Arte no que se veste e também no que se escuta
“Para quem é da velha escola, ter uma jaqueta e um boombox grafitado é como representar as raízes do Hip-Hop em sua essência.” (Fabiano Minu)
Ele nasceu na Vila Maria, bairro da capital de São Paulo. A paixão pela arte do Graffiti e pelas cores em jaquetas aconteceu com a chegada do filme “Beat Street” (A loucura do ritmo), em 1984. Fez parte da 1ª geração de B-Boys de Guarulhos, em 1984 e também da 1ª geração de B-Boys da São Bento, no início de 1985.
Integrante do lendário grupo de B-Boys Fantastic Force (Guarulhos), teve como referências no Graffiti em jaquetas, os grafiteiros Paulo “Robô” e Bad “Break Mania”. Participou da 2ª Amostra Paulista de Graffiti de São Paulo, em 1993, com vários artistas na época, como Os Gêmeos, Speto, Gugu, Vitché, Arhur Lara, entre outros.
Estamos falando de Fabiano Minu e de todo o seu talento, reconhecido dentro da Cultura Hip-Hop. O grafiteiro conversou com o Portal Breaking World e deu importantes dicas para quem pretende aprender mais dessa arte. Leia:
BW: Queria que você falasse um pouco da sua vida, quando começou sua relação com a Cultura Hip-Hop?
Minu: Bom… eu nasci em São Paulo, no bairro da Vila Maria… porém, cresci e moro até hoje na cidade de Guarulhos, atualmente no bairro do Jardim Bela Vista. Na minha adolescência, curtia muito o Original Funk, tanto na dança, como nas músicas. Aos meus 14 e 15 anos frequentei um salão em Guarulhos, que se chamava “Bancários Disco Clube”, onde predominava esse estilo musical na época, no início dos anos 1980. Meu início no Hip-Hop se deu por conta da chegada do “Break Dance” [nome comercial dado pela imprensa dos anos 80/90 para o elemento Breaking da Cultura Hip-Hop – nota da redação] colocado pela mídia no Brasil por volta de 1983. Mas foi em 1984, com o lançamento do filme “Beat Street” que eu e vários dançarinos de “Break Dance” começamos a entender que não era só uma moda de dança passageira e sim que se tratava de uma cultura de rua, que se chamava Hip-Hop, cultura essa que ao passar dos anos vimos toda a sua importância revolucionária em termos de expressão na arte, dança e música.

