Como será o “novo normal” no Breaking?

A pandemia chegou e virou o país (e o mundo!) de pernas para o ar… Pessoas morrendo diariamente, quarentena, crise global e, é claro, os B-Boys e B-Girls não poderiam deixar de serem atingidos por esta situação caótica. Muita coisa mudou em muito pouco tempo: os praticantes da dança Breaking se viram de uma hora para outra com seus planos adiados, muitos entraram em um estresse contínuo causado pelo isolamento social, crise financeira e um inevitável esgotamento físico e mental. A desigualdade social que já era grande, principalmente no cenário urbano, mostrou-se ainda maior nestes tempos ruins.
A autocobrança acaba refletindo no desempenho. Nas redes sociais vi muitos B-Boys e B-Girls reclamando que seu rendimento caiu, seja pela falta de local adequado para treinar, seja pelo excesso de stress gerado pelo tédio de ficar em casa, alguns engordaram, perderam a forma, outros estão sem motivação, sem alegria e sem energia, alguns, até, entrando em um início de estado depressivo. Tudo isso causado, principalmente, pela falta de convívio mais intenso com as pessoas. Sim! A tecnologia até nos permite aproximação e algum consolo diante de tanta notícia ruim, mas nunca vai substituir o contato físico, aquele bate-papo gostoso entre amigos num churrasco de final de semana!
Isso tudo nos trouxe um quadro generalizado de desequilíbrio emocional e social. Estamos todos com os nervos à flor da pele, pois descobrimos, enfim, que as conexões são muito mais importantes do que imaginávamos outrora. Nada será como antes!
E o “novo normal”, enfim, bateu à nossa porta. “Caramba! E agora? O que vai ser?”, esta é a pergunta que não sai da cabeça de todos nós que amamos a cultura urbana, a arte, a dança, a música… E o novo sempre assusta. Em alguns, dá até calafrios tentar entender e perceber o que pode estar por vir.
Mas, afinal, o que vem a ser o “novo normal”?
Bem, antes de me aprofundar no novo, acho importante voltarmos um pouco no tempo… Pensar em nosso conceito do que é normal e do que não é tão normal assim. Afinal de contas, como diz o velho ditado “de louco, todo mundo tem um pouco”!
Não dá para entender o que é “normal” sem entender antes o que significa “comum”. Sim, por mais semelhanças que estas duas palavrinhas possam ter, não são a mesma coisa. Comum é a junção de “como um”, é a resposta para a pergunta: “o que eu tenho do outro e que ele se identifica? E o que o outro tem de mim que eu me identifico?”.
O comum é quando há um padrão estabelecido como “um de todos”, que de alguma maneira garante proteção e sobrevivência que, para aqueles que fazem parte de determinada sociedade, se torna o conceito de normal. Ou seja, o padrão de comportamento leva a uma identificação, que por sua vez traz em si opiniões, hábitos e costumes. Se somarmos, então, o comum mais a sobrevivência, chegamos ao nosso “normal”. E o que é a sobrevivência senão o nosso instinto de proteção, segurança e continuidade?
Seguindo esta linha de raciocínio, chegamos, concluímos que quando a nossa sobrevivência e proteção estão ameaçadas “não é normal”! É comum vermos alguns B-Boys e B-Girls usarem bebidas alcóolicas em excesso ou substâncias ilícitas. Mas isso não é normal, pois estão ameaçando suas próprias vidas, fazendo mal ao próprio corpo que é a ferramenta e o instrumento que utilizam para externar a sua arte e sua dança.
O “novo normal” então, nada mais é que um novo padrão que a pandemia da Covid-19 trouxe para a sociedade, um novo padrão que visa garantir a nossa sobrevivência por meio de protocolos de proteção e acompanhamento.
No Breaking era normal, até então, os B-Boys e B-Girls chegarem nos eventos, se cumprimentarem com abraços, beijos, apertos e toques com as mãos… O contato físico é uma característica da Batalha de Breaking: o olhar nos olhos, passar a mão por cima, as pernas por baixo do oponente, provocar, ironizar, tudo isso faz parte da cultura desta dança e dessa arte das ruas… A roda! Sim, a roda é o maior símbolo desta gente que nas “cyphers” se encontra, se solta, tem sua liberdade e sua arte saindo pelos poros (e pela boca também, com suas milhares de gotículas e aerossóis sem fim!).
Como será o futuro, o que muda e o que esperar deste novo normal?
