Hip-Hop continua salvando vidas e usa tecnologia em tempo de isolamento social
Entender como a Cultura de Rua iria se comportar e se adaptar num momento de pandemia e isolamento social foi o que nos fez visitar algumas lives, vídeos e publicações que vêm acontecendo pelo mundo afora e conversarmos com alguns adeptos do movimento. Dos nomes conhecidos aos anônimos, todos têm a sua hora de encontro com a galera! Tudo on-line, onde é seguro e o único a ser barrado é o novo coronavírus! É necessário fazer uma grade de programação para não perder os assuntos mais interessantes e as boas dicas. Na Cultura Hip-Hop muitos têm aproveitado para passar conhecimento, seja no Graffiti, nas Rimas, no mundo dos DJ´s ou no Breaking. Como foi o caso do B-Boy André Herculess da conhecida Momentum Crew, grupo de Breaking de Portugal. André tem aproveitado esse tempo para passar conhecimentos às crianças que desejam aprender os movimentos principais dessa dança. São dele as palavras: “A ideia é incentivar os pequenos a se manterem ativos na dança nesse período de quarentena!”.
São muitos os vídeos e lives de toda parte do mundo que pretendem tornar esse tempo de pandemia menos pior. Outro grande agito bem curioso no mundo inteiro são as inúmeras lives onde os dançarinos mostram seus treinos em casa: alguns na cozinha, outros no quarto, na sala, provando que o tempo passa mas para alguns os treinos continuam.
No Brasil, muitas ideias semelhantes e criativas agitam a vida de quem está em casa, como do B-Boy Grilo, da 011 Crew, que vem apresentando uma série de lives que leva o título “Aprenda a dançar Breaking”. Do outro lado da cidade, também tem live para as B-Girls de todo o país. A crew Hotstepper Sisterhood, representada no Brasil por B-Girl Miwa, entre outras meninas, vem apresentando vários workshops, rodas de conversa e aulas, sendo uma programação específica para o público feminino.
Nas pickups, os tradicionais DJ´s Ninja, Piu, Cido e A.G. Naja, a pedido de frequentadores do templo sagrado do Breaking, na São Bento, fizeram a festa para quem estava em casa. “O Hip-Hop não para e precisamos usar a tecnologia a nosso favor”. Essa é a opinião do jornalista Marcelo Rebello, da Casa de Cultura Urbana Street House, em São Paulo, “nesse momento, entrar nas casas das pessoas com os elementos da Cultura Hip-Hop é uma forma bastante interessante de levar conhecimento a todos. As pessoas estão abertas para refletir e até para mudar antigos conceitos. O Hip-Hop continua salvando vidas! Agora a luta é contra um vírus letal, mas também contra a depressão e a ansiedade, misturado com o desejo de poder voltar a uma vida “normal”, algo que penso que não será mais possível. Teremos que aprender a criar uma nova normalidade em nossas vidas! O mundo mudou e precisamos mudar também! Muitos artistas e profissionais da cadeia produtiva da economia criativa têm enfrentado uma grave crise financeira, pois de uma hora para outra viram suas únicas fontes de renda secarem e, infelizmente, até o momento não tiveram políticas públicas específicas de auxílio social que aliviassem esta carga nas famílias envolvidas com a arte e a Cultura Urbana. Portanto, o setor está envolto em uma grande névoa e não há outra saída a não ser usar a criatividade e a tecnologia em prol de soluções que motivem esses profissionais e artistas a continuarem levando para as pessoas conhecimento, alegria e esperança de dias melhores, mesmo à distância! A Cultura e a Arte têm este poder de transformar vidas, exemplo disso, além das lives, são os dançarinos e músicos que têm feito das sacadas, varandas e lajes de suas residências os seus novos palcos, emocionando seu entorno e fazendo sua parte para aliviar a tensão de quem está em isolamento social”.
O Graffiti e a Fotografia também tiveram o seu espaço. Destaque para a grafiteira Mel Zabunov e para o fotógrafo The Sarara, que fizeram uma live falando do impacto da arte no dia a dia, principalmente nesse momento de pandemia, mostrando suas vivências como artistas da cultura, sendo uma grande troca de ideias, promovendo relevantes reflexões! Outro importante acontecimento também são os campeonatos on-line, seja na dança ou na rima. Recentemente, Bob 13, responsável pela Batalha da Aldeia, publicou na sua rede social: “Realizamos pela primeira vez na história do Freestyle BR uma batalha de MC’s sem público presencial, 100% on-line, com votação do público de casa. Tomamos as medidas corretas para driblar esse vírus que mexeu com a vida de todos nesse planeta. Obrigado a cada MC e a cada pessoa que nos ajudou nessa etapa, está sendo muito difícil pra todos nós, mas continuamos lutando pela cultura e prezando pela recuperação de todos. Deus abençoe”.
Nas competições de dança on-line pelo mundo, as opiniões se dividem. Para alguns B-Boys, os campeonatos on-line não agradam tanto, mas no momento de pandemia é a opção que existe. São do B-Boy Allan Jackass, da Biohazard Crew, que já dança há 20 anos, as palavras: “Pra mim, eu não acho tão legal o campeonato on-line. É bom para as pessoas que não desejam se locomover, mas numa época de pandemia é uma boa opção, sim, as pessoas estão em casa e não podem sair, então essa ideia tem funcionado muito. Em relação às lives, acho necessário tomar cuidado, pois tem muita gente ensinando movimentos de forma errada. É importante notar se quem está ensinando sabe realmente o que está fazendo”. Em relação ao futuro, pós-pandemia, Allan comenta que apesar de não ter medo de voltar às suas atividades normais, acredita que muitos terão receio desse retorno, finaliza: “Acredito que será possível ver B-Boys e B-Girls dançando com máscaras!”.
Na opinião da B-Girl Nathana, da Rock Niggaz e We Can Do It Bgirls, os eventos on-line são positivos. Declara: “Esses eventos motivam B-Boys e B-Girls, porque nesse momento de pandemia não podemos sair de casa e os eventos foram, em sua maioria, cancelados ou adiados. Claro que é tudo muito novo pra todos, porque dependemos muito da tecnologia. Mas incentiva a continuar evoluindo e treinando. As lives são interessantes, principalmente porque conhecemos mais a realidade de cada um, o treino, podemos aprender. Acho que só agrega coisa positiva. Para nós que dançamos está sendo ruim esse momento, porque nem todos têm um espaço bom para treinar, então isso tem que ser feito em casa, sem contar que é ruim ter que treinar sozinha, a presença de outras pessoas nos faz sentir melhor. Sobre o pós-pandemia, alguns terão que voltar às práticas, outros já estarão prontos! Porém, acho que quando puderem acontecer os eventos, a maioria vai querer ir, nem que seja para prestigiar. Mas o mundo acredito que não será o mesmo depois de tudo isso!”.
B-Girl Drika, da Cristo Crew de Manaus, dá a sua opinião: “Os eventos on-line com certeza não são iguais aos que estamos presentes. Pelo menos pra mim, é tipo uma aflição. Presencial é você e sua dança curtindo o momento e a música. Mas quando tem somente uma câmera pra você é totalmente estranho. Sobre as lives, acho interesse a troca de conhecimento. Somos muito fechados aqui no Brasil. Até pra irmos de uma cidade à outra dentro do país é muitíssimo complicado. E com as lives, você acaba se tornando mais próximo daquilo que você sempre vê em vídeos de competições”.
B-Girl Josy, da DD Tankers, também de Manaus, falou: “A galera toda está completamente ansiosa pra voltar com os treinos com seus grupos e amigos. Ou seja, vai haver mais fervor e intensidade de modo geral. Um está incentivando o outro, aqueles que tinham parado estão retornando às práticas e melhores até”.
Já a veterana Fabiana Balduína, mais conhecida como FabGirl, criadora da BSB Girls, reforça que acredita nos eventos on-line e acha que não tem volta. Ela diz: “O custo-benefício é muito melhor nos campeonatos on-line, não tem custos elevados com produção, o investimento de quem quer estar no circuito mundial de dança será em dispositivos eletrônicos mais sofisticados… Quanto maior a qualidade do vídeo, melhor é pra quem julgar. Tenho acompanhado algumas batalhas virtuais de Locking e Vogue, por exemplo, as pessoas que não têm dispositivos de última geração têm sido prejudicadas, porque os movimentos ficam tipo vultos. Então, além da dança, aconselho a todas já pensarem nos seus próximos aparelhos telefônicos ou investir em boas câmeras digitais”.
A nova geração encara o isolamento como uma grande oportunidade para treinar cada vez mais! É o caso dos irmãos B-Boy Eagle e B-Girl Angel, da Dream Kids Brazil. Eles brincam e fazem bagunça, mas a hora dos treinos de Breaking é sagrada! B-Boy Eagle fala: “Tenho aproveitado para treinar muito, tenho visto muitas lives aqui do Brasil e de fora. Gosto muito dos eventos de antes, era bom encontrar os amigos, mas os on-line também são muito legais e diferentes. Gostei muito da live do Lilou, do Herculess e não consegui assistir a do Bruce, fiquei triste, mas tudo bem. Aqui do Brasil também vi várias e tenho aprendido muito!”.
A Federação Paulista de Breaking (FSPB), por meio de seu representante, Rooneyoyo “O Guardião”, se pronunciou: “No meu ponto de vista, creio que deveríamos todos parar de ir às ruas, tudo que está aberto faz as pessoas quererem sair de casa, tem gente morrendo, o povo sai para a rua desprotegido ou sem necessidade extrema. Sobre as lives, é um recurso muito moderno e simples de ser executado, tem muita coisa ruim e muita coisa interessante, se vasculhar, como tudo na internet, você acaba achando algo em que se identifique, o principal disso tudo na minha opinião é sair da frente da TV, temos este recurso que também não chega a todo mundo, pois na faixa de mais necessidade o cidadão não tem condições de acompanhar, a maioria desta população não tem internet ou Wi-Fi de uso contínuo, mas por outro lado, quem pode deve se aprofundar, ali podemos ficar mais próximos dos nossos ídolos artísticos muito famosos e participar da vida íntima deles, ouvindo uma mensagem positiva ou assistir um show de algum deles, tivemos campeonatos muito bem elaborados, com extrema profissionalização, como se fosse TV ao vivo. Impressionante! E temos os bate-papos com pessoas mega importantes na cena, além de poder participar de grupos de aulas abertas de professores renomados academicamente, então, abra sua mente, sua telinha e seja bem-vindo ao mundo on-line. O futuro é difícil prever, mas acho que nesse retorno todos os eventos vão embolar, acontecendo simultaneamente, quando o certo seria criar uma agenda coletiva de eventos para apoiar todos os produtores e seus públicos. Segurança em eventos? Seria mais seguro retornar após a existência de uma vacina… Mas enquanto não temos a vacina, por favor fiquem em casa!”.
Para B-Boy Leony, da Amazon Crew, que dança desde 2011 e é tricampeão da competição nacional da Red Bull BC One, esse momento de crise aflora a criatividade, ele lembra: “as batalhas on-line são necessárias para manter a Cultura Hip-Hop ativa nesse momento de pandemia. Pessoalmente, em circunstâncias normais não gosto. Mas no momento que estamos vivendo isso se torna uma saída saudável. Lógico que perde muito, uma batalha on-line é totalmente diferente de um evento presencial, em que contamos com o público, a energia, a ansiedade de querer mostrar nossa arte. Já em uma batalha on-line, nada disso pesa. Esse momento de crise tem seu lado bom, ele aflora a criatividade para buscarmos saídas em frente à tantos problemas, novos caminhos que possivelmente vão continuar assim que tudo isso passar. Acho que após a crise, as coisas tendem a se encaminhar à normalidade, porém em um ritmo lento, o baque que o mundo sofreu foi grande. Se eu pudesse dar um recado a todos diria: sei que são tempos difíceis, mas peço que não deixem de sonhar e nunca deixem de lado seus objetivos com essa cultura. Isso é uma fase e ela vai passar, foquem em soluções para manter a vida até isso passar e se cuidem e deem exemplo ao resto da sociedade”.
Fotos: The Sarará, William Machado e Arquivo Pessoal