A lenda está viva e comemora aniversário. Com a palavra: B-Boy Chileno
“Se você não concorda do Breaking entrar nas Olimpíadas, então você é ignorante. Nós fomos discriminados pra caramba no passado e quando temos oportunidade, alguns ficam de palhaçada. Por onde esses B-Boys e B-Girls passarem vão escutar: “eles são breakers e fazem parte das Olimpíadas!”, o respeito será dobrado!” (B-Boy Chileno)
Foi em São Luís do Maranhão que, em 10 de outubro de 1958, nascia José Carlos Barroso, apelidado de Chileno em uma batalha de Breaking em São Paulo.
Cresceu na periferia da capital maranhense, onde plantava verduras para sustentar a mãe e a avó. Aos 15, deixou a vida interiorana para se aventurar pelo centro de São Luís, onde teve o primeiro contato com o Hip-Hop, por meio do Skate.
Ao redor de sua casa, o estádio Governador João Castelo, o Castelinho, era o point da garotada. Um dia, enquanto treinava, se surpreendeu com os movimentos de Breaking de um gringo. Foi mágico e se encantou por aquilo, deixando o Skate para aprender a dançar.
Sofreu preconceito em casa, o que o fez em 1980, mesmo com todas as orientações contrárias de seus familiares, partir para São Paulo. Na “terra da garoa” trabalhou duro e na hora do almoço treinava Breaking. Todo lugar que tinha espaço para treinar, ele treinava. No Anhangabaú, na República, na estação São Bento do Metrô. Mal imaginava que dançava num chão que depois seria sagrado para os B-Boys e B-Girls de todo o Brasil, a São Bento iria se tornar o templo do Hip-Hop mais tarde.
Anos passaram, colecionou vitórias, em 2018 ganhou o Prêmio Sabotage, mas a maior riqueza foram as histórias que guarda dentro do peito. Nunca envelheceu, ele garante e o bom Breaking permanece, enquanto o coração bater no beat.
Na semana de completar 62 anos, Chileno, que é uma verdadeira lenda do Breaking brasileiro conversou com o Portal Breaking World.
Obrigada pelo papo, mestre! Feliz Aniversário! Confira essa entrevista recém saída do forno:
BW: Queria que você falasse onde nasceu, um pouco da sua infância, da sua juventude. Onde foi e que boas lembranças tem dessa época?
Chileno: Eu sou de sou de São Luiz do Maranhão. Eu vivia com a minha vó que me criou, ia trabalhar na roça, colher verdura, fruta, fazia bolos, aprendi a fazer comida. Tudo ela me ensinava e ao mesmo tempo me dava muitos conselhos. Esses conselhos foram fundamentais para toda a minha vida.

BW: Quando teve o primeiro contato com a Cultura Hip-Hop? Como surgiu o amor por essa cultura?
Chileno: Eu conheci o Breaking entre uma pista de Skate e de atletismo, até porque eu era skatista, mas eu conheci o Breaking através de um campeonato que aconteceu em São Luiz do Maranhão e tinha um cara americano que foi participar do campeonato e ele fez um movimento que eu parei na hora de andar de Skate e depois fui perguntar para ele que dança era aquela. E ele respondeu que era Breaking e naquela época eu perguntei para ele em que estágio o Breaking ia chegar no mundo, ele falou a seguinte frase: “O Breaking vai chegar no mundo inteiro e muita gente vai se dar bem dentro do Breaking, dependendo da inteligência da pessoa. O Breaking terá um grande público”.
BW: Alguma vez você sofreu preconceito de alguma parte da sociedade ou da sua família?
Chileno: O preconceito que eu sofri foi dos meus familiares, o que me fez tomar a decisão de vir para São Paulo. Foi o pior preconceito da minha vida. Em São Paulo eu nunca sofri preconceito! Nunca tive problema em lugar nenhum porque eu buscava amizade só com gente bacana e eu me aproximava das pessoas de maneira honesta e sincera.
