Por onde anda o B-Boy Klesio do Brasil?
Ele é de Brazlândia, cidade satélite de Brasília e começou a dançar Breaking com 13 anos. Não teve uma infância fácil, escondido do pai e da mãe, usava um pedaço do colchão para colocar na touca de giro, para não machucar a cabeça na hora de fazer o Head Spin.
O menino cresceu e evoluiu rápido, sendo o ganhador da Batalha Final em 2009, evento tradicional de Breaking que abriu portas para sua carreira na dança, mas foi com 22 anos que ficou conhecido mundialmente, sendo um dos finalistas da mundial do evento “Red Bull BC One”, realizado no Rio de Janeiro (RJ) em dezembro de 2012, o que o fez ser notícia em toda a grande imprensa brasileira. Na ocasião, Klesio batalhou com o Mounir, da França e foi considerado um dos 8 melhores B-Boys do mundo. Ele ainda foi o vencedor do reality show “Vai Dançar”, da Multishow.
Passados 9 anos, o Portal Breaking World foi atrás desse B-Boy brasileiro que tira o fôlego de qualquer pessoa que o vê dançando. Klesio hoje vive na Polônia, que é um país do Leste Europeu, na costa do Mar Báltico, conhecido por sua arquitetura medieval e pela herança judaica. O B-Boy coleciona títulos de vários campeonatos em diversos países, onde sempre foi reconhecido e respeitado. Exemplo foi o Just Battle, na China, em 2018, onde foi mais uma vez campeão. Klesio falou na entrevista sobre a infância, sobre família, sobre bullying, sobre valorização na dança, sobre Olimpíadas, sobre eventos híbridos e on-line, falou sobre tempo de pandemia e sobre o futuro! Vamos à entrevista!
BW: Queria que você falasse seu nome completo, sua idade e nos contasse um pouco da sua infância, da sua vida em família na Brazlândia. Que recordações tem desse tempo?
Klesio: Eu me chamo Kleson Silva Moreira, tenho 31 anos. Tive uma infância bastante oscilante, muitos momentos bons e ruins. Cresci em um lar com uma família cristã protestante e dominante. Tenho recordações boas e ruins.

BW: Como era o Klesio criança, em casa e na escola? Verdade que você teve problemas de bullying e que quase entrou para o mundo do crime? Como superou isso?
Klesio: Sendo honesto, eu odiava estudar e brigava bastante na escola, só conseguia me encaixar com arte, educação física. Bullying era parte da minha rotina quando estava na escola, acontecia porque eu não andava bem cuidado, todos os alunos tinham boas roupas e eu não estava autorizado a usar roupas novas pra ir à escola porque minha mãe me proibia, na mente dela roupas novas eram somente para ocasiões especiais, então andava com roupas rasgadas, tênis rasgado e eu sofria muito preconceito com isso por parte dos alunos. Recebia nomes como: passa fome, lixão, soldado da guerra, etc… Sim, quase que meu destino foi outro, na época eu tinha 12 anos e andava com uns caras estranhos do meu bairro, já cheguei até a carregar malotes de drogas como aviãozinho pra eles, mas isso foi pouco antes de conhecer a dança, quando conheci o Breaking, coloquei toda minha energia dentro disso e consequentemente mudou minha perspectiva.
BW: Quando teve o primeiro contato com a Cultura Hip-Hop? E com o elemento Breaking? Onde deu os primeiros passos?
Klesio: Meu primeiro contato com a Cultura Hip-Hop foi por meio do Breaking, me lembro vividamente no dia em que eu estava na sala de aula e quando a professora saiu, eu vi alguns alunos afastando as cadeiras, formando um espaço vazio na sala, então eu vi eles fazendo movimentos no chão, muito difícil de entender e fui pego fortemente por essa arte. Meus primeiros passos foram na minha cidade, dentro do meu quintal, nos horários em que meus pais estavam no trabalho, claro.
BW: Tiveram pessoas que te inspiraram e que foram referências para você na dança?
Klesio: Sim, primeiro de tudo, aqueles alunos da escola que eu vi dançar, depois veio meu professor, finado Gordin (Black Spin Breakers) e ao longo da minha carreira tive muitas outras influências.

BW: Como sua família via o Breaking na sua vida? Eles te apoiaram? Verdade que sua mãe descobriu que você dançava quando deu falta de um pedaço do colchão? Nos conte isso?
Klesio: Como citado, minha família sempre foi protestante e a Cultura Hip-Hop sempre foi algo marcante nos bairros, naquela época as pessoas não tinham informação, então essa cultura foi sempre associada como algo criminoso na minha área. Minha família não me apoiou no início e eles viam essa arte como a porta de entrada para as drogas e o crime, chegou até ser irônico. Teve várias ocasiões em que minha mãe encontrava evidências de que eu estava praticando essa dança. Ela encontrava os colchões rasgados por baixo pois eu retirava esses pedaços para fazer um chapéu de giro de cabeça. Ela encontrava a cerâmica de casa riscada e ouvia depoimentos de vizinhos que me viam dançando na rua. Foi uma guerra por causa dessa arte. Fiquei um mês em cárcere privado pelos meus pais. Não tinha como, eu dava meu jeito. Era uma paixão muito forte pela música, pelo estilo e pelos movimentos.