BW: Verdade que fez parte da primeira geração de B-Boys de Guarulhos e também da São Bento? Nos conte como era ser B-Boy na década de 80?
Minu: Sim… nesse mesmo ano de 1984 em que lançou o filme “Beat Street” eu participava de um grupo de “Breakers” (na época nem se falava B-Boys) e começamos a frequentar um salão no centro de Guarulhos que se chamava “Sundays Disco Club”. Esse salão de dança lembrava muita a “Roxy” do filme “Beat Street”, tocava muitas músicas apropriadas para esse estilo de dança e isso foi o ingrediente para se tornar um dos principais “points” de Hip-Hop antes do início da São Bento, em1985. Em 1984, naquele salão deu-se início a primeira geração de B-Boys de Guarulhos, pois era ponto de encontro para vários “Rachas de Dança” (na época nem se falava que eram “Batalhas”) com grupos de outras cidades, como São Paulo e cidades do interior. Empolgados e impulsionados pelo filme “Beat Street”, começamos a dançar nas ruas e metrôs na cidade de São Paulo. Ainda no ano de 1984, tinha um grupo de “break” do bairro Parque Novo Mundo (próximo de Guarulhos) que participava de um concurso de dança numa emissora de TV em São Paulo, a TV Record, no programa Barros de Alencar. Esse grupo usava o nome de “Break Dance” (Paulinho, Amauri, Adeildo e Paulo Robô) para participar do concurso e passava pelo Metrô São Bento para praticar um pouco da dança antes de se apresentarem no programa e era um grupo que frequentava a Sundays Disco Club, sendo nosso principal rival nos “rachas de dança”. Com o passar do tempo, acabamos sendo convidados por eles a frequentar o Metrô São Bento, junto com outros B-Boys do Bom Retiro… nascia aí os Encontros de B-Boys na São Bento, em 1985. Com Paulinho, Adeildo, Amauri, Paulo Robô, Tadão, Minu, Zé Neguinho, Falcon, Wilson, Cebolão e mais uns 2 a qual não se lembram os nomes.
BW: Fale da sua crew “Fantastic Force”. Como foi criada, sua importância e as principais crews rivais na dança.
Minu: Com a amizade fortalecida do nosso grupo, junto com os B-Boys do Parque Novo Mundo criamos essa união… Mas somente em 1987 com outros integrantes batizamos o nome de Fantastic Force pelo Tchello Rock …porém dá-se essa identidade “Fantastic Force” no início da São Bento por ser os mesmos B-Boys a qual estiveram no início dos encontros. Toda Crew tem sua importância e soma dentro do hip hop, acredito que a partir que uma pessoa se torna uma referência para outra pessoa… ela passa a ter sua importância. Fantastic Force esteve na mesma caminhada de várias referências da metrô São Bento juntamente com as outras crews, Rappers, DJ’s e Grafiteiros. Criamos nosso grupo de rap, participamos de vários eventos juntos com Rappers consagrados como os Racionais (na época eram os B-Boys), Thaíde e DjHum, Mt Bronks, Jr Blaw, Doctors Mcs entre outros. Não tivemos os mesmos “holofotes” em relação às outras Crews… Acredito porque não tínhamos “contatos” para nos “alavancar em projetos”, por nós termos uma linha diferente nas rimas em relação a outros grupos de Rap, por não termos renovações da nossa própria Crew e por tentar uma caminhada diferente, por não sermos do centro. Não éramos uma Crew de batalhas, embora tenhamos feito algumas… nosso pensamento era tentar algo sólido em apresentações independentes… não conseguimos atingir o sucesso, mas temos a nossa história e importância, tanto que, em 2015, fomos um dos principais responsáveis do retorno da São Bento.

BW: Quando começou a paixão pelo Graffiti e por fazer essa arte em jaquetas? É verdade que teve influências do filme “Beat Street”? Nos conte isso…
Minu: No início dos anos 80, surgiram muitos clipes musicais com esse tipo de expressão entre os muros e trens… e isso me chamava a atenção… mas quando foi lançado o filme “Beat Street”, em 1984, aqui em Guarulhos tive e certeza de que era isso que eu queria na minha vida, era como me tirar de uma “pequena bolha”, não somente eu, mas toda aquela geração da época que começamos a entender a grandeza do Hip-Hop e a partir desse filme minha vida não foi mais a mesma. Nesse mesmo ano, em 1984, conheci o Paulo Robô na Sundays Disco Club… foi o 1º grafiteiro que conheci, por ver a primeira jaqueta grafitada (antes só tinha visto no filme Beat Street). Anos à frente, conheci outro grafiteiro na São Bento, “Bad Break Mania”, com jaquetas grafitadas sensacionais, essas são minhas duas referências no Graffiti em jaquetas. Depois de eu ter pago para ter a minha primeira roupa (camisa) grafitada e não sair como eu queria (risos), tomei coragem para começar a grafitar em roupas na época.
BW: Durante sua dedicação ao Graffiti houve pessoas que verdadeiramente te inspiraram?
Minu: Era uma época difícil, onde quem aprendia dificilmente ensinava a outras pessoas. Como eu morava em Guarulhos, era mais complicado ainda e eu procurava imagens e arquivos em revistas e jornais (quando conseguia), isso dificultou muito o meu aprendizado, a falta de informação, dinheiro e incentivo foram meus grandes obstáculos. Minhas inspirações vinham de arquivos que eu conseguia e a evolução foi lenta. Teve uma vez que me emprestaram 2 livros que não conseguia encontrar para comprar, os livros são “Subway Art” e “Spray Can Art”, com isso acabei tirando xerox em preto e branco dos dois livros inteiros (risos), não era fácil conseguir algo, porém, eu sempre procurava praticar desenhos, algo que sempre gostei de fazer.

