A Braba tem nome, sangue nos olhos e era uma B-Girl Power Move
“Eu trombava com eles, alguns apontavam o dedo na minha cara pra rachar, isso só me fortaleceu, me deu mais ânimo de treinar a cada dia, e lutei para ser a melhor mulher a dançar o Power Move no Brasil naquela época!” (B-Girl Beth)
Década de 90, o dance dava lugar a música eletrônica, mas tinham aqueles que mergulharam na música Black, foi o caso de Elisabeth Prado, mulher preta, nascida em Osasco, filha de pais separados, por algum tempo foi criada por um tio no Rio de Janeiro, mas logo voltou para São Paulo com a mãe, onde cresceu e se tornou a conhecida B-Girl Beth Power Move. Ela pensava: “Se aquele cara consegue fazer determinados movimentos, porquê não vou conseguir?”. Ela conta que foi essa forma de ver as coisas, mantendo a cabeça sempre aberta, que facilitou o aprendizado dos mais difíceis movimentos do Power Move, o que a tornou muito conhecida. Engravidou, perdeu um filho, engravidou novamente, sofreu discriminação dentro da própria cultura, mas não ligou, seguiu em frente… O Portal Breaking World teve a honra de conversar com essa diva brasileira do Power Move, que teve muita história para contar e conselhos para dar… Gostou da introdução? Então confira a entrevista:
BW: Queria que você falasse seu nome completo, idade e nos contasse um pouco sobre suas origens, sua infância e juventude?
B-Girl Beth: Meu nome é Elisabeth Prado, tenho 42 anos. Nasci em Osasco. Mas desde os 3 anos de idade fui criada no Rio de Janeiro pelo meu tio, depois que minha mãe se separou do meu pai. Ela precisou trabalhar e para isso meu tio cuidou de mim até os 7 anos e meio, depois disso, minha mãe foi me buscar e me trouxe para São Paulo, desde então fui levando minha infância… Na minha época, as crianças brincavam na rua sem problemas, eu brinquei de muitas coisas na época… pipa, pião, bolinha de gude, taco, corda, amarelinha, elástico, pedrinha, dominó, entre outros… Logo fui crescendo e comecei a gostar de vôlei… Neste período, eu gostava muito de fazer Educação Física na escola, eu pedia para a professora deixar eu fazer todas as aulas só para jogar e ela deixava! Os anos foram passando e quando a professora foi trocada na escola a outra que entrou começou a formar um time de vôlei para participar de campeonatos… Logo eu consegui uma posição no time e participei 2 anos da Copa Danapi, era um campeonato entre colégios de todos os lugares de São Paulo e a abertura dos jogos aconteciam no Ginásio do Ibirapuera. Não recordo muito o ano, mas já era no início da minha adolescência… Comecei também a ir paras baladas, aos 14 anos, nessa época fui apresentada para as músicas de Dance, quando o baile inteiro dançava o mesmo passinho, era muito legal.

BW: Quando teve contato pela primeira vez com a Cultura Hip-Hop? O que te atraiu nessa Cultura? Você tinha apoio da sua família?
B-Girl Beth: Naquela época, o Dance mudou para música eletrônica e eu fui deixando de gostar e comecei a ouvir música Black e acabei gostando muito! Fui levada para o Projeto Radial e desde então lá virou minha segunda casa, sempre que eu ia lá tinha uns caras dançando Breaking e eu nem sabia que dança era aquela… Mas eu via eles fazendo uns movimentos no chão e eu lembro que comentava com uma amiga que tinha gente limpando o chão do baile (risos) até que pela primeira vez vi uma mulher fazendo moinho de vento e achei muito interessante ela dançando, isso foi no ano de 1996.
BW: E o Breaking? Quando e como começou na sua vida? Existiram pessoas que te ensinaram os movimentos ou você aprendeu sozinha?
