Hoje “Diva do Hip-Hop” mas no passado era a “Mina do Breaking”
Ela nasceu na Vila Carrão, zona leste de São Paulo, filha de artesã e de um metalúrgico que também era maestro e trombonista. Teve contato bem cedo com a arte e a música, mas aprendeu a dançar Breaking com amigos nos bailes. Foi num concurso durante uma matinê que, sendo a única mulher do grupo, recebeu o apelido de “Mina do Breaking”.
Estamos falando da pioneira Rose MC, que também é B-Girl.
Ela, no início dos anos 90, começou a fazer Rap, gravou músicas em coletâneas, fez inúmeras participações, se formou professora de artes, deu aulas em escolas públicas e viajou o mundo desenvolvendo projetos que mesclavam Hip-Hop e pedagogia.
Entre um compromisso e outro, Rose aceitou conversar com o Portal Breaking World. Veja a história de vida dessa “Diva do Hip-Hop”:
BW: Queria que você falasse um pouco da sua infância, onde nasceu e cresceu? E como era sua vida em família?
Rose MC: Eu nasci na Vila Carrão, Zona Leste e logo mudamos para a Vila Aricanduva, onde morei durante toda a infância e adolescência. Minha mãe Tânia era costureira e artesã e meu pai Joaquim era metalúrgico e músico (maestro e trombonista). Cresci em um ambiente musical. Meu pai foi trabalhar como torneiro mecânico, mas continuou com a Orquestra Sul América de São Paulo, onde era maestro e tocava trombone. Os ensaios eram em minha casa e eu sempre o acompanhava nas apresentações, ajudando nos bastidores ou dançando no cantinho do palco.

BW: Quando e onde teve contato pela primeira vez com a Cultura Hip-Hop? O que mais a fascinou nessa cultura?
Rose MC: Eu frequentava a danceteria TOCO, aqui na Vila Matilde. Aprendi a dançar o “breaking”, que a gente chamava de “robozinho” com colegas do baile. Realizaram um concurso de dança na matiné. Fui convidada pelos meus amigos Luis Break e Sidney para um grupo de dança onde eu era a única mulher. Concorremos ao som do Black Juniors: “Mas que linda estás” e ganhamos! Ganhei o apelido de “mina do breaking” pelo DJ Iraí Campos e passei a ser conhecida pelo bairro. O que mais me fascinou foi o fato de ser diferente, inovador, dançar no alto ou no chão, e a disponibilidade de quem sabia os passos ensinava aos que estavam iniciando e queriam aprender.
BW: Primeiro B-Girl e depois MC, como sua família e a sociedade que estava à sua volta via isso? Você sofreu algum tipo de discriminação por caminhar numa cena onde a grande maioria eram homens?
Rose MC: No início meus pais não gostaram muito… Meu pai falou: “agora você mudou de nome e de sobrenome?”, porque eu assumi o nome de rua, de “Rose MC”. Ele queria que eu estudasse música, me deu um caderno com as notas musicais. Depois passou a me orientar, principalmente sobre contrato de gravadora, a experiência dele no meio foi fundamental para que eu não assinasse nada sem ler. Minha mãe não gostava do estilo, depois passou a costurar minhas roupas de show. Era difícil e caro o acesso ao estilo de se vestir do Hip-Hop. Eu levava as fotos e ela costurava. Assim, pude me sentir uma Salt n Pepa, Queen Latifah, etc. Na verdade eu tive muita sorte quanto à aceitação e apoio masculino. O Doctor MC’s me apadrinhou em 1992, Thaíde & DJ Hum me convidaram para participar da faixa “A entrevista” do LP Brava Gente, em 1994. Mas também passei muito perrengue, indo a eventos e era deixada para cantar no final ou nem cantava, como muitos grupos iniciantes que não tinham disco gravado. Pelos flyers da época, podemos constatar que a participação feminina era muito pequena. Consegui espaço com muita insistência: às vezes cordial e outras metendo o pé na porta.
BW: No Breaking você tinha referências? Alguém te ensinou a dançar?
Rose MC: Minha fase como B-Girl foi aqui no bairro. Aprendi a dançar com o Luis Break e o Sidney (do grupo que eu participei na TOCO). Quando vi na TV os grupos Electric Boogies e o Black Juniors, tive a dimensão de que aquela dança que eu fazia no bairro estava em outros lugares do Brasil. Vale lembrar que não tinha rede social e nosso único canal de comunicação era a TV aberta. Minhas referências da época eram: o Luís Break e o Nelson Triunfo (que estava aqui na reinauguração da TOCO na Praça da Conquista).

BW: Dançar Breaking era algo fácil para você ou tinham movimentos mais difíceis? Quais eram seus movimentos favoritos?
Rose MC: Não foi algo fácil aprender a dançar Breaking. Só treinava durante o baile com os amigos e não havia vídeos para treinar em casa. Os meus movimentos favoritos eram de “robozinho”, lembrando que ainda não havia aqui no Brasil as definições de Popping, Locking e Freestyle.