É fato que por mais que o Breaking una as pessoas (e vai continuar unindo) alguns cuidados terão que ser tomados nos campeonatos pós-pandemia para que se mantenha a segurança dos participantes: andar com máscaras, ser menos expansivo, mais contido, manter o distanciamento social, talvez dançar também com luvas, pois o contato com o chão é a marca registrada desta dança… Pois é: nada de abraços, nada de beijinhos no rosto, nada de selinhos, nada de apertos de mão… O mundo está mudado e é claro que o Breaking não seria exceção.
Os campeonatos, além das preocupações usuais, terão que se adaptar a uma nova realidade, pelo menos até que se encontre uma vacina e que seja novamente seguro enfiar o dedo na cara do seu oponente! As batalhas presenciais deverão retornar aos poucos, mas cumprindo os protocolos da OMS (Organização Mundial da Saúde). Batalhas sem público e com transmissão on-line, com limpeza do local no final de cada round, distribuição de máscaras e álcool gel para todos os participantes e trabalhadores, testagem da presença do vírus de competidores, jurados, DJs, MC’s, produtores e outros personagens que possibilitam acontecer um evento de qualidade é um caminho, pelo menos por ora, sem volta.
A própria produção e estrutura dos eventos devem passar por modificações para garantir a segurança de todos. A dinâmica das batalhas, sem dúvida, vai cair bastante com estas medidas, pois sem aglomeração e sem aproximação entre os oponentes, vamos ter uma maior frieza nos campeonatos. E isso porque temos ainda um longo caminho a percorrer até que as batalhas se tornem novamente seguras: as vacinas, na melhor das hipóteses deve sair até o final deste ano. Mas deve-se levar em consideração os estudos que apontam que o novo coronavírus pode passar por mutações genéticas que, a médio e longo prazo, podem tornar a vacina ineficaz. Isso sem falar que estudos recentes demonstram que algumas pessoas foram reinfectadas… Ufa!
Mesmo diante deste quadro, ainda podemos respirar fundo (com máscara, claro!), pensar naquela metáfora do copo com água pela metade (meio cheio ou meio vazio?) e tirar algumas vantagens: por exemplo, os eventos on-line têm menor custo de produção e maior alcance de público, as empresas e os produtores independentes podem economizar muito dinheiro com o sistema de “home-office”. Novas oportunidades, como a abertura de novos mercados para os dançarinos e dançarinas, como aulas on-line, oficinas, vivências e outras atividades não presenciais. E ainda: melhor qualidade de vida. Menos stress no trânsito, menos poluição; para ir aos eventos os B-Boys e B-Girls não precisam mais percorrer grandes distâncias ou enfrentar chuvas, gastar com alimentação, transporte, hospedagem.
Enfim, o “novo normal” pode ser uma oportunidade incrível para os breakers descobrirem uma nova forma de viver, ao descobrirmos o valor da nossa própria casa, aprendemos a ter a humildade e a consciência que já não temos mais tanto controle assim de nossas vidas como pensávamos! A possibilidade de fazer novos amigos e participar de eventos internacionais sem sair de casa acabou abrindo novas frentes para muitos que jamais teriam a oportunidade de “rachar com a gringa”!
A normalidade, meus caros leitores, é uma busca constante por segurança e proteção, então, jamais poderemos dizer que somos completamente normais. Vivemos uma dicotomia: estamos sempre entre a vida e a morte. As nossas escolhas nos levam a uma encruzilhada aonde de um lado estamos de frente com a morte, trazida por exemplo pelo hábito de beber e dirigir, uso de drogas, brigas e discussões, etc. e de outro a vida, trazida pela prudência, pela busca do saudável, de querer cuidar de seu próprio corpo, sua mente e das pessoas que ama.
O “novo normal” é traumático e assustador e pode trazer ansiedade e insegurança para muitos. Mas não se trata de um “bicho de sete cabeças”! A pandemia vai passar e mesmo que deixe algumas sequelas, a nossa vontade de sobreviver e de nos proteger vai trazer adaptação e ambientação com a nova realidade e os novos padrões.
Portanto, meu conselho para os B-Boys e B-Girls é: preparem-se para o “novo normal”! “Mas, como, mano?!?”, você pode estar se perguntando… Proteja-se, cuide do outro, crie novas expectativas para si, novas rotinas, explore todo o seu potencial… Aprenda a controlar as suas emoções e a sua mente: olhe para dentro de si, descubra o que há de melhor, aproveite o tempo para treinar mais, ver tutoriais, aprender novos passos e novos movimentos. Fale com quem você ama, mesmo que seja por videoconferência, diga para seus parentes e amigos o quanto você os ama, leia, regule suas emoções e encontre algum equilíbrio emocional e mental… Não é fácil! Tem que ter força de vontade e uma boa dose de determinação, mas vai ajudar-lhe a ser bem melhor como B-Boy ou B-Girl e, muito mais, como ser humano.
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