B-Girl Beth: Foi a partir daí que veio o interesse pela Cultura Hip-Hop. Passei uns meses treinando, conhecia pessoas que me ensinaram, até que houve um período da minha vida que minha mãe me proibiu de dançar por causa de um namorado que eu tive na época. Ele disse a minha mãe que só tinha eu no meio dos homens e que me proibisse, ele era muito ciumento, não gostava quando eu saia pra treinar, foi quando conheci uma B-Girl e a levei em casa pra apresentar a minha mãe, depois disso minha mãe não ligou para isso… Porém, tive muita dificuldade de locomoção para ir aos lugares pois eu não trabalhava na época, minha vida era escola e treino… Escola e treino… O Breaking? Ele começou a partir do momento em que vi a primeira mulher fazer movimentos de moinho de vento… Depois, fui correndo atrás de lugares que as pessoas dançavam, essa dança na qual me identifiquei, quando ouvi falar da Estação de Metrô São Bento e que os encontros aconteciam aos sábados, aquele canteiro de flores que tem lá era um palquinho e tinha pessoas de vários lugares de São Paulo e do interior também… Conheci as primeiras pessoas e eles me ensinavam os movimentos e quanto mais me aprofundava mais eu gostava, cada vez o corpo exigia mais, fui seguindo o caminho. Uma noite na balada uma dançarina mulher (era assim que eu a identificava na época não sabia que o nome era B-Girl – risos), apontou o dedo na minha cara e jogou uns movimentos e na época eu estava começando e fiquei sem reação e outra pessoa entrou por mim… No dia seguinte, eu fui treinar pensando nela dia e noite e decidi que ia correr atrás. O tempo foi passando, comecei a ir para vários lugares onde aprendia a dançar, mas eu ia para um lugar treinar com uma galera e depois ia para outro com outras pessoas e alguns achavam que eu era uma espiã e levava e trazia os movimentos de um para o outro (risos). E nunca nem me veio isso na cabeça, eu nem tinha maturidade de fazer isso e passei por algumas rejeições, só porque eu queria dançar, mas quem via de fora não via isso…
BW: Como era ser B-Girl no seu tempo? E uma B-Girl que fazia movimentos de Power Move?
B-Girl Beth: A cada lugar que eu ia e via os caras dançando mais, eu pensava comigo, se aquele cara consegue fazer aquilo porquê comigo seria diferente? Então! Sempre tive uma cabeça aberta, isso facilitou que aprendesse com facilidade… No final, não teve revanche entre eu e a B-Girl pois ficamos amigas (risos)… Continuei a dançar, tive muito altos e baixos dentro da Cultura, com B-Boys muito bons no Power Move, quando eu estava nos bailes e eu trombava com eles era uma tirada apontando o dedo na minha cara pra rachar, isso só me fortaleceu, me deu mais ânimo de treinar a cada dia, de ser a melhor mulher a dançar o Power Move! Depois conheci outros estilos que têm dentro da Cultura como Aéreo, o famoso Robozinho, era assim que eu achava na época, Freestyle, Locking, Popping… E eu, vários B-Boys como os famosos pés-de-barro que faziam Power Move, diziam que eu tinha um talento desperdiçado e eu comecei a entender melhor, agora eu no mundo dos Powers Moves, independente dos contratempos, eu era respeitada, rachei na balada com alguns nomes e assim fui ficando conhecida cada vez mais… Dançar Power Move nunca foi fácil e na minha época também existia preconceito com quem era Power Move, tanto que se parar para pensar até hoje isso acontece, mesmo eu não estando mais na Cultura, apareceram várias B-Girls que foram feitos matérias, entrevistas com elas e eu nunca tive essa oportunidade de terem interesse de fazer algo do gênero comigo… Entre tudo isso que aconteceu isso nunca me abalou, só deixou eu cada vez mais forte dentro de mim…

BW: Fale desse preconceito… Acontecia dentro da Cultura ou também existia na sociedade?
B-Girl Beth: O maior preconceito que tive mesmo foi dentro da Cultura Hip-Hop.
BW: Beth, houve movimentos mais difíceis de aprender? Qual você levou mais tempo? Como era seu preparo físico para executar esses movimentos?
B-Girl Beth: Os movimentos mais difíceis pra mim eram aqueles que eu estava começando a aprender. Eu não tinha muito recurso de preparo físico pra dançar, não me alimentava bem, naquela época eu pesava em torno de 45 kg, eu era leve, mas para alguns eu estava pesada para dançar, aí nós corríamos a famosa avenida imperador para emagrecer mais para os movimentos ficarem cada vez mais perfeitos. O moinho de vento eu demorei mais, o flare em um mês peguei, achei fácil, eu girava um pouco de cabeça, fazia algumas sequências dos Powers (risos) e assim ia.
BW: Fale um pouco do clima dos eventos que rolavam na sua época. Como eram? Verdade que você ganhou vários deles? Fale sobre os mais especiais que marcaram sua vida…
B-Girl Beth: Quase não tinham eventos… A galera se encontrava nos bailes Black, tinha um que no último sábado do mês era Flash Back, eu contava os dias para chegar essa data e ir ao baile… Muitas das vezes eu rachava nesse baile e acaba pegando movimentos diferentes na empolgação das músicas, eu mesmo só tive conhecimento dos eventos de Breaking no ano de 1999 em diante… antes disso, eram só os bailes e os encontros na São Bento. Quando comecei a ir aos encontros de Breaking era quando formavam as rodas, tinha aquelas separações como a roda dos B-Boys e outra dos “pés-de-barro”. Em 1999, eu participei pela primeira vez de um campeonato de Breaking, tive a oportunidade de ser chamada pra dançar num grupo chamado Style Crew.
BW: Nos conte sobre sua crew… Qual era e como vocês se relacionavam?
B-Girl Beth: Bom, a primeira crew que fiz parte foi a Detroit Breaks, nesta crew eu participei de um programa na TV, do Raul Gil, pelo dinheiro da premiação, na semifinal perdemos, mas foi legal essa experiência (risos). Depois que sai do grupo fiquei um tempo sozinha, sem grupo, sem ninguém, até ter a oportunidade de ser chamada na Style Crew… Quando comecei a aparecer em outros lugares… Meu relacionamento com grupo Detroit Breaks era confuso, pois tinham muitos desentendimentos com o que treinar.
BW: Hoje em dia, a nova geração de B-Girls, chegam cada dia mais cedo no Breaking e as B-Girls fora do país já mandam os Power Moves sem nenhuma dificuldade, mas, no entanto, quando olhamos a maioria das B-Girls brasileiras, entre 20 a 30 anos, poucas ou quase nenhuma se arriscam nesses movimentos… Na sua opinião, o que acontece? Que justificativas existem para isso? Algumas alegam que o corpo da mulher é diferente do corpo do homem… Quais suas impressões sobre esse assunto?
B-Girl Beth: Já na minha época, dava pra contar nos dedos quantas mulheres dançavam Breaking, eu mesma tinha em torno de 16 pra 17 anos eu acho, eram poucas B-Girls, não tinham a quantidade que tem hoje, mas quando ia em alguns eventos, quando eu já tinha parado de dançar, não me lembro de ver B-Girls dançando Power Move. A única justificativa que tenho para isso hoje em dia seria falta de força de vontade, porque para tudo na vida e só a pessoa se esforçar e também querer, eu pensei que não conseguiria até pelo fato de estar mais pesada do que antes, mas até isso não me impediu… Eu quando fiquei grávida fiquei muito debilitada, perdi meu primeiro filho com 6 meses de gestação, esperei 5 meses pra engravidar novamente e após acontecer isso eu fiquei deitada e sentada a minha gestação toda, para não perder o bebê, ganhei 20kg a mais, quase entrei em depressão por não me aceitar da forma que fiquei pós gestação, mas graças a Deus eu não desisti de mim e comecei a fazer atividades físicas, e hoje, aos 42 anos, me sinto bem melhor que antes… Basta querer! Lógico que com algumas limitações, porque pra treinar Power Move não é fácil, os movimentos exigem muito esforço, é uma dança bruta, e não se aprende a fazer os movimentos da noite para o dia… É mais demorado, podendo até demorar meses ou anos dependendo da pessoa. Mas eu consegui!
BW: Hoje em dia falamos de Breaking nas Olimpíadas! O que acha sobre isso? B-Boys e B-Girls vão virar atletas, na sua opinião o que muda? Como Personal como você analisa o preparo físico dos nossos breakers? Estamos preparados para batalhar no mesmo nível com os europeus e estrangeiros em geral?
B-Girl Beth: É positivo, é muito bom isso na minha opinião! Valorizar o Breaking como uma modalidade esportiva! Essa dança é muita intensa e exige muito preparo físico! A entrada do Breaking nas Olimpíadas e uma forma de ser valorizado na sociedade que antes nos criticava tanto, nos vendo como vagabundos. Mudamos de vagabundos para atletas de alto rendimento. Muitas crianças já começam cedo, a geração de hoje evolue mais rápido, tentando superar seus próprios limites na dança, virando atletas muita coisa muda, se antes a dança era por prazer e claro que tem campeonatos com premiações e tudo. Mas virando um esporte a ponto de virar uma modalidade nas Olimpíadas, um dos maiores campeonatos de competições do mundo juntando 99,9% dos esportes, estão reunidos num único evento é excelente, quem dera se eu não tivesse parado, ai se arrependimento matasse (risos), mas os dançarinos virando atletas a dança fica muito mais séria, tendo a maior das responsabilidades, porque estará representando seu país… A cobrança será muito maior… Agora como Personal, tendo esse olhar, vendo da transformação de uma dança para um esporte de alto padrão… Os dançarinos tem que ter além dos treinamentos de dança um preparo físico melhor, mais resistência e fôlego pra dançar, é muito bom começarem a pensar assim. Agora os níveis dos campeonatos que acontecem no Brasil têm que ser mais rígidos com os futuros atletas, têm que estudar mais os níveis dos atletas dos outros países, para não ficarem pra trás. Acredito que o Brasil tem que correr atrás para se preparar mais e chegar num ótimo nível. Torço pelo Brasil…
BW: Como você vê a cena atual principalmente para as mulheres? Hoje se fala muito de empoderamento feminino e se abriu o diálogo para discussões e denúncias de abusos sofridos pelas mulheres dentro da Cultura… Comente essa questão!
B-Girl Beth: Eu acredito que isso acontece em qualquer lugar desse mundo, tem países que são piores ainda, vivendo num mundo machista que só vê as meninas como um objetivo sexual, sendo que as mulheres têm a mesma capacidade que os homens, podem conseguir cargos importantes, tendo os mesmos direitos que os homens, a mulher sofre perante a sociedade, vemos empregos com mesmos cargos onde os homens ganham mais que as mulheres, acompanhamos muitos feminicídios, abusos, agressões, até mesmo com pessoas próximas de nós, e pouca coisa é feita a respeito desse assunto… E acredito que dentro da Cultura não seja diferente… É necessário ficar atento a tudo que vem acontecendo!
BW: Quem é a B-Girl Beth hoje? O que faz? No que acredita?
B-Girl Beth: Hoje eu sou uma mulher mais madura, com responsabilidades de mãe e com afazeres do dia a dia pro meu próprio sustento… Hoje eu sou Personal, amo o que faço, gosto de cuidar das pessoas, saí do Breaking e entrei pro mundo fitness, acabando virando uma profissão pra mim hoje… Me sinto muito bem fisicamente e mentalmente e muito feliz no que faço, embora tenho muitas conquistas a realizar ainda (risos).
BW: Que mensagens deixaria para as B-Girls que ainda estão atuantes na cena e para a nova geração?
B-Girl Beth: Minha mensagem para as B-Girls que ainda estão em cena é que não parem e continuem firmes e fortes como referência para as novas gerações… E para novas gerações que estão pegando o melhor momento do Breaking: aproveitem essa oportunidade agora que virou uma modalidade olímpica, aproveitem! Aproveitem o seu tempo e as oportunidades!
Fotos: Arquivo Pessoal