BW: Como foi ser B-Girl nos dias que você começou? Quais eram os principais desafios enfrentados pelas mulheres naquela época? Aconteciam muitos problemas? Muito assédio? Como esses problemas eram resolvidos?
Rose MC: Na verdade, eu acho que tive muita sorte em ter amigos no baile que eu frequentava aqui no bairro, que me acolheram nos treinos, me ensinaram várias coreografias, me respeitaram como mulher e como iniciante no Breaking. Não sofri assédio, ao contrário, tive muito apoio e incentivo. Depois do concurso, passei a ser respeitada por todos e sempre era solicitada para entrar na roda. Também participei de um grupo de dublagens (o meu “breaking” era um diferencial) fomos em diversas casas noturnas fazer shows como a Pop Corn Disco Club e outras. As minhas amigas não gostavam deste estilo de dança, portanto não se dispunham a treinar e aprender.
BW: Fale um pouco da sua caminhada junto a crew que fazia parte. Era tudo tranquilo ou às vezes rolava aquela treta?
Rose MC: Era muito tranquilo. A gente contava os dias para chegar logo o domingo, para ir ao baile e treinar. Na Toco Dance Club, só na matiné o DJ Iraí Campos tocava as músicas perfeitas para dançar o Breaking. Claro que um queria aparecer com um passo diferente… a gente criava as coreografias em casa para ir ao baile dançar na roda e juntar os amigos e ensinar o que aprendeu. A treta era para os meninos disputarem a roda. Como eu era a única mulher minha entrada sempre estava garantida.
BW: O Filme “Beat Street” foi um marco na sua vida? Comente isso…
Rose MC: Este filme mudou a minha vida! Pudemos ver na tela o nosso sonho materializado. Ir ao cinema várias vezes foi emocionante, desafiador e inesquecível. Eu ia sozinha, assistia a várias seções e nos intervalos, o pessoal ficava dançando no hall até a próxima seção. Ali eu vi os B-Boys e B-Girls treinando o que tinham acabado de ver no filme. Para os jovens de hoje é meio surreal esta experiência, tipo: por que eles não assistiam ao vídeo em casa para treinar? Porque não havia esta possibilidade! Enquanto o filme esteve nas telas, nem me lembro quantas vezes fui assistir, às vezes com meus amigos, outras sozinha. Vi algumas mulheres dançando nos cantos, mas não tive coragem de puxar conversa, timidez da época.
BW: De repente MC, quando surgiu o amor pelo Rap? Alguma vez teve que escolher entre o Breaking ou o Rap?
Rose MC: Em 1988 eu decidi ir à Universidade. Não havia políticas públicas, abri mão dos rolês para se dedicar totalmente aos estudos. Nos finais de semana eu trabalhava em um buffet porque o meu salário só dava para pagar a mensalidade, com isto parei com os treinos e apresentações de dança. Mas, em 1992, a sala de teatro da Faculdade entrou em uma reforma interminável e nós estávamos perdendo muitas aulas. As reclamações não eram ouvidas. Escrevi um Rap, comprei um instrumental na Galeria do Rock e pedi para cantar no intervalo. Me cederam o som, microfone… Fiz a denúncia, protestei através da música e todos ficaram sabendo do problema… Em 15 dias a sala estava pronta e nossas aulas retornaram. Ao término do curso reencontrei meu amigo DJ Smokey Dee (Doctor MC’s), que morava aqui na Vila Matilde, contei o ocorrido, e cantei o Rap para ele. A partir daí o grupo me incentivou, passei a frequentar os ensaios do grupo, abri o show deles no Clube House, em Santo André. Fui convidada pelo Carlinhos Kaskatas para participar da primeira coletânea só com mulheres: “Sociedade Alternativa – Elas por Elas”, onde canto duas músicas: “Paixão Bandida” e “Exemplo de Mulher” (lançado em 1994). Eu já havia parado com os treinos, então decidi investir no elemento Rap.
BW: Fale um pouco da sua caminhada como B-Girl, dos principais eventos que participou e também da sua carreira como MC?
Rose MC: Como B-Girl o principal evento foi no concurso de Dança da TOCO Dance Club, onde meu grupo foi campeão e eu ganhei o apelido do DJ Iraí Campos: “a mina do breaking”. Como MC eu tive vários momentos importantes mas vou citar só 3: fui uma das MCs do 1º Encontro Nacional de Hip-Hop na Estação São Bento do Metrô, em março de 1993, organizado pelo Geledés (Instituto da Mulher Negra) e São Bento Força Break. Participei da música “A Entrevista” do LP Brava Gente de Thaíde & DJ Hum (1994), Cantei na Conferência Internacional da Ong IEARN (International Education and Resource Network), em Puerto Madryn, Argentina (2014). Ali nasceu meu projeto de Hip-Hop e Educação: “Hip-Hop On The Spot”.