BW: Houve movimentos difíceis de aprender ou todos foram fáceis? Na sua dança tem algum movimento que é a sua marca registrada?
Klesio: Todo começo tem suas dificuldades, foi muito difícil de aprender porque não tive incentivo de ninguém. Eu olhava aqueles garotos fazendo os movimentos e tentava copiar quando chegava em casa. Sim, na dança tenho minhas próprias características e movimentos, só que a minha principal inspiração é a música.
BW: Quando começou a competir? Fale um pouco dos principais eventos que participou aqui no Brasil e se teve algum que foi especial ou que teve aquela treta…
Klesio: Comecei a competir na minha cidade na categoria de iniciantes, depois comecei a competir em Brasília nos níveis mais difíceis, na minha época a DF Zulu, QDM, Floor Riders, Black Spin, The Brooklyn, etc… eram grupos fortemente renomados. Fiz parte do grupo QDM (Quebra de Movimento), foi uma das escolas mais importante em minha carreira, por causa do mesmo eu tive a oportunidade de viajar competindo nacionalmente. Meu primeiro importante evento foi a Batalha Final 2009, onde conquistei o título de campeão, foi a porta de entrada para uma nova era em minha carreira. Fiquei bastante conhecido no Brasil por causa desse evento.
BW: Quando de fato começou a viver da dança?
Klesio: Comecei a viver da dança desde 2007 quando fui instrutor de Breaking em um projeto social da minha cidade. Logo depois, fiz parte de outro projeto, nesse período eu não era conhecido ainda e não tinha certeza de nada. Eu quase entrei pro exército nessa época, eu estava na fila já escolhido para raspar a cabeça, quando minha intuição pediu pra eu desistir e continuar com a dança. E até hoje vivo por meio da arte por causa das escolhas que fiz nessa época.
BW: Verdade que você foi vencedor do reality show “Vai Dançar”, da Multishow? Como surgiu o convite para participar e como foi nos bastidores?
Klesio: Sim, a produtora entrou em contato comigo através do Facebook, fazendo o convite. Eu estava muito tranquilo nessa competição, pois eu sabia da premiação, mas não quis pensar sobre, porque eu não queria colocar meu espírito sob pressão. Criar expectativas durante uma competição não é recomendável. Durante o reality show eu estava pensando em uma só coisa “pensar em ser o melhor pra mim mesmo o resto é consequência” foi como um mantra que me levou a ser o vencedor do reality.
BW: Em 2012, você foi para as quartas de finais com o Mounir, na Red Bull BC One, que foi no Rio de Janeiro, correto? Ficando entre os 8 melhores B-Boys do mundo! Fale sobre essa experiência e sobre o que sentiu.
Klesio: Sim, correto! Red Bull BC One foi uma experiência incrível de todos os eventos que já participei na minha vida. A adrenalina de ser responsável por representar o seu país em um mundial é inexplicável, porém, me senti prejudicado pois o calor naquele lugar estava insuportável, eu estava suando muito e por causa disso escorreguei na minha entrada contra o Mounir. Eu imagino que se o evento tivesse sido climatizado talvez não teria escorregado em um movimento simples e ter perdido a competição, eu estava muito confiante.
BW: Quando e porque você decidiu sair do Brasil? Foi difícil tomar essa decisão? Onde você mora atualmente?
Klesio: Sendo sincero, foram vários fatores que me fizeram mudar de país. Primeiro que é difícil viver da dança no Brasil e também me senti desvalorizado dentro da minha própria comunidade, principalmente depois da Red Bull. Eu me senti perseguido, muitas vezes vi em redes sociais certos indivíduos fazendo vídeos, me difamando, vi que as pessoas estavam torcendo contra mim, me senti oprimido em chegar nos lugares e sentir uma energia totalmente contra a minha dança, sem nenhuma razão. Nunca consegui entender se foi por causa do meu crescimento e isso criou um ciúme, não sei. Não foi só comigo, aconteceu com outros participantes também. Hoje eu moro na Polônia, na Europa.
BW: Conte um pouco da sua experiência morando no exterior e por quais países passou. Houve tempos difíceis?
Klesio: A experiência de morar no exterior está sendo como uma escola para minha vida pessoal e profissional. Já visitei vários países, estive em contato com várias culturas diferentes. Eu me sinto bastante respeitado pelos dançarinos em diversos países, especialmente na Ásia, eu admiro muito os dançarinos desse continente, pois eles são muito receptivos e amáveis. O nível de educação é inexplicável. Chega um momento na vida, que nem tudo é somente dançar e ganhar. Tem muitas outras coisas que te agregam e enriquecem o seu intelecto, vindo de outras culturas. Tem o lado difícil também, fuso horário, comida, estresse com agentes de imigração nos aeroportos com interrogações tipo: o que você veio fazer aqui? Cadê o dinheiro pra se manter? Você é criminoso no seu país? Muito choque de culturas. Quando você viaja bastante, você vai estar suscetível a todo o tipo de situação como essa. Graças a Deus sempre deu tudo certo.