BW: Fale sobre seu trabalho nas jaquetas, a finalidade e o que procura passar para as pessoas?
Minu: A finalidade principal é tentar uma fonte de renda por meio da arte, o que é muito difícil, mas existem outras finalidades como: fazer o que eu gosto; aperfeiçoar mais meus trabalhos; explorar novas formas de expor essa arte; manter-se num ciclo de contatos de artistas de forma atuante. Eu procuro passar para as pessoas que isso é arte e que faz parte do Hip-Hop, tendo sua importância desde seu início dentro da cultura.
BW: Não são só jaquetas, mas boomboxes também, correto? Fale sobre isso…
Minu: Os boomboxes também têm a sua importância, pois é o parceiro dos B-Boys para dançarem nas ruas e todos aqueles que curtem um Beat, Funky Groove, Rap, etc. Não é à toa que existem vários colecionadores de boomboxes no intuito de manter essa ligação entre artistas e a música. Para quem é da velha escola, ter uma jaqueta e um boombox grafitado… É como representar as raízes do Hip-Hop em sua essência. Eu tenho um boombox que grafitei recentemente, quem sabe seja o primeiro de muitos que virão.

BW: Qual a importância do Graffiti na sua vida?
Minu: Embora eu tenha ficado um bom tempo sem estar praticando de uma forma atuante, foi a arte do Graffiti que me recuperou para a vida. Claro que Deus está em primeiro lugar e acredito que foi Deus que recolocou o Graffiti na minha vida. Alguns anos atrás fiquei desempregado, com depressão e estava sem rumo na vida e foi por meio dessa arte que recuperei a minha autoestima como artista, pai e ser humano. A arte do Graffiti transforma, abre caminhos… Eu nunca poderia imaginar que depois de tanto tempo, décadas, um dia eu pudesse fazer uma exposição de jaquetas grafitadas minhas, ainda mais num lugar importante como no Memorial da América Latina. E é algo que preciso passar para as pessoas, pois a arte transforma vidas. Eu amo o Graffiti.
BW: Você participou da “2ª Amostra Paulista de Graffiti de São Paulo”, em 1993, com vários artistas: Os Gêmeos, Speto, Gugu, Vitché, Arhur Lara, entre outros. Como foi esse momento e como se sentiu?
Minu: Fiquei ansioso e apreensivo, pois se tratava de fazer Graffiti ao lado de referências e amigos. Embora já tivesse feito alguns Graffitis, eu estava ainda adquirindo essa caminhada de fazer em muros e na rua. Naquele dia percebi o quanto era vasto a criatividade de vários artistas em prol da arte de rua. Ali senti a responsabilidade de representar minha cidade e o que passar de mensagem por meio da arte em um local público e movimentado, como a estação de trem. Certamente me serviu como um momento especial na minha vida, que não vou esquecer.

