Uma vida interrompida, um culpado solto nas ruas. Família e amigos do B-Boy Rafael Primo Break desejam justiça
A madrugada do dia 13 de dezembro era para ser animada para Rafael Ferreira dos Santos (35) mais conhecido como Primo Break, e sua esposa Beatriz (25), conhecida como Dedé. Eles foram a comemoração de um aniversário de uma amiga e do outro lado da rua estava acontecendo uma festa de Hip-Hop.
Rafael saiu da comemoração por um tempo, dizendo que ia fumar, acredita-se que Rafael tenha atravessado a rua em direção à festa de Hip-Hop para dançar, era o que mais gostava de fazer e, nesse momento, foi atropelado por um carro, que fugiu sem prestar nenhum socorro.
Passado um tempo, Dedé foi a procura do marido e o encontrou caído no chão, mas estava lúcido, então, desesperada, começou a pedir ajuda para as pessoas que estavam em volta, mas muitos tiveram medo de ajudar, então, um rapaz veio até ela e disse que poderia levá-los ao hospital.
Dedé ligou para a irmã de Rafael, Andrea, que estava em casa com marido e filhos dormindo, acordou com o barulho do celular despertando e seu marido observou que alguém estava ligando insistentemente. Era Dedé, a cunhada de Andrea, irmã do Primo Break que estava ligando desde às 5h, tinham umas dez ligações perdidas, então, ela recebeu a notícia que o irmão tinha sido atropelado e que estava no hospital, mas que aparentemente estava bem.
Mas ela continuou falando com a cunhada, que estava nervosa e começou a desconfiar que ele poderia estar mais grave do que ela tinha falado. Andreia se arrumou, pegou um Uber de uma moça conhecida e foi de São Bernardo do Campo, onde mora, até o hospital. Antes passou na mãe, que já sabia o que tinha acontecido, a ideia de Andrea era, chegando no hospital, levar o irmão para São Bernardo. Ele tinha sido socorrido no Hospital Tiradentes. Andrea já tinha perdido outro irmão, em 2013, num acidente de moto e aquilo começou a passar na cabeça e ela pensava: “Eu não posso perder outro irmão”. E aí, junto com a cunhada, de Uber, foram para o hospital.
“Quando chegamos no hospital a moça que nos recebeu foi bem seca, falou que o atendimento seria só na segunda-feira”, conta Andrea. Continuaram conversando e ela ficou sabendo que a gravidade do irmão era grande e que no hospital não tinha cirurgião, observou também que receberam uma etiqueta diferente de todo mundo. Dali, passaram por uma triagem e foram conduzidas a um ambiente onde tinha um cenário de guerra, foi assim que Andrea descreveu: “Muitas pessoas, muita gente doente, acidente, covid, muita movimentação. Tinha gente gritando, porque tinham pessoas de covid junto com pessoas que não estavam ainda contaminadas. Elas entraram na frente de um médico e pediram informação, aí ele respondeu: “O Rafael?”, o médico estava com um papel na mão que parecia a ficha dele, então, ele entrou num outro local”. Aí, Andrea viu o cenário tumultuado que existia, ele a levou para um local mais calmo e começou a explicar que o Primo Break, em relação ao peito, estômago, aparentemente não tinha nada grave, mas explicou que “o problema foi a cabeça, Rafael deu entrada no hospital com um traumatismo craniano, estava saindo muito sangue pelo ouvido e não foi possível estancar a hemorragia e o coração dele começou a falhar, dando uma parada cardiorrespiratória, foi dado o socorro e nós não conseguimos salvá-lo. Então, nós perdemos o Rafael”, disse o médico.
Andrea não acreditou, num primeiro momento foi um choque! O mundo acabou para Andrea naquele momento! O médico estava bem abatido também, parecia que eles estavam ali havia dois dias. Faltavam médicos, os que estavam em plantão estavam sobrecarregados. Andrea saiu de lá e quem deu a notícia para cunhada foi a Cintia, que dirigia o Uber. Depois, teve que cuidar de todas as coisas e avisar as pessoas, porque ele era bem conhecido, ele era muito festeiro.