BW: Em 2018, você foi campeão do The Just Battle, na China. Nos conte como foi esse evento? Mesmo em competições pesadas e que necessitam de uma grande concentração, você consegue se divertir?
Klesio: O sentimento que eu tive na Batalha Just Battle foi a mesma sensação que eu tive anos atrás, no reality show “Vai Dançar”. Eu vi a premiação o quanto seria e vi que o favorito da batalha era o lendário B-Boy Physics, imediatamente eu tirei essas duas coisas da minha mente e foquei em mim, nas minhas habilidades, na minha intuição. Eu sabia que a luta maior seria comigo mesmo, então, praticamente o mesmo mantra “foca dentro de você com confiança e o resto é consequência” sempre estava comigo. Às vezes, em uma competição, o ego é importantíssimo, não é errado ser arrogante no momento da batalha, é um mecanismo de defesa que impõe respeito e insegurança no seu oponente, não é agressão verbal ou física, é como você olha seu adversário e como você o trata usando sua aura, então, toda vez que eu pisei naquele palco eu trazia esse ranço, essa raiva, principalmente, quando eu batalhei contra os melhores desta competição. Consequentemente, Campeão.
BW: Morando fora do país, chegou a trabalhar em espetáculos ou fazer parte de companhias de dança?
Klesio: Sim, faço muitos espetáculos artísticos na Alemanha.
BW: Fale um pouco de suas rotinas de treino e de como se prepara para participar das competições?
Klesio: Atualmente, eu estou começando do zero. Eu sempre estive um passo atrás de ganhar as competições mais importantes do mundo por causa do nível, que vem ficando cada vez mais absurdo e quem não se adianta fica pra trás. Hoje estou me reeducando sobre muitas coisas no Breaking para se tornar a melhor versão de mim mesmo. Nunca fui muito criativo em termos de movimentos, então, minha prioridade é totalmente inovar. Procuro referências que possam me ajudar, o B-Boy Storm tem sido um grande mentor em novas concepções que preciso desenvolver. Eu treino quase todos os dias, 3 horas aproximadamente. Meus treinos são bem estudados e focados. No momento não estou competindo por causa da pandemia.
BW: Recentemente, o Breaking se tornou uma modalidade olímpica. O que acha sobre isso?
Klesio: Eu acho uma excelente ideia que o Breaking faça parte das Olimpíadas, pois é uma oportunidade para fazer o mesmo ser mais reconhecido profissionalmente dentro da sociedade. Porém, não devemos esquecer que o Breaking é uma dança com muita essência. Breaking é arte e intuição conectada com a música e espero que não se torne uma dança superficial, onde só os movimentos é o que importa e pronto.
BW: O que tem feito nesse tempo de pandemia? Como está a situação no país que mora?
Klesio: Durante esse tempo, tenho focado na minha evolução como pessoa e profissional. A situação está bem mais controlada do que antes. A economia do país segue adiante, mas sempre com restrições. E aqui as pessoas levam a sério, todos usam máscaras nas ruas e ambientes privados. Espero que em breve tudo volte ao normal em todo o mundo.
BW: O que acha dos eventos on-line ou híbridos de Breaking? Seria uma tendência para o futuro?
Klesio: Sendo honesto, pra mim é estranho que eventos se tornem on-line, não tenho nada contra e entendo que é a única maneira de manter o Breaking vivo, mas eu sinto saudades da muvuca das competições.
BW: Quais são seus planos para o futuro? Tem planos de retornar ao Brasil?
Klesio: É muito provável que em breve eu vá focar nos estudos, quero cursar Letras por aqui na Europa e futuramente cursar Ciências Forenses. Todo mundo precisa de um plano B, pois viver do Breaking é uma coisa muito incerta. Eu gostaria de voltar ao Brasil e poder ajudar o cenário da dança, para que a nova geração de B-Boys e B-Girls evoluam e conquistem mais espaço nacionalmente e internacionalmente. Têm muitos estudos dentro do Breaking que a maioria de nós, brasileiros, desconhece. Vamos ver se futuramente isso possa se concretizar.
BW: Que mensagem você deixaria para a nova geração de B-Boys e B-Girls que vão ler essa entrevista e para todos que mesmo de longe acompanham seu trabalho?
Klesio: O recado que eu deixo é que se eduquem o máximo que puderem, tudo em sua volta oferece uma oportunidade de aprendizado. Seja lá o que você for fazer, faça com paciência, não se apresse por nada. Nunca esqueça que todos nós precisamos de um plano B, nunca conte somente com dança. Aprenda inglês.
Fotos: Arquivo Pessoal