. Nós, mulheres, geneticamente somos diferentes, porque o corpo de uma mulher é diferente de um homem, porém, para mim, enquanto estou numa posição de jurada em uma batalha, não vejo isso como diferença, vejo todos como iguais, porque todos treinaram e estão ali para mostrar sua arte, e como falei anteriormente, ali vai ganhar quem estiver melhor no momento. Quando estou na posição de B-Girl, já aconteceu de muitas vezes ficar revendo o vídeo várias e várias vezes, para ver aonde eu errei e porque eu perdi, às vezes pergunto aos jurados como me saí, mas vejo isso como o momento e vejo que cada jurado tem uma opinião diferente, então, eu respeito isso e volto para casa e continuo treinando, na realidade perder me motiva a evoluir. Estamos sempre evoluindo, no caso das mulheres a cada dia crescendo mais o número de B-Girls e isso me motiva, só acho que as B-Girls poderiam se arriscar mais a participar de batalhas “1 versus 1”, porque para mim quando se trata da dança somos iguais. E, bom, da minha parte não tive preconceito com jurados por eu ser mulher, já tiveram situações de B-Boys desacreditarem de mim em uma batalha e acabarem perdendo por isso. Então, aconselho: continuem treinando e, principalmente, participando de batalhas aqui no Brasil, porque assim você vai se tornando mais experiente e crie estratégias de batalha. Pesquisem sobre editais que possam apoiar nesse sentido, para conseguir viajar para fora, não dependam somente de eventos para não se frustrarem”, conclui.
Decepções faz parte da vida, faz parte do aprendizado e às vezes se tornam inevitáveis, como, por exemplo, em determinados eventos onde já existe um favoritismo ou um nome mais conhecido. Nathana relatou que isso existe não só no Brasil, mas que no mundo todo tem sempre aquele B-Boy ou B-Girl favorito a ganhar o evento, o nome ajuda muito nesse momento, porém, é possível mudar isso. Ela cita um exemplo de um B-Boy da Ucrânia, o Kuzya: “Ele não era conhecido e estava em um filtro no “Unbreakable”, que acontece todos os anos na Bélgica, e conseguiu passar no “Top 16” e ganhou esse evento, que é mundialmente reconhecido. E isso sem ser conhecido, chegou e fez o seu melhor e acabou surpreendendo a todos e aos jurados, ou seja, dê sempre o seu melhor em uma batalha como se fosse a última”, finaliza.
Para Rodney Miranda, conhecido como B-Boy Ruddy, da “Killa Rockers Crew”, ele recorda o rapper Emicida em uma de suas músicas quando diz “nem todo mundo que tá é, e nem todo mundo que é tá”.
“Mas muitos também realmente treinam para estar lá. É possível quebrar as panelas que existem. Se você já sabe que o que vai acontecer no evento, não vá, mas procure outros lugares para se sentir bem e não frustrado ou desmerecido. Ou, então, treine muito, vá lá e ganhe sem deixar nenhuma dúvida, para que todos vejam. Falta estrutura a muitos eventos aqui no Brasil, temos poucos profissionais capacitados para julgar uma batalha de Breaking aqui. Nunca é fácil julgar uma batalha de Breaking, por ter vários momentos e sentimentos diferentes. Meus critérios para julgar são simples: o B-Boy ou a B-Girl tem que estar contando sua história por meio de passos, limpeza e criatividade de seus passos. Acho que está se perguntando: “é a originalidade?”… Se eles tiverem contando suas reais histórias por meio dos passos, creio que não vai ter como não ser original, você pode sentir isso. O que me chama a atenção em uma batalha é a energia da pessoa, mesmo que o clima esteja pesado ou tranquilo, essa energia transcende a todos que lá estão. O que for apresentado deve ser algo inovador, sempre com um sentimento real. Agora, o que não pode acontecer de forma alguma é o desrespeito. No passado, já fui uma vez desrespeitado. Mas para mim, isso se resolveu de uma forma bem simples: vamos para cypher (roda) onde resolvemos isso. Dançando e foi dessa forma!”, conta o B-Boy e continua: “Mas antes de confirmar a presença em um evento, veja se o evento é confiável ou se você vai apenas se divertir nele. Mas, falando de bons conselhos, creio que no Brasil temos muitos talentos. Digo a cada B-Boy ou B-Girl trabalhar com o que tem. Aprendam os valores, as histórias e contem a suas histórias, através delas, realmente como elas são. Sejam únicos! Nos vemos nas cyphers da vida!”, conclui.
B-Boy Ruddy tem 24 anos dançando Breaking, começou a dançar com 6 anos de idade, ensinado pelo irmão. Foi vencedor dos Campeonatos Internacionais “Battle Weekend” (Alemanha), “Hip-Hop Side” (Alemanha), “El Bosque City” e “Sudaka Break Dance” (Chile). Sua Crew, “Killa Rockers Crew”, foi premiada duas vezes como a Melhor Crew da América Latina. Já foi jurado dos eventos: “Rival vs Rival” (São Paulo), “Batalha Final” (São Paulo), “Battle In The Cypher” (Jaraguá do Sul), “Sintrome Del Beats” (Chile), “Sur Breakers” (Chile), “Breaking da Paz – Abaetetuba” (Belém) e “FDL Jam” (Argentina).
Fotos: Arquivo Pessoal