BW: Rose, fale sobre a importância da São Bento para todos que amam e respeitam a Cultura Hip-Hop?
Rose MC: A São Bento é onde conheci a verdadeira essência de ser um “hip-hopper”. Ali as pessoas se reuniam para treinar, trocar experiências, marcar shows, trocar materiais de estudo sobre o Hip-Hop mundial. Neste solo sagrado pude conhecer pessoas como o B-Boy Banks, que deixou o seu legado de luta e resistência. A volta dos encontros da São Bento foram imprescindíveis para que pudéssemos dar continuidade a este espírito de amizade e respeito a todos os elementos. E agora é um local de encontro “True School”, onde a “Old School” e a “New School” se unem em prol da união verdadeira no Hip-Hop.
BW: Você é uma das autoras do livro “Perifeminas”. Nos conte sobre ele, sobre o assunto que aborda e sobre as vivências que teve para escrevê-lo?
Rose MC: Eu estava estagnada com minha participação aos eventos de Hip-Hop e em 2012 a Lunna, presidente da FNMH2 (Frente Nacional de Mulheres no Hip-Hop) me convidou para participar do livro. Tivemos encontros com formações e uma troca entre mulheres, que eu defino como um divisor de águas na minha vida. Foi emocionante reencontrar as mulheres da década de 90 e conhecer as mulheres que estavam iniciando na Cultura. A partir daí voltei à cena, retornei com tudo na carreira de MC. Eu escolhi escrever uma crônica sobre a história da minha vida na música. Outras autoras escolheram poesia, conto ou letra de música.
BW: Rose você é uma das pioneiras do Hip-Hop brasileiro e abriu caminho para muitas mulheres. Faça um paralelo entre a participação das mulheres na Cultura Hip-Hop na sua época e nos dias de hoje. O que mudou para melhor e para pior na sua opinião?
Rose MC: O machismo no Rap continua presente, mas hoje as mulheres têm mais liberdade para se vestir, serem femininas e a temática na composição das letras é diversificada. Na década de 90, as mulheres não podiam escolher o produtor musical ou opinar sobre o beat escolhido pela gravadora. Eu não pude nem escolher a minha foto que saiu na capa do disco. Melhorou a facilidade ao acesso para gravar uma música. Os valores são mais acessíveis e as gravadoras não dominam mais o mercado. Um artista pode viver de stream, direcionar a sua carreira, fazer a própria divulgação, etc. A única coisa que continua igual é a dificuldade em dividir o espaço. Ainda tentam colocar só uma mulher, seja B-Girl, MC, Grafiteira ou DJ, para justificar a participação feminina. Queremos igualdade e equidade.
BW: Como você vê a nova geração feminina do Breaking e das rimas? Se pudesse deixar um recado para eles, o que falaria?
Rose MC: Eu fico extremamente feliz em ver as mulheres quebrando tudo, tanto nas batalhas de Breaking, como nas rimas das MCs. É bom demais ver isto acontecer depois de 35 anos que eu iniciei como B-Girl. Temos muitas mulheres guerreiras e talentosas dentro da Cultura de Rua. O meu recado é: continuem esta luta, vocês não estão sozinhas, quando uma menina ganha um prêmio, ela carrega todas as mulheres nesta vitória! É muito treino, muito ensaio, mas o resultado sempre vem. Não desista dos teus sonhos!
BW: O que significa a Cultura Hip-Hop na sua vida?
Rose MC: O Hip-Hop é a oportunidade que eu tive para realizar os meus sonhos, direcionar meu talento e criatividade, ter amigos de verdade há mais de 30 anos e ser feliz.
BW: Nos conte como tem sido a experiência de, junto com Rúbia e Sharylaine, fazer as lives das Clássicas?
Rose MC: É incrível unir as experiências de três mulheres guerreiras e criar um canal de troca de conhecimento através das Lives. O nosso encontro semanal nos fortalece pela nossa amizade e pelo nosso compromisso como “hip-hoppers”, para além do elemento Rap.
BW: O que você tem feito nesses meses de pandemia?
Rose MC: Eu tenho seguido o isolamento social, só saio para coisas inadiáveis. Estou organizando a casa, compondo, gravando as músicas do meu CD solo, lendo muitas coisas, prestigiando os amigos nas Lives e assistindo a filmes e séries. Estou mudando a alimentação (tentando ser mais saudável) e fazendo exercícios pelo YouTube (aulas de Hip-Hop de baixo impacto).
BW: Defina a Rose MC em um único parágrafo.
Rose MC: Uma mulher guerreira, bem-humorada, feliz, positiva, que luta diariamente pela paz mundial.
BW: Deixe um recado para os nossos leitores.
Rose MC: Espero que o Hip-Hop te traga emoções fortes, amigos verdadeiros e conquistas importantes. Ele pode ser a ferramenta que falta para que você atinja a felicidade na tua vida. Paz nas quebradas e Hip-Hop na veia!
Fotos: Arquivo Pessoal