BW: Como foi quando você decidiu vir para São Paulo?
Chileno: Quando tomei a decisão de vir para São Paulo, eu tinha 28 anos, só que os meus familiares me chamaram para uma conversa. Eles falaram que se eu realmente decidisse vir para São Paulo, teria que me cuidar, pois era um lugar perigoso, violento e que teria que ter muito cuidado com a minha vida e com tudo. Eles me colocaram muito medo. Olha, eles foram na minha opinião idiotas! E aí, chegando em São Paulo, eu fui trabalhar em um supermercado na Amaral Gurgel, na Santa Cecília, próximo a República. Eu tinha duas horas de almoço. E nessas horas eu ia andar no centro e treinava Breaking, eu ia até a São Bento, mesmo que até os punk naquela época mandava lá, eu treinava bem distante deles. Quando surgiu o festival na São Bento, os treinos lá, eu me destacava, não queria fazer amizade com ninguém, ficava isolado porque tinha medo de violência. Eu demorei muito para fazer amizade com as pessoas, isso só foi acontecer nos anos 90.

BW: Quando surgiu seu nome Chileno?
Chileno: Foi em São Paulo. Voltando um pouco lá atrás, quando eu conheci o Breaking, quando eu comecei a treinar com um americano na minha região, ninguém me conhecia como dançarino. Quando surgiu o filme “Os embalos de Sábado à noite”, do John Travolta e o “Beat Street” e aí começou aparecer o Breaking no mundo inteiro. Aí teve um campeonato na televisão, da Difusora de São Luiz do Maranhão, de Breaking, aí eu fui e me inscrevi. Quando eu cheguei para fazer a inscrição ninguém me conhecia como B-Boy, nem como dançarino. E na mesma hora o locutor falou que nós tínhamos que descolar um nome artístico, eu coloquei na hora, eu coloquei John Boy Breaking, de São Luís do Maranhão. Eu disputei com o melhor dançarino de Breaking de São Luiz do Maranhão, o cara também era capoeirista, ginasta, dava mortal, voadora e eu fiquei em segundo lugar. Chegando em São Paulo, o meu primeiro contato foi o grupo Jabaquara Breakers e eu contei minha história, falando que era B-Boy de São Luiz do Maranhão e muitos nem sabiam que tinha Breaking lá. Então, ele pediu que eu me apresentasse, eu me apresentei, comecei a dançar e uma pessoa do público falou assim: “Nossa, esse chileno dança muito!”, então, me chamaram de Chileno e o nome pegou até hoje!
BW: Como foi sua caminhada aqui em São Paulo?
Chileno: Aqui eu conheci os melhores campeonatos e conheci as melhores pessoas, os gringos da época vinham muitos para o Brasil e eu conheci muitos deles que eram bacanas. Comecei a ganhar campeonatos em 2001, 2002 no Sesc Itaquera, no Sesc Pompeia e na Rio Branco, com o Rooneyoyo que fazia os campeonatos. Ganhei muitos prêmios, ganhei muito dinheiro, ganhei muitas roupas e ganhei muitas matérias na imprensa. Fui convidado pela Folha de São Paulo, Revista Raça Brasil, Revista SP B-Boy e comecei a me dar bem em São Paulo, eu sempre procurei me entrosar com as pessoas, sempre fui honesto e da maneira “brincalhão” que todos me conhecem até hoje.
BW: Em todos esses anos, Chinelo, você fez muitos amigos? Nos fale desse racha que sempre rola nos eventos quando você está presente e o B-Boy Jow?
Chileno: Eu sempre busquei ser uma pessoa boa para todos. Old School até crianças. A minha amizade com o Jow é muito sincera, não é uma brincadeira falsa, nós brincamos no racha, só brincadeira e diversão, nunca tivemos maldade um com o outro. Nunca discriminei. Temos muito respeito um pelo outro!
BW: Alguma vez você pensou em ir morar fora do país?
Chileno: Eu tive um convite para ir morar fora do Brasil, nos Estados Unidos. Mas eu não quis ir, porque a minha mãe que eu trouxe do Nordeste para São Paulo estava doente e eu tive que cuidar dela, eu não podia deixar a minha mãe doente e ir pensar em mim, indo para outros países e esquecer da minha mãe. Foi uma luta grande!
BW: Chileno, talvez você seja um dos mais antigos B-Boys na ativa. Nos conte como é isso?
Chileno: Olha, eu me dou bem com toda a juventude, eu me sinto bem entre eles, os fundamentos do Breaking sempre tiveram muito sentido em toda a minha vida. Eu sempre busquei conhecimento e agora nesse exato momento eu estou estudando, as regras, as danças base, me aprofundando no conhecimento, porque você ter conhecimento é algo muito importante. E a minha conversa com B-Boy Old School, ela não tem mais fundamento, é um diálogo “oi! tudo bem?”, mas não falo mais de dança. Hoje parece que eu tenho 15 ou 16 anos, porque eu ainda penso no progresso, no presente e no futuro, eu quero decolar muito mais. Pretendo disputar campeonato até o meu último dia de vida, quando Deus permitir que eu esteja aqui. Essa ideia de parar de dançar é ideia de pessoas inúteis. Pessoas que não pensam em crescer e evoluir. Jamais devemos parar o nosso sonho! Hoje sou muito querido em São Paulo e todos sabem disso. Eu ganho presentes de tudo quanto é lado. Sou querido por muitos! Na fase da crise muita gente me ajudou: a Márcia, o Rooneyoyo, o Ninja. Até B-Boys New School me ajudaram na condição financeira, aí agora sofri esse acidente, mesmo assim muitos me ajudaram. Até o meu vizinho que é evangélico, às vezes me dá janta ou almoço e cuida de mim. E eu pretendo continuar dançando o resto da minha vida. Eu amo a dança! Sou muito feliz com o que eu faço. A minha coragem me dá saúde! E a minha fé também!
BW: Recentemente, você sofreu um acidente sério. Nos conte o que aconteceu? E como está a sua recuperação?
Chileno: Eu sofri um acidente há um mês atrás, eu cai de peito, mas não quebrei nada! Foi uma queda de uma escada de 3 metros e meio. Se eu não quebrei nada foi porque Deus estava comigo no momento da queda, até hoje a todo o momento ele está comigo, me protegendo. Porque se não tivesse propósito na minha vida, eu teria me acidentado feio, teria ficado paraplégico e até poderia ter morrido, porque a condição que eu estava e as pessoas que me viram, eles achavam que eu morreria. Eu desmaiei, apaguei total. Quando eu acordei, no dia seguinte, eu estava no hospital. Acordei com tudo embaraçado, a minha vista, a minha cabeça, o meu ouvido, o nariz. A minha voz ficou distorcida, agora é que está melhorando, mas tem algumas palavras que ainda estou falando errado. A minha vista já melhorou, o ouvido melhorou, ainda sinto um pouco de dor, mas estou tomando remédios. Já tenho retorno marcado com o médico, ele vai passar fisioterapia para minha mão funcionar. Que é exatamente a mão que eu faço Freezes.
BW: Que conselhos você daria para a nova geração do Breaking?
Chileno: Eu falo para a juventude em primeiro lugar, que seja honesto, sincero, que não queira passar a perna em ninguém, que não minta, dispute de igual para igual. Os jovens devem se alimentar bem, não devem comer porcaria, devem comer comida de verdade para conseguir um bom preparo físico. Eu não como porcaria de forma alguma! Os jovens devem ser humildes com todas as pessoas, com seus próprios pais e no meio da dança onde chegar também. Devem adquirir o próprio espaço para ser respeitado por todos. Hoje eu vejo grupo de WhatsApp de várias crews e vejo que existe um ego, uma soberba, uma ignorância, de querer aprender mais e evoluir na linguagem, na dança e em tudo eles acham que sabem tudo! E desconhecem o trabalho dos outros. Eu fico triste de ver tantos jovens no Breaking orgulhosos, metidos. Precisam ser comunicativos, adquirir o próprio espaço, a juventude precisa aprender a serem dignos do que desejam, senão não vão conseguir nada. Não adianta um B-Boy ou uma B-Girl novos serem ignorantes e boçais, tratar mal os outros, só querem viver no próprio mundinho, precisam aprender que o mundo do Hip-Hop é muito grande. Nós precisamos viver no coletivo, não ser individualista. Isso é uma doença de alguns dessa geração.
BW: Fale um pouco de sua experiência junto às crews?
Chileno: A minha primeira crew que eu entrei foi a Gueto Freak, que foi fundada em 1986, mas entrei apenas em 1999, era uma crew de muitos rachas e muitas disputas, ensinamentos, educação, disciplina, era muito top. Era só gente jovem na época. Eu tinha muita diferença comparado a eles, eles admiravam a minha velocidade e alguns movimentos que eu fazia que eles não faziam. Eu tenho movimentos que nenhum B-Boy de São Paulo faz. Aí depois, eu entrei no Jabaquara Breakers. Eu participei de muitos campeonatos e ganhei muita coisa com isso. Era eu e Catatau. Depois, percebemos que fomos roubados por algumas pessoas e saímos da crew pois sabíamos do valor que tínhamos.
BW: O que você acha sobre o assunto Breaking nas Olimpíadas?
Chileno: O Breaking nas Olimpíadas é uma benção de Deus! Porque o Breaking sempre foi discriminado em todo o lugar, os B-Boys chegavam com as roupas e com o estilo e eram discriminados por toda a sociedade, chamado de maloqueiro, então, a partir do momento que o Breaking está nas Olimpíadas, ele se torna uma potência, o respeito será muito grande por toda a sociedade, todo o comércio, todos os empresários, os patrocínios, toda a sociedade, a essência só depende de cada um, ele vai competir nas Olimpíadas, certo? Mas ele não vai ficar para sempre nas Olimpíadas, ele tem os rolês dele, que são com os amigos da Cultura Hip-Hop. Agora, se a pessoa permitir que o orgulho suba à cabeça, aí sim ele perde a essência e para isso não precisa estar nas Olimpíadas, isso pode acontecer em qualquer momento. Então, o Breaking entrar nas Olimpíadas como esporte eu fico maravilhado de viver isso, ver o nível que o Breaking está chegando, ele está lá sendo visto por toda a sociedade e isso é muito bom. Por onde esses B-Boys e B-Girls passarem, vão escutar: “eles são breakers e fazem parte das Olimpíadas!”, o respeito será dobrado! O Breaking está muito acima de raças, o negro construiu, mas existe o espaço para todos! Se tem talento, mostre seu talento, não importa sua cor. Eu já falei isso até para algumas pessoas, se você não concorda do Breaking entrar nas Olimpíadas, é palhaçada. Nós fomos discriminados pra caramba e quando temos oportunidade, alguns ficam de palhaçada. Quem pensa assim são pessoas burras, ignorantes, que só querem benefícios para si mesmos. Tem que avançar, tem que se modernizar, as pessoas que não pensam assim, independente de suas idades são atrasadas, de mente pequena e que não funciona. Eu tenho 62 anos e não sou assim. Me sinto um jovem, esse negócio de idade está na cabeça das pessoas!
BW: Para finalizar: o que significa o Breaking na sua vida?
Chileno: Tudo! O Breaking faz parte da minha história. Em primeiro lugar na minha vida vem Deus e depois o Breaking.
Fotos: Arquivo Pessoal/Alex Boog/Cadu Barbosa