BW: Fabiano, você já participou de inúmeras outras exposições com as jaquetas. Fale das principais em que esteve e sobre a reação do público?
Minu: Certamente as principais foram as exposições realizadas no Memorial da América Latina, não só por ser um lugar amplo para as exposições, mas porque o evento atraía a velha e nova escola num mesmo lugar e contava com presença de personalidades e importantes integrantes da Cultura Hip-Hop de São Paulo. Percebia que muitos adeptos da nova escola nem sabiam desse tipo de arte dentro da Cultura Hip-Hop. Foram várias reações das pessoas, que nunca tinham visto, era uma novidade para muitos. A aceitação foi imediata e positiva com muitos contatos e convites para trabalho. Até mesmo alguns artistas de rua ficaram surpresos com as exposições.
BW: É verdade que muitos brasileiros grafiteiros preferem a gringa ao Brasil, por ter seu trabalho mais valorizado? Já pensou alguma vez em trocar o Brasil por outro país?
Minu: É um assunto polêmico, sem querer generalizar, mas aqui no Brasil infelizmente tem muito disso e não é só na arte, mas também em várias áreas. Temos grafiteiros brasileiros reconhecidos no Brasil, mas só depois de terem reconhecimento fora. A arte de rua do Brasil é muito rica em nível mundial, com seu estilo próprio de se expressar. Artistas como Os Gêmeos, Eduardo Kobra, Binho Ribeiro, Edmundo, entre outros. Particularmente não sou uma pessoa que espera ou cobra por reconhecimento, faço porque gosto muito. Mas eu sinto essa diferença de reconhecimento em minhas redes sociais, em meus posts, os gringos são os que mais se interessam, entre admiradores dessa arte e até algumas personalidades da Cultura Hip-Hop internacional. Já aqui do Brasil, em sua maioria, praticamente são de pessoas que eu conheço ou que já tenho feito alguns trabalhos, mas não me preocupo com isso, procuro “fortalecer quem me fortalece”. Nunca pensei em trocar de país, mesmo porque tenho família e não teria condições atualmente de fazer isso.

BW: Pensando no Graffiti… Diga: qual a sua importância como elemento dentro da Cultura Hip-Hop? Existem muitos grafiteiros no Brasil que trabalham com jaquetas?
Minu: A partir que a pessoa se torna referência para outra pessoa, ela tem a sua importância e na cultura Hip-Hop “todos são importantes”, pois ninguém faz Hip-Hop sozinho. As exposições que eu faço são uma forma de manter as raízes da Cultura Hip-Hop e, de uma certa forma, incentivar as novas gerações para essa prática, não só pelo que ela representa, mas também como uma transformação de criatividade própria e autoestima. Conheço alguns artistas que fazem esse tipo de arte, mas o mais atuante que conheço e aprecio muito a sua arte chama-se Wagner Wags.
BW: O que tem feito nesse momento de pandemia? Tem criado alguma coisa? Já fez alguma jaqueta retratando o momento de pandemia que estamos vivendo?
Minu: Com o isolamento, ficou complicado conseguir jaquetas para grafitar, mas tenho me ocupado praticando novos desenhos, personalizando latas de spray e vinis com Graffiti, na ideia de expor junto com as jaquetas futuramente. Não fiz nenhuma arte relacionada a pandemia. Não que eu esteja ignorando esse momento difícil, mas procuro me expressar em algo que transmita positividade para as pessoas.

BW: Como você vê a nova geração de grafiteiros que tem surgido? Gosta do trabalho da nova geração?
Minu: Eu vim do Hip-Hop e sei que nem todo grafiteiro ou artista de rua é do Hip Hop. Tem muitos grafiteiros em eventos de Hip-Hop que nem sequer conhece a história do Graffiti no Hip-Hop. Principalmente daqui do Brasil. Às vezes, conhecem histórias dos gringos famosos, mas daqui do Brasil não conhecem nada e muitos nem ligam pra isso… é lógico que não é por isso também que podemos dizer que não façam trabalhos qualificados. Gosto sim do trabalho da nova geração e já vi trabalhos incríveis e sensacionais, porém, eu me amarro em trabalhos que lembram muito a velha escola (risos). É a minha essência naquilo que faço.
BW: As pessoas que tiverem interesse pelo seu trabalho com jaquetas, como podem adquirir uma? Quanto custa em média uma jaqueta assinada por Fabiano Minu?
Minu: No momento, estou fazendo assim: a pessoa entra com a jