MC Jack: O Hip-Hop não para!
Por Luciana Mazza
E o Portal Breaking World tem a honra de trazer para vocês mais uma daquelas entrevistas que oferecem uma viagem ao túnel do tempo. Sim, o Hip-Hop não para e nem seus personagens e suas incríveis histórias! Nesse bate-papo convidamos Jackson Moraes ou MC Jack para conversar conosco! Jack é uma lenda viva, um dos caras mais versáteis do Hip-Hop nacional, além de ser MC, é DJ e também já foi B-Boy. Ele apareceu na primeira coletânea de Rap nacional, chamada “Hip-Hop Cultura De Rua”, em 1988, com as músicas “Centro da Cidade” e “Calafrio”. Filho do Seu Augusto e Dona Antônia, desde pequeno tinha muita música dentro de casa, de várias vertentes. No Breaking, gostava de dançar no meio da roda, viu a efervescência da São Bento e de algumas crews que fizeram história! Com mais de 30 anos de Hip-Hop, Jack, em 1991, foi Vice-Campeão Brasileiro do DMC, em 1996 ganhou o DMC BRASIL e se tornou o primeiro DJ brasileiro a figurar entre os 10 melhores do mundo! Ficando, também, em 4º lugar no DMC World, que foi realizado em Rimini, na Itália. Falamos do início de tudo, das rivalidades, do Breaking, do Rap Nacional, da nova geração, do Trap e etc… O mano é brabo e a entrevista foi reta! Confira:
BW: MC Jack você é uma lenda viva da Cultura Hip-Hop brasileira, são bem mais de 30 anos de caminhada, queria que você se apresentasse e nos contasse como foi seu primeiro encontro com essa cultura. Verdade que você começou no Breaking?
MC Jack: Salve! Eu sou o Jackson Moraes, filho do Seu Augusto e Dona Antônia. Desde pequeno, tinha muita música dentro de casa de várias vertentes: Samba, Pop, Rock, Black, Brega, Românticas, além de ouvir muita música de rádio. Diversão eram as matinês na Asteroides, no Boomerang e no Contra Mão. Um dia, um brother chamado Rildo chegou na matinê da Contramão e me disse: “Jackson, tem uma dança nova que os caras dançam igual robô e eles rodam…”, logo entendi que aquilo era para se dançar sozinho. Nunca fui muito de dançar os “passinhos”, eu gostava de dançar no meio da roda! Começamos a treinar aquela nova dança sem fazer ideia do que fazíamos. As referências sobre o Breaking eram escassas, um vídeo aqui e uma foto numa revista ali, mas ele já se espalhava pelos bairros de São Paulo.

BW: Nos conte como foi seu primeiro contato com o Nelsão, o famoso “Homem Árvore”, e com as pessoas que dançavam Breaking no centro de São Paulo? Quem estava lá naquela época? E conte a história que na roda do Nelsão só entrava quem sabia dançar…
MC Jack: Quando fui a primeira vez na 24 de Maio, onde sabíamos que estava rolando um pessoal dançando, pedi para o Nelsão entrar na roda e ele me deixou de lado, e quando não tinha mais ninguém olhando ele me falou: “Dança ae mans!”, e eu respondi: “Agora não quero! Não tem ninguém olhando!” (risos). Ele me disse que só entrava na roda dele quem sabia dançar… aí fui para cima, sai rodando de costas e parei na ponte. Ele, surpreso, me perguntou: “Qual seu nome?”, eu falei: “Jackson!”… E ele, na pronúncia gringa, falou assim: “A partir de agora seu nome é Jack”. Daí nasce o B-Boy Jack. Minha primeira gangue foram os Bombetas Mágicas.
BW: Jack, nos fale um pouco da força e da efervescência do Breaking naqueles anos, das gangues e de toda atmosfera de quem participava de tudo isso aqui no Brasil? Das amizades, das rivalidades, das crews e das tretas?
MC Jack: Colei com o pessoal da 24 de Maio, Nelsão, Paul, Billy, Freddy, Raul, Nice, Charles, Função, João Break, Luizinho (LZ), Itaú, Maguila, André, enfim, estive na São Bento desde o começo. Fiz parte da gangue Nação Zulu, que era formada por: Zulu, Gerson, Renato, Mad Zoo, Bimbinho, Bicudo, Cabecinha e Getúlio. E a minha última gangue foi a Crazy Crew, onde faziam parte o Taroko, Hiro, Mistério, Sandrão, Azambaa e eu. A Crazy Crew perturbou a cena na época… fomos procurar mais informações na Ginástica Olímpica, fomos aprender as técnicas dos “mortais”, “flare” e outros movimentos. Eu amo a Crazy Crew! Ao passar dos tempos, o Breaking foi tomando conta do Brasil e o contato com outros B-Boys foi ficando mais frequente. Até que veio o “advento” do filme “Beat Street”, de 1984, que mudou tudo que todo mundo pensava sobre a dança. Foi mágico cabular aula no SENAI e ir ver o filme (risos). Fiquei o dia todo dentro do Cine Ritz no centro de SP, comi minha marmita gelada, mas valia… Era o Beat Street! As principais gangues de São Paulo, naquela época, eram: Crazy Crew, Nação Zulu, Street Warriors, Back Spin. Só lembrando que existiram várias outras gangues, em vários outros lugares de São Paulo e do Brasil… O clima entre as gangues era algo que queríamos imitar o enredo do filme Beat Street, havia rivalidade e, às vezes, passava dos limites, mas a dança sempre teve acima disso tudo! No meu caso, a Crazy Crew tinha uma rivalidade épica com a Back Spin. Tivemos rachas históricos!
BW: Em que ano o Rap começou a chegar com toda força aqui no Brasil? São Paulo foi o grande reduto de tudo isso?
MC Jack: O Rap começa a ser percebido por volta de 1985. Os B-Boys entenderam que o Rap era ligado ao Breaking e a partir disso foi um caminho natural cada gangue ter o seu Rapper e o disco “Hip-Hop Cultura de Rua” é um exemplo disso e, por causa disso, ele teve uma visibilidade muito grande quando foi lançado, em 1988. Foram Thaide & DJ Hum (Back Spin), Código 13 (Nação Zulu), MC Jack e DJ Ninja (Crazy Crew e Street Warriors). O Credo, foi quem articulou a reunião destes artistas nesse disco. Em nome do MC Who Uzi & DJ T e o Gilson no comando geral. O Rap, assim como o Breaking, se espalhou ao mesmo tempo pelo Brasil, mas São Paulo saiu na frente no quesito visibilidade. A reunião da São Bento teve o intuito de dar uma “apaziguada” nos ânimos das gangues, pois estava caminhando para uma direção onde o fundamental que era a dança estava começando a ficar em “segundo plano”… estava muvucando demais e gente dançando de menos… Importância fundamental para o bom andamento do movimento Hip-Hop… a partir dessa reunião muita coisa tomou um rumo mais profissional e mais raiz.

BW: Como foi quando houve a junção de todas as gangues, dos B-Boys na São Bento? Quem eram os grandes nomes do Breaking naquela época? Tinham B-Girls, quem eram? Em que ano foi isso?
MC Jack: Foi em 1984 e 1985. Lendas da São Bento… Andrezinho & Silvão. B-Girls: Kika, Reka, Fernanda e Celina… Hoje em dia, tenho a grata satisfação de apertar a mão de quem já foi meu “inimigo”… todo último sábado do mês tem “Encontro na São Bento”, das 13h às 18h…
BW: Quando na sua vida começou a rolar de fato os trabalhos como MC Jack e como foi isso? Breaking e rima: foi necessário escolher entre um e outro? Como eram os shows e os bailes daquela época?
MC Jack: Em 1986, eu continuava a dançar, mas já estava começando a fazer umas rimas junto com o Azambaa. Ele parou um tempo depois e eu continuei. Ganhei o primeiro concurso de Rap do Clube da Cidade no baile da Chic Show. E assim, seguiu uma sequência de apresentações em outros bailes de outras equipes também. Em 1987, eu e o DJ Ninja já estávamos conciliando nossos trampos com os shows. Eu trabalhei no Mappin, de 1985 a 1988, o Ninja trabalhava nas lojas de discos na galeria 24 de Maio e o A.G. Naja (Rooneyoyo) trabalhava no Bamerindus da 7 de Abril. Em 1988, eu já estava um pouco distante do Breaking e me dedicando mais ao Rap… e nesse ano é quando rola a gravação do disco Hip-Hop Cultura de Rua… Produção de Dudu Marote nas duas faixas… Centro da Cidade & Calafrio… Scratches por DJ Ninja.
BW: Como era fazer Rap Nacional naquela época? Havia apoio? Alguém abria caminho? E como era esse vínculo do Rap com os B-Boys?
MC Jack: Os shows eram basicamente nos bailes Black das equipes, não havia uma cena fora disso. Mas ao longo do tempo fomos pavimentando nosso espaço como artistas. Pouca estrutura, mas muito esforço! Algumas equipes de baile ajudaram mais que as outras… Equipe Kaskatas ajudou muito o Rap Nacional! O vínculo entre Rappers e B-Boys eram uma simbiose natural. Os dois vinham do mesmo berço: a rua!