O outro irmão de Rafael chegou, foi ele quem foi à delegacia com um tio fazer o boletim de ocorrência e lá, ele foi orientado que depois teria que voltar ao IML para o reconhecimento do corpo. Em casa, as crianças choravam, os filhos de Andrea e os filhos de Rafael. O menorzinho tinha muita dor de barriga, todos viveram um grande pesadelo.
No dia seguinte, foram ao IML, depois, tiveram que cuidar de várias questões burocráticas em Itaquera e foram avisados que o enterro seria só no dia seguinte. O reconhecimento do corpo só aconteceu à noite e depois o velório, no dia seguinte foi o enterro, onde apareceu bastante gente, foi feito um revezamento para não ter aglomeração, em função do risco alto de contaminação para Covid-19.
Lembranças de um irmão
Andreia fala sobre o Primo Break: “eu conheci três pessoas dentro de um único Rafael: o Rafinha para a minha mãe, o Rafael para os primos e para as pessoas próximas da comunidade onde nós morávamos é o Primo Break que ele se transformou, ele sempre foi uma criança amorosa, respeitosa, nunca foi de responder aos mais velhos. Nós fomos filhos de pais separados, ele ficou carente com isso, sempre buscava afeto, tinha um olhar triste, nunca deu trabalho. Com a separação dos nossos pais eu virei mãe dele. Minha mãe teve que ir à luta para trabalhar e eu tinha 9 anos, Rafael tinha 2 e nosso outro irmão tinha 1 e ainda tinha o André, que era o mais velho. Então, o Rafinha ficou um tempão comigo. Ele dançava muito bem! Nós sempre gostamos de dançar. Ele já dançava com 6 anos, ele já tinha muito gingado, ele tinha uma grande percepção musical, chegou a estudar música. Os próprios professores elogiavam a afinidade dele com a música, mas eu nunca tive dinheiro para investir nele. Passaram-se muitos anos e quando eu vi uma apresentação do Rafael nós ficamos encantados, não era algo terreno. Eu fiquei emocionada com a apresentação dele num teatro, na hora que terminou eu levantei, eu gritei: “É meu irmão, é meu irmão!”, e quando ele me viu, nós dois começamos a chorar. Eu sempre tive uma revolta do porquê as Danças Urbanas não são algo bem remunerado, nunca houve incentivo, outras danças são bem remuneradas, você vê um Ballet, as pessoas pagam para assistir, mas para esses meninos do Breaking, não. E ele foi se envolvendo com a dança, passou o tempo ele casou, teve os filhos e eu vivia dizendo para ele: você tem que parar, porque você não é remunerado, sua família precisa de dinheiro, as crianças precisam comer, Rafa… E ele dizia que não conseguia deixar as outras crianças que ficavam na rua sendo pegas pelo tráfico. Dentro do estúdio eles dançam, veem que conseguem, dessa forma eles se olham e deixam de olhar para o tráfico, eles são capazes de fazer, de ser alguém. E, além disso, nossa família sempre gostava de Hip-Hop. Quando ele dançava, estava feliz. Ele amava dar aula de Hip-Hop para as crianças, era a felicidade dele. Andreia conta que tem uma filha que dança Hip-Hop e o sonho sempre era ela dançar com o Primo Break, para ela, Tio Rafa. E, de repente, acontece essa interrupção de vida, de história, de legado terrível”, conclui.
O apelo da família
O Portal Breaking World se solidariza com essa tragédia. Não foi e nunca será mais um na estatística. Foi um filho, um irmão, um pai, um arte-educador, um irmão da Cultura Hip-Hop, que fazia diferença dentro de sua comunidade com sua arte. Primo Break teve sua história tragicamente encerrada. Vidas sempre importam! Se você tem informações, nos colocamos à disposição para recebê-las, mantendo identidade em sigilo. Entre em contato com o nosso portal pelo e-mail breakingworldoficial@gmail.com ou no canal Entre Em Contato do site.
Fotos: Arquivo Pessoal
- Primo Break
- Primo Break
- Primo Break, sua esposa Dedé e seu filho
- Primo Break em família