De frente com Ellypretoriginal DMN
Luciana Mazza
“O racismo é um câncer na humanidade”
Contar a história sem filtro, abrir espaço para que a verdade apareça, revelar o que foi vivido e construído mostrando o que realmente tem relevância na cena é um dos compromissos do Portal Breaking World.
Nessa entrevista, apresentamos um bate-papo épico que vai sem dúvida causar reflexão e ficar carimbado e registrado na história do nosso Portal e da Cultura Hip-Hop brasileira. Conversamos com o mestre Ellypretoriginal, do DMN. Rimador, professor de rimas, produtor e diretor musical, Elly, sem dúvida, é um dinossauro do Rap Nacional, mostrando que respeito se conquista e não se compra. Só de DMN são mais de 30 anos, entre tantos assuntos e vivências, Elly falou: “A temática e teor de nossas letras, sempre tiveram em seu contexto falar da nossa etnia, dos problemas que o povo preto e pobre da periferia vivenciavam e ainda vivem até hoje, tentar combater através das nossas músicas, todo tipo de injustiças, preconceitos, racismo e discriminação que todos nós de alguma maneira sofremos, e mostrar que temos que nos valorizar, que a nossa história é uma história de lutas, de grandes batalhas e que não podemos de maneira alguma desistir, ou abaixar a cabeça, o racismo é um câncer na humanidade. Nós sempre fomos linha de frente, sempre nos articulamos de informação, de cultura, de sabedoria, eram tempos difíceis, e sem tantas oportunidades, bem diferente do quadro que vivemos hoje, mas nós nunca desistimos, mas conquistamos o nosso lugar, entre os melhores”.
Atualmente, Elly se diz mais reflexivo, mais calmo e trabalha no novo álbum do DMN que segundo ele vai surpreender muita gente, ficando pronto em agosto. E junto com o DJ Heliobranco está produzindo um trabalho dançante, chamado “FUNKZTAZ” que é uma fusão da palavra FUNK com GANGZTAZ. Gostou das novidades? Então confira a entrevista:
BW: Elly, queria que você nos falasse: onde nasceu e foi criado? Como era sua vida em família? Que lembranças tem dessa época?
Elly: Em primeiro lugar, quero agradecer pelo convite, e por poder contar um pouco de minha história, nessa entrevista, enfim… nasci na Vila Matilde, em São Paulo e fui criado na Zona Leste de SP, quando criança no Jardim Nordeste, já adolescente, cresci em Itaquera, onde estou até hoje, desde os meus 8 anos de idade. Minha vida em família sempre foi das melhores, sempre amei minha família, tive uma ótima criação com meus pais, mas muito mais por minha mãe, pois perdi meu pai logo que mudei para Itaquera e tudo que aprendi, foi com minha mãe, que lutou duramente e se dedicou e lutou uma vida inteira para nos dar uma educação melhor e nunca nos deixar passar veneno por nada, trabalhando como diarista em casa de família, de vendedora de roupas, de doces e salgados e de cozinheira no hospital Bandeirantes. Hoje ela já é falecida, há 7 anos, moro com minha irmã, meu cunhado, meus sobrinhos e nos damos muito bem, graças a Deus. Minhas lembranças daquele tempo são as melhores, ainda que com as dificuldades que tínhamos na época, morávamos em um super quintal, com todo tipo de árvores frutíferas, tínhamos diversos amigos e amigas e brincávamos um bocado, de muitas coisas que hoje não vemos mais entre as crianças e voltar a pensar nas coisas daquele tempo me remete a muita coisa boa, indubitavelmente, principalmente pelo fato de meu pai gostar muito de músicas, comprar uma diversidade de vinil e na época dos 3X1, fazer muito barulho, como eu também faço hoje em dia, escutando suas músicas bem alto, os meus primeiros contatos com a música partiram dessa época, com pouco mais de 4 anos de idade e me acompanham até hoje.

Imagem: Arquivo Pessoal
BW: Quando teve contato pela primeira vez com a Cultura Hip-Hop? Em que ano foi isso? Quais foram suas referências?
Elly: Meu primeiro contato com o Hip-Hop teve início em 1982, com o lançamento de um compacto chamado “Ya Mama”, de Wuf Stick, em 1982, música que em época de ginásio, na 5ª. série, eu rolava nas festinhas numa sede do PT, situada em um quartinho, no fundo da casa de um dos meus grandes amigos, o Cidão, depois das aulas vagas que a minha sala tinha no “Chiquinho”, apelido da escola Professor Francisco de Assis Pires Correa, que estudei de 82 até 86 e que concluí meu ginásio, estudando lá, nessas festinhas eu era o DJ e usava 2 aparelhos de som 3 em 1, pra poder mixar as músicas. Nessa época, fiz amizade com outro grande amigo meu, o Josenaldo (Ferreira), que levou a um DJ mais velho e muito considerado da época, chamado DJ Ailtão, que começou a nos fornecer fitas K7, com diversos “Balanços” e “Pesos”, pois nessa época ainda não tínhamos a noção exata que o que estávamos ouvindo era Rap, Soul Music, Black Music e que aquela música e comportamento das pessoas, a dança da época, era o Breaking e que também dancei muito, faria parte da minha história até hoje… Em 86, tive a oportunidade de também conhecer no baile de formatura do meu ginásio o DJ Luis, que junto com ele, montamos a Star Som Produções e fazíamos diversos bailinhos aos finais de semana, até passar por uma fase mais profissional, tocando em diversas grandes equipes de bailes black e de house music naquela época, também influenciado pelos grandes DJ’s da época, como DJ Kl Jay, DJ Hum, DJ Iraí Campos, Ricardo Guedes, DJ Grandmaster Duda, DJ Vadão, DJ Gregão, Nathanael Valêncio, Silvio Miller, aqui no Brasil e lá fora, DJ Cash Money, Jazzy Jeff, Joe Cooley, até me tornar também um DJ de performance, conseguindo também ser campeão em alguns campeonatos aqui na Leste, ou seja, minha primeira paixão no Hip-Hop foi como DJ!
BW: O Rap, como surgiu na sua vida? Você chegou a participar de batalhas de rima? Que batalhas existiam naquela época?
Elly: Comecei a cantar “Ya Mama” de Wuf Stick, acompanhando o MC da música, sem imaginar que aquele estilo seria Rap, também percebi que eu tinha uma facilidade muito grande em aprender letras em inglês, claro que meio sem noção, pois não tinha conhecimentos da língua que era cantado aqueles versos, e aí, depois, comprei vários álbuns da época, como Whodini, Fat Boys, LL Cool J., Public Enemy, Kurtis Blow, The Boogie Boys, Dana Dane, Eric B and Rakin, Dj Jazzy Jeff & The Fresh Prince e, também, aprendi a cantar diversas tracks. Conheci, então, 3 amigos primordiais para me inserir neste universo do Hip-Hop, até pela identificação visual que tínhamos, estou falando de Duda da 7, Fábio Felizbino, conhecido como “Feliz” e um outro amigo conhecido como “Sombra”. Nós sempre usamos tênis cano alto da Reebok e Nike, L.A Gear, Avia, Adidas e camisetas da Nike, correntes douradas e prateadas, torcidas e em formato de corda no pescoço, cronômetros, bonés importados e calças largas e um dia eles me convidaram para ir à estação de metrô São Bento, onde conheci outros garotos e garotas, semelhantes a nós, que dançavam, se vestiam e batucavam nas latas de lixo fazendo um som, e ali, foi minha primeira vez dentro da cultura. Já o Rap, um dia eu ouvi a “Melô do Bastião” uma versão criada em cima de “Fly Guys” de Magic Trick, cantada por Pepeu & Mike, depois ouvi “Os Metralhas” cantando na Bandeirantes em cima de “They Call me Puma” de Seeborn & Puma, e tudo em português e aí entendi que era possível fazer aquilo que os gringos faziam com tanta maestria de forma falada, em português. Nessa época, mesmo sendo um DJ, eu já me vestia como um rapper, sem ser, tinha muita identificação visual com aquilo que eu via nas capas de disco da época e eu namorava com uma garota chamada Adriana Bueno, que me acompanhava sempre às lojas de discos e em alguns lugares nos quais trabalhei como DJ e que hoje fico pensando o que as amigas dela da época, pensavam vendo ela, que era uma garota muito bonita e totalmente normal em seu jeito de ser, com alguém que já era bem americanizado no jeito de ser e bem distante dos padrões de outros garotos da época… bons tempos demais! Nunca participei de batalhas de rimas, naquela época as batalhas eram mais lá fora, aqui não teve essa ascensão de hoje em dia, a gente curtia mesmo escrever as nossas próprias histórias e fazer críticas a tudo que fazia a vida das pessoas ficarem piores, como a opressão policial, a violência, drogas, política e por aí vai… O que rolava muito naquela época, eram os clubes do Rap e também, os concursos de Rap, promovidos pelas grandes equipes de baile como “Zimbabwe” do nosso amigo Willian Santiago e Serafim, onde nós fomos lançados em 1991, na coletânea “Consciência Black Vol. 2” com nosso primeiro Hit, “Isso não se faz” e em 93, o nosso primeiro álbum, “Cada vez + Preto” que saiu nos 3 formatos da época: vinil, CD e fita K7.
BW: Em 1988, surgia o pioneiro grupo DMN, nos conte como foi isso, fale de cada integrante, da formação original e da esfera política que se vivia naquela época. Sobre o que rimavam? Que grupos dominavam a cena naquela época?
Elly: Sim, o grupo surgiu em novembro de 1988, tínhamos um amigo em comum chamado Duda da 7, que já citei acima, que fez a ponte para que nós nos conhecêssemos, me apresentou ao Xis, ao LF e o D.J. Slick, que eu já conhecia dos campeonatos e em nossa primeira formação, era eu, Elly (Produção Musical), LF (Vocal), DJ Slick, X-Ato (Vocal), que depois virou, o Xis. A temática e teor de nossas letras sempre tiveram em seu contexto falar da nossa etnia, dos problemas que o povo preto e pobre da periferia vivenciava e ainda vive até hoje, tentar combater através das nossas músicas todo tipo de injustiças, preconceitos, racismo e discriminação que todos nós, de alguma maneira, sofremos e mostrar que temos que nos valorizar, que a nossa história é uma história de lutas, de grandes batalhas e que não podemos de maneira alguma desistir, ou abaixar a cabeça, o racismo é um câncer na humanidade. Nós sempre fomos linha de frente, sempre nos articulamos de informação, de cultura, de sabedoria, eram tempos difíceis, e sem tantas oportunidades, bem diferente do quadro que vivemos hoje, mas nós não desistimos nunca e, dentre tantos grupos daquela época, como MC Jack, Thaíde, Racionais, Ndee Naldinho, MT Bronx, Geração Rap, Sharylaine, Sampa Crew, nós também conquistamos o nosso lugar, entre os melhores.
BW: A primeira aparição importante do grupo foi na coletânea Consciência Black Volume II, na canção “Isso não se faz”, que tratava do racismo com negros mundo afora. Comente essa música?
Elly: “Isso não se faz” foi produzida pelo “KL Jay” e retratava o que nos deixava profundamente descontentes naquele momento, a maneira pejorativa que a imagem de nossos semelhantes eram mostradas nas novelas, nos filmes, nos comerciais, sempre fomos desprivilegiados, desvalorizados e estávamos cansados de ficar calados, de braços cruzados, sem fazer nada e aí tivemos a ideia da letra da música, foi aceitação geral na época e um dos grandes destaques da coletânea, nos abrindo as portas para fazer o nosso primeiro álbum e nos rendendo muitas matérias na época e também apresentações por toda São Paulo!
BW: O primeiro trabalho próprio foi o álbum Cada Vez Mais Preto, com canções como “4P” e “Como Pode Estar Tudo Bem”. Pode falar sobre essas canções?
Elly: Essas músicas foram produzidas por mim, assim como este álbum inteiro, menos “Já não me Espanto” que foi produção minha e de KL Jay e essas 2 músicas que foram perguntadas tiveram uma importância muito grande para a história do DMN e também do povo preto. “4P”, principalmente, que virou um grito de guerra para o nosso povo, que até então, não tinha ninguém que falasse por eles, que tocasse de uma forma que nós víamos como necessária, não só naquela época, mas que infelizmente ainda hoje é… O racismo é um carma, e a desigualdade social existente entre nós cria vilões, traz frustrações e falta de autoestima, para os homens e para as mulheres, para os adultos e principalmente para as crianças e em um clima totalmente desfavorável a nossa cor, não dá para dizer que está “Tudo bem”, daí a ideia de “Como pode estar tudo bem?”.

Imagem: Arquivo Pessoal
BW: Além desses, quais foram os principais trabalhos gravados do grupo DMN? Quem escrevia e escreve as letras?
Elly: No primeiro álbum, em 1993, podemos destacar ainda: “Mova-se”, outro grande grito de guerra periférico, “Aformaoriginalmental” que foi o nosso primeiro trabalho feito em vídeo clipe, com a direção do meu amigo Odorico Mendes, “Precisamos de nós mesmos”, citada por Racionais MC’s em “Voz Ativa” e, claro, “A Lei da Rua”, que o Xis na época escreveu com maestria falando das ruas e de suas doutrinas. Agora teve, em 1998, “H.aço” (clássica), com vídeo clipe dirigido por Maurício Eça. Em 2001, saiu nosso álbum “Saída de Emergência”, pela BROS Company, na época de nosso amigo Diogo Poças e Drico Melo. Teve produção de Edi Rock e minha e tiveram destaques de alguns clássicos, como “Cisco”, “Racistas Otários”, que tem vídeo clipe extraído do DVD “Saída de Emergência”, “Tenha uma meta a seguir” e “A Lei do Opressor (500 Anos)”. Em 2003, sai pela Mel Records o álbum “Essa é a cena”, com produção do DJ QAP, DJ King, Diogo Poças e minha, os clássicos desse álbum são: “Jão”, “Essa é a cena”, “Pra você Preta”, “Chove lá Fora” e “Talvez eu Seja”, com vídeo clipe dirigido por Rooneyoyo. Em 2013, lançamos “9 Anos Depois. Epílogo”, produzido por DJ QAP, eu, Markão II, Johnny Campanille, com os clássicos: “Eu sei que tem”, “VEm Kum Nóizz”, “Nunca Nada Tá Bom”, “Quem é o fora da Lei” e “US Preto Rimador”, que tem vídeo clipe dirigido por Odorico Mendes. Falando das composições do DMN, até o ano de 1997 quem escrevia era o LF e o Xis, de 98 em diante, eu comecei a compor junto com o Markão também, para reforçar o nosso time, tendo em vista que houve a saída de Xis, que foi fazer carreira solo, em 2003, LF saiu do grupo para carreira solo e hoje quem compõe todas letras do grupo sou eu e Markão, mas também se achamos que têm alguns compositores que fazem letras que têm o nosso perfil, não temos vaidade alguma em também grava-las, já venho fazendo algumas coisas nesse sentido no meu trabalho solo, com pessoas como o França (S.O.T) de Conchal, interior de SP, com meu mano Fernando Treze, com o Natho, com minha querida Luli, todos eles com um talento espetacular em suas canetas e que também têm seus trabalhos em particular, do qual tenho a honra de produzi-los e são compositores e rimadores de altíssimo nível.
BW: Como era ser um rapper na década de 80? Como vocês eram encarados pelo resto da sociedade?
Elly: Era ser meio que um alienígena, pois as pessoas e mídias da época não enxergavam a gente como artistas, como pessoas cultas e inteligentes que faziam a trilha sonora dos acontecimentos vividos na periferia, sempre fomos vistos como marginais, a nossa música e cultura sempre foi marginalizada aos olhos da sociedade, infelizmente…
BW: Podemos falar que o sucesso mesmo do DMN veio em 1998, com a música “Homem de Aço”, que teve grande popularidade entre os jovens e veiculações constantes nos veículos de mídia. A canção tem a participação especial de Edi Rock dos Racionais MC’s, foi indicada ao Vídeo Music Brasil 1998 e foi eleita como uma das melhores músicas da década no Prêmio Hutúz de 2009. O segundo álbum, chamado “Saída de Emergência” foi produzido por Edi Rock, com destaque para as canções “Cisco” e “Racistas otários” (com Mano Brown, Edi Rock e KL Jay); álbum no qual o grupo firma-se na escala do Rap nacional. No mesmo ano, teve três indicados no Hutúz: Slick, em DJ de Grupo, “Saída de Emergência”, em Álbum do Ano e o grupo em si no Artista do Ano. Comente esse momento da carreira de vocês.
Elly: Somos um grupo, graças a Deus, muito iluminado e abençoado com o lance da inspiração e a construção de trabalhos que, de fato, se tornam grandes clássicos. “H.aço”, veio num momento certo, na dosagem certa, onde as pessoas precisavam ouvir o que é dito em cada rima da letra e, também, foi o retorno triunfal de 6 anos sem lançar nada, pois naquela época, era muito difícil colocar músicas novas na rua, pela dificuldade que tínhamos para pagar estúdio, era tudo muito caro e as opções que tínhamos eram bem poucas realmente, e aí tínhamos que esperar o momento certo de conseguir juntar uma grana e fazer o trabalho para depois ver o que faríamos, não só DMN mais Racionais também estavam sem gravar há 6 anos e naquela época, quando começou a se espalhar o boato que nós tínhamos nos juntado para fazer uma música, o bicho pegou, até pirataria aconteceu da música, antes mesmo que ela fosse lançada, na época pela Cia. Paulista de Hip-Hop, a qual éramos sócios, junto com Milton Salles. O reconhecimento do grupo e da música foi imediato, tão logo quando a música saiu e foi executada nas principais rádios e pistas do Brasil e conseguimos tocar praticamente no Brasil inteiro, levando nossa música e trabalho a um outro nível e patamar…
BW: Elly, queria que você nos contasse um pouco sobre suas impressões sobre o Movimento Hip-Hop, o Movimento Rap existiu ou ainda existe? Queria que nos falasse um pouco da união ou da falta dela entre os elementos da Cultura. Queria uma reflexão sobre o que foi e o que se tornou hoje em dia a Cultura Hip-Hop, na sua opinião?
Elly: Eu quando entrei no Hip-Hop, nunca acreditei que houvesse o Movimento Rap, pois para mim sempre foi o Hip-Hop, porém, teve tempo em que o Rap, com um estilo um pouco mais gangsta de ser, com bases lentas e muito distantes das que a gente curtia na gringa, passaram a criar de fato o “Movimento Rap” e individualizaram o Rap do Hip-Hop, não foi o nosso caso, mas se você observar nos dias de hoje, muita gente que hoje faz Rap, não tem mais nenhuma identificação com o Hip-Hop, nem musicalmente e nem tampouco visualmente, acho uma merda isso, pois estamos de uma certa maneira caminhando para o fim de uma cultura que salva e salvou muitas vidas. Na minha opinião (e nem falo pelo DMN), nunca houve união realmente, nem tampouco com os grupos de Rap e MC’s, nem com os DJ’s, nem grafiteiros, nem tampouco B-Boys e B-Girls. Eu me recordo de sempre ouvir os B-Boys da época reclamarem que os MC’s não faziam músicas para que eles pudessem dançar e até concordo, até a página 2, pois em um momento do Rap, no Brasil, surgiram muitas músicas mais dançantes e descontraídas, que todos que curtem a arte da dança poderiam muito bem usar em suas danças e coreografias e também tinham a possibilidade de apresentá-las, a todos nós, demonstrando o que criaram para a música X ou Y de qualquer grupo de Rap e ainda tinham a opção de negociar a sua arte, para que pudéssemos utilizar em nossas apresentações, seria algo esplêndido, pois poderiam ganhar uma grana, poderiam enriquecer os shows de Rap, com as coreografias para determinadas músicas e já ligando 3 elementos dentro do show, assim como Thaíde fez muito e ainda faz até hoje e, sem contar também os grafiteiros, que poderiam também criar painéis bem coloridos, com o nome das bandas ou de protestos mesmo, que também poderiam ser utilizados por todos nós artistas, em nossas apresentações unificando os 4 elementos do Hip-Hop, infelizmente, perdemos muito tempo se preocupando com o “cada um por si” e não pensando no coletivo, aí quando pintam as oportunidades financeiras e o dinheiro, esquecemos a verdadeira essência do Hip-Hop e só pensamos e agimos no individual, se eu vou aparecer mais que X ou Y, ou se eles vão aparecer mais do que eu, desprestigiam os eventos e trabalhos que não estamos envolvidos, por vaidades e novamente só pensando no “Eu”, nunca temos uma visão do “Nós”.
BW: Como você vê tudo de novo que vem surgindo nos últimos anos: Boombap Rap, Trap, entre outros? Pode nos fazer uma comparação do que era feito no passado e o que é feito hoje? Houve mudanças para melhor ou para pior? Com que tipo de som você se identifica hoje? Que som escuta? Fale sobre a durabilidade de tudo isso?
Elly: A internet trouxe a independência para muita gente em vários aspectos, dentro da música hoje tem artistas que já não são mais escravos das gravadoras e preferem mesmo o caminho da independência musical. Todo mundo hoje é bom conhecedor de tudo e de todos, todo mundo se acha o “phoda”, tem cara que pensa que tudo que está acontecendo hoje, começou a partir deles, que eles são os idealizadores e pouco se importam com o que aconteceu antes, quem somos nós nos anos 90, qual a representatividade e importância de cada um. Subgêneros do Rap foram criados, começou com o “Crunk”, que era legal, depois virou “Dirth Sound” e o Rap começou a ficar mais mecânico, e enlatado, com o surgimento do “Trap”, o Rap segmentou e a essência e originalidade da nossa música começou a morrer, as músicas se tornaram descartáveis, todo mundo é exatamente igual, todo mundo ostenta, todo mundo fala de dinheiro, de mulher, de “bundalização”, de drogas. A cultura que inicialmente trazia em sua mensagem o distanciamento do jovem das gangues, de uma hora para a outra, passou a adotar a postura de fazer gestos elevando as gangues, o crime e começaram a dizer que ser de uma gangue é da hora, que ser pimp, cafetão e que as mulheres são vadias, entre outras coisas, é que é o da hora, como se não tivessem mãe, irmã, namorada, esposa… houve uma inversão total de valores, o certo virou errado e o errado virou certo. A falta de respeito se elevou em cada letra, não só no Rap, mas as influências negativas que vieram do Funk [carioca] também, que mesmo tendo o seu valor para alguns, traz em sua mensagem pornografias, que também é um mercado que dá muito dinheiro e vende muita coisa no mundo, e aí devido toda essa liberação que aconteceu nos últimos anos, as pessoas começaram a achar natural e tudo ficou meio que normal e aceitável. O Rap dos anos 90, que na minha concepção é o Rap dos homens, traz mensagens fortes e depoimentos sinceros e reais, falamos da vida real em nossas letras, e o Rap dos meninos, chamado “Trap”, só visa “estética”, se enchem de tatuagem em toda parte, usam todos os tipos de drogas e cantam isso em suas letras, como se fosse algo da hora, ostentam uma vida que em muitas das vezes nem têm, muitos têm um contrato assinado com o demônio que bem sabemos, e aí, ao invés de se agilizarem e fazerem o pé de meia, aproveitando o momento, ostentam mais e mais e bebem só bebidas fortes, com músicas cada vez mais de plástico, sem essência, sem mensagem, sem emoção. Têm alguns que ainda mantém a chama do real Rap, bem vivo, mas depois que esses subgêneros tomaram a cabeça dessa geração, ficou bem complicado para quem faz um trabalho sério de conscientização por meio da música. Agora, tem também o Drill, que particularmente prefiro mais que o Trap, porém, também acredito que é mais um estilo que, como os outros, é de plástico descartável, descartável music…

Imagem: Arquivo Pessoal
BW: Elly, você também gravou trabalho solo, correto? Nos fale sobre esse trabalho?
Elly: Em 2008, com a ajuda de meu amigo Renato Scanzani, que foi o produtor executivo do CD, conseguimos colocar meu primeiro álbum solo na rua, intitulado “Acerto de Contas”. Johnny Campanille (SobTensão Podcast) foi quem produziu quase todas as faixas do álbum, menos “Se ainda Puder”, que é produção de Guilherme “Mandella” Tavares, “Pra você Preta” com feat de Silvera e “Mó Responsa” com feat de Ksslu e Paulo Henrique (meus sobrinhos),
que é produção de Diogo Poças e “Lembranças”, que tem feat da Tina e que é produção de Marden Jam. Daí em diante, adotei o nome artístico que uso hoje, que é “Ellypretoriginal” (exatamente assim), destacando meu valor individual como MC, mostrando também um outro lado de composições das quais eu fiz e não se encaixavam com a linha que o DMN faz e foi uma experiência muito bacana, pois consegui alcançar também essa visão do que é ser um artista solo, como eu me sairia fazendo shows, com outro DJ e outros novos artistas, quem me acompanhou nessa caminhada, foi meu irmãozaço, Dj Fabinho BW, que hoje está morando em Portugal, pude fazer coisas, à parte, sem o aparato do DMN, novos rimadores junto em meu CD. Mostrei também que seria possível criar uma outra vertente, à parte do DMN, mesmo sendo do grupo, para mim foi uma grande experiência, bem gratificante! Pretendo fazer outro! O clássico desse CD, que virou o hit, foi a faixa “Me Tirando”, que teve seu vídeo clipe imortalizado pela RecLife do meu mano Biofa e Lorde Sol. Estou neste momento com uma versão dela, que em breve vai sair numa fusão de DMN e Realidade Cruel… aguardem…
BW: Mais de 30 anos de DMN, correto? Qual o segredo para se manter unido tanto tempo? Como foi esse período de pandemia para vocês?
Elly: Sim, estamos indo para 34 anos de atividade do DMN, muitas águas rolaram embaixo da ponte e passamos por todas as fases do Rap, sempre ativos e vivos, fazendo música boa, interagindo com os nossos fãs, trocando ideias e trabalhando duro para nos mantermos vivos. Nestes 34 anos, o que posso dizer é que amamos o DMN e tratamos o grupo, com toda a importância que é necessária e possível. Tivemos algumas perdas de integrantes que também contribuíram muito para que chegássemos aqui, sou muito grato ao LF, ao Xis, ao Max e ao Slick, amo todos eles e sempre serão minha família e parte da história do DMN, mesmo depois do fim (um dia), escrevemos o nosso nome na história do Hip-Hop nacional e da música brasileira, pois graças a Deus extrapolamos o Rap e alcançamos outros estilos musicais também e temos o respeito de muitos, somos bem citados em diversas composições de grandes artistas de nosso segmento e isso não tem preço, é gratificante ter esse reconhecimento e saber que nossa música salvou e ainda salva a vida de muitos. Hoje, no DMN, quem toca o barco somos eu e meu irmãozaço, Markão II, que também é integrante do Realidade Cruel. Para nós, foi uma missão muito difícil tocar esse barco todos estes anos, sabendo da qualidade técnica de grandes rimadores que já passaram no grupo, mas acredito que depois de todos estes anos, não decepcionamos aos fãs e continuamos fazendo uma música boa e com conteúdo lírico apurado e, o principal, nunca perdemos a nossa originalidade, DMN4LIFE! Falando da pandemia, foi algo bem difícil para todo mundo e para nós não foi nada diferente, não foi nada agradável, estar em uma prisão domiciliar por quase 3 anos, longe das pessoas que amamos, sem trabalhar, ou poder fazer o que gostamos, vendo nossos amigos e amigas pegando as malas e indo embora, por causa desse vírus maldito, ver tanta gente morrendo em nossa frente, ver tanta gente maluca surgindo, com a vitória do atual presidente, do qual graças a Deus não contribuí em nada para que ele estivesse aonde está. A nossa vida só se tornou mais e mais difícil e torço muito para que as coisas mudem, que as pessoas acordem, para que façam as melhores escolhas nas urnas, para que não tenhamos novamente que passar por toda essa dor, que já vivemos emocionalmente, pois perdemos familiares, amigos e amigas, ainda vivemos com o fantasma da doença e o constrangimento de ainda andar com a máscara no rosto, sem saber mais quem é quem. Nossas vidas nunca mais serão as mesmas, pois nenhum de nós estava preparado para isso, então, vamos almejar novos tempos, mas, antes, temos que vencer essa guerra que enfrentaremos por todo esse ano e também com os efeitos que essa gestão causou no ser humano.

Imagem: Sérgio Most
BW: Ficamos sabendo que tem disco novo do DMN chegando… Pode nos adiantar o que vem por aí? O que será o “Funkztaz”? É dessa forma que escreve? Verdade que é a versão do que é o “Funk” para vocês?
Elly: Sim… pretendemos lançar o novo álbum do DMN em agosto possivelmente, estamos confeccionando as letras e as produções, posso dizer que será um trabalho bem legal, com muita coisa bacana e interessante, estamos caprichando na lírica, produção e temática, terá algumas participações das quais posso citar, nosso irmão GOG, na pesadaça música “Clássico”, Adriana Lessa, na pancada “O que será do Amanhã” e as outras ainda estamos refletindo sobre… mas aguardem, vai surpreender muita gente… é sério… (risos). Também estou produzindo, junto com o DJ Heliobranco, um trabalho muito bacana e dançante, chamado “FUNKZTAZ”, que é uma fusão da palavra FUNK com GANGZTAZ, somos os gangztaz do funk…(risos), é uma linha musical inspirada em Los Angeles, num estilo mais sofisticado, onde mostramos a nossa versão do que entendemos como Funk, muita gente fala mal do que foi feito com a palavra Funk por esse gênero que tomou posse do nome aqui no Brasil, mas não fazem nada para mostrar um outro caminho e nós resolvemos dar o nosso ponto de vista, a nossa versão musical e resposta à musicalidade em si. Contamos com a colaboração de diversos rimadores, que convidamos um a um, posso falar que vai ter feat de Fernando Treze, Luli, Rose MC, Adriana Lessa, Natho D.C., Dhavy O.C., Alambeat (Sampa Crew), Diwcy (Vítima Fatal), Nino (Cohabitantes), Magoo Jigsaw, Racional, Pastor Tom, Chris Britto, Tchello Rock (Fantastic Force), Cezinha, Paulo Break, Magno C4 (Visão Urbana), DJ Gato Magro e muito mais…
BW: E o trabalho que realizou junto com a Rose MC? Fale sobre ele. E sobre o que você anda produzindo?
Elly: Produzi o CD da Rose MC, inteiraço, e tem também tracks produzidas pelo DJ Heliobranco, que também cuidou dos detalhes da arte de capa do CD, foi muito bacana poder fazer parte desse projeto, pois a Rose é uma pessoa muito bacana, e correria, ela merecia ter um trabalho de qualidade, ainda mais depois de tantos anos lutando pelas causas da mulher, representando a classe trabalhadora dos professores, levantando a bandeira do Hip-Hop nos 4 cantos onde esteve, é importantíssimo ajudar a construir um trabalho de qualidade, para quem é de verdade e original, e aí, somando forças com um time que sempre que posso envolvo em meus projetos, como a minha parceira Luli, oldschool do Rap também como nós, que está produzindo seu primeiro trabalho comigo e também contribui com a composição de letras e vocais no trabalho, com a contribuição de Fernando Treze, que fez parte do time que acompanhava o Xis em tempos de destaque no cenário, que também é um monstro da caneta e nos vocais e Rose MC com seu talento natural e experiências vividas e escritas em suas letras, que são afiadas e inteligentes, eu a dirigi aqui em meu estúdio e o que posso dizer é que ficou um trabalho muito bonito e musical, ela está muito feliz com o resultado e agora, em junho, está na rua o CD físico e nas principais plataformas digitais. Estou também produzindo trabalhos para o Racional, um garoto novo e bem interessante, que já tive a honra de dividir uma track chamada “Criação de Dependência” que tem o vídeo clipe no YouTube, estou produzindo o trabalho de um rimador chamado D’Responsa, bem legal e diferenciado, que brevemente estará nas plataformas. Uma track para o Edy, junto com DMN, que está por vir, estou produzindo o CD do “Cohabitantes” do Nino & Renê, muito bom e pesado, com várias músicas boas, produzi o novo single do Magoo Jigsaw, “Código da Rua”, que também já está em todas as plataformas digitais… Estou produzindo uma track para a rapper Vanessa Kriolla e também estou produzindo o trabalho do grupo Negritude Ativa, do meu mano Gilmar, lá do Espírito Santo, com aproximadamente umas 10 faixas, muito bom também e, em breve, vai sair todos estes trampos com uma qualidade impecável!

Imagem: Arquivo Pessoal
BW: Elly, nesses últimos anos tiveram momentos bons e momentos tristes com a perda da sua querida mãe. Queria que nos contasse um pouco da sua relação com ela e o que ela significava na sua vida… E como foi superar essa dor e prosseguir?
Elly: Bom… minha mãe me deu a vida e me ensinou todos os valores de vida que tenho e levo comigo, eu a amo e a amarei incondicionalmente, até depois do meu fim, ela foi minha companheira e amiga por 44 anos, e não foi fácil saber que ela resolveu pegar as malas e partir não, foi algo doloroso, difícil de entender, o porquê que as mães têm que ir embora e de lidar com a falta dela, apesar de eu me sentir privilegiado, pois a tive comigo até os 79 anos e nunca fui um mal filho, nunca dei desgostos a ela e fiz minha parte, quando temos a consciência disto, ajuda muito a superar o processo da perda. Mas como temos que seguir em frente, fiquei bem abalado por alguns anos, principalmente no Natal, pois ela fazia aniversário nesta data, mas consegui superar e hoje entendo que tinha que ser assim e uma hora todos temos que ir… que ela esteja ao lado de Deus!
BW: O tempo passou, todos nós que acompanhamos o DMN estamos na fase dos “enta”… O que mudou em todos esses anos para você? Quem é o Elly hoje e que planos existem para o futuro?
Elly: A fase dos “enta” é algo bem interessante, pois nos deixa mais reflexivos, mais sensíveis em muitos aspectos, mais calmos, nos dá mais sabedoria, amplia nossa visão de alcance da vida, procuramos errar menos, e enxergamos muito longe, num imenso 360 graus, o mais maluco é que a vida inteira, escutamos que a vida começava aos 40, e, às vezes, eu ficava refletindo se era isso mesmo, queria muito que chegasse, mas com a idade vieram diversas complicações, também relacionadas a saúde, infelizmente, quando se fala de saúde, nunca são boas, mas eu acredito que temos sempre que buscar novos caminhos e focar nos desejos de vida, muita gente se ilude com sonhos, porém, os sonhos não temos o controle e só acontecem quando não esperamos e dormimos, o que nós temos que focar são nos desejos e objetivos, para poder alcança-los e aproveitar a vida, da melhor maneira. Meus planos para o futuro, é continuar fazendo o que amo fazer, que são minhas músicas, voltar a fazer minhas atividades físicas e jogar basquete, que tive que parar por motivos de saúde, quero poder me estabilizar, físico, mental e financeiramente, ter uma esposa, viver a minha vida da melhor maneira, também quero fazer aulas de canto e piano, para somar a tudo que já faço, poder viajar um pouco, talvez para o exterior e ficar um tempo [fora do Brasil].

Imagem: Arquivo Pessoal
BW: Que mensagem você deixaria para a nova geração de rappers que está chegando? Que conselhos daria?
Elly: Acreditem sempre que é possível fazer o seu melhor, façam músicas boas, pesquisem mais, busquem conhecimento, tenham foco, não façam o que todo mundo faz, nesse mercado da música, só fica quem é original, quem tem estilo, se você é igual a todo mundo, sempre será comparado a alguém, isso é péssimo, pode até funcionar por um tempo, mas uma hora azeda mesmo o caldo e você vai cair no esquecimento e aí, para voltar depois, é quase que impossível, o mercado da música é pop e o pop não polpa ninguém, chegar lá no topo não é impossível e qualquer um pode chegar, mas se manter no topo é que é o difícil. Quando forem fazer seus trabalhos, procurem trabalhar sempre com os melhores, ser profissional, não trate sua música como qualquer coisa, dê o tratamento que daria a um filho seu e tenho certeza que você não colocaria seu filho em qualquer escola, nas mãos de qualquer um, é importante demais essa parte para poder dar frutos positivos pra você e, por último, escutem Rap, fiquem longe das drogas, respeitem os mais velhos, aproveitem bem a honra de ainda terem verdadeiros livros de histórias, bem vivos e ao lado de vocês, cheios de informação e conhecimento para passar pra vocês! Escutem DMN, escutem Ellypretoriginal!
BW: Pode deixar uma mensagem para os leitores do Portal Breaking World?
Elly: Valorizem cada vez mais espaços como este, sabemos a dificuldade que se tem hoje em dia para que tenham portais que falem realmente a nossa história, que abram espaço pra falar verdades, sem maquiagem, como realmente tem que ser! Sejam mulheres e homens de aço, em seu dia a dia e suas vidas! Fiquem com Deus e fortes na caminhada! Essa é a verdadeira cena, Ellypretoriginal DMN!

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