BW: E quando aconteceu o movimento dos DJs? Nos fale da sua caminhada também como DJ?
MC Jack: Os DJs foi algo que aconteceu de uma forma muito mais tímida, porque havia o lance de ter os equipamentos. Algo muito mais difícil! Então, a primeira geração dos DJs do Movimento Hip-Hop foi pequena, estavam lá: DJ Hum, DJ Ninja, DJ KL Jay e DJ Mad Zoo. Em 1990, é desfeita a dupla MC Jack & DJ Ninja e eu sigo sozinho tanto como MC e como DJ. E, por incrível que pareça, no mesmo ano de 1990 eu fiquei em 9º lugar no Campeonato Brasileiro de DJs – DMC 90. Aprendi muita técnica de DJ num curto espaço de tempo e, em 1991, fui Vice-Campeão Brasileiro do DMC 1991! De 92 a 95 não tiveram campeonatos. De 1992 e 1993 passei tocando em várias casas noturnas, 1994 comecei a tocar numa casa noturna chamada Rivage, em Blumenau (SC). Já em 1996, ganhei o DMC Brasil e me tornei o primeiro DJ brasileiro a figurar entre os 10 melhores do mundo! Fiquei em 4º lugar no DMC World, que foi realizado em Rimini, na Itália. Em 1997, fui para as finais do DMC World e fiquei em 4º lugar novamente.
BW: Numa entrevista, você falou que a junção do Breaking com o Rap impediu o surgimento de uma indústria do Rap Nacional no nosso país. Houve uma ausência de se fazer negócios e tornar esse elemento como algo lucrativo… nos explique isso? E como você vê o que existe hoje no meio do Rap? E o que pensa sobre o Trap, essa mistura do Rap com a música eletrônica que virou uma febre da nova geração?
MC Jack: O Rap em específico nunca fez negócios aqui no Brasil! Éramos muito amadores neste sentido! Vou falar a minha visão: o lado B-Boy vindo da rua, praticante do racha, nunca falamos sobre o mercado que havia para a nossa arte. Queríamos treinar escondido e aparecer na hora e arrebentar nas rodas! Levamos parte desse pensamento para o Rap, escrever e esconder a letra para um “melhor momento” (risos). Não tínhamos nem cena. Esconder o quê? Mas, para nós, era uma visão muito natural! Se você pedisse para a maioria dos Rappers para escrever 5 letras para o dia seguinte, ele escreveria! E quando fosse perguntado quanto cobraria, não saberiam colocar valor naquela arte! E assim seguimos, nenhum Rapper pensava em ter um escritório ou tomar conta das próprias composições… estávamos preocupados em fazer show e levantar uma verbeta! E isso serviu de “espelho” para quem veio depois. Hoje consigo enxergar esse espaço deixado por nós mesmos, mas não existe culpa quando se faz de coração! Existem uns respingos disso até hoje. Ofereça o escritório do Emicida a algum Rapper e pode ser que ele queira somente o Nike do Emicida! Os negócios referentes ao Rap hoje em dia estão caminhando para o jeito certo, o artista toma conta da própria carreira, algo natural para qualquer Rapper gringo, que já faziam isso há anos! Devido ao “hiato” causado pelo próprio Rap Nacional, a nova geração criou o seu próprio estilo! O Trap é a síntese entre o Rap e o Funk, e os moleques tão rimando. Os assuntos falados nas letras de Trap refletem o tempo em que eles vivem… ah, não posso esquecer de falar que nos anos 90 eu lancei 3 CDs de música eletrônica.

BW: Jack, recentemente foi lançado o minidocumentário da Puma “Onda do Break”, nos fale desse material e da sua participação.
MC Jack: O documentário da Puma registra o início de tudo. Não é algo “definitivo” porque na mesma época em que é retratado o documentário, em outros lugares do Brasil também estavam acontecendo a cena do Breaking. Agradecimento aos Gêmeos, que se empenharam para que isso se tornasse realidade!
BW: Estamos vivendo um momento em que o Breaking volta às mídias, dessa vez como um esporte olímpico. Falamos de uma cultura que virou esporte e que será uma modalidade olímpica em Paris 2024. Como você vê tudo isso? E o que acha sobre como o Brasil vem se organizando e se preparando para participar desse ciclo?
MC Jack: Nos meus melhores sonhos eu poderia imaginar o Breaking numa Olimpíada! Sensação de dever cumprido! Eu não estava errado! Faria tudo de novo! O atleta que for representar o Brasil vai levar parte de mim, porque parte de mim está nele! Somos um celeiro de talentos… vamos ter boas notícias num futuro!
BW: MC Jack, fale do que está fazendo neste momento, no que está trabalhando e quais são seus planos para o futuro?
MC Jack: Hoje em dia continuo tocando pelos vários cantos do Brasil como DJ. Têm músicas novas chegando…

BW: Que recado você deixaria para a nova geração, seja do Rap, do Breaking, dos DJs ou do Graffiti?
MC Jack: O Recado é simples: O Hip-Hop não para!
Imagem em Destaque: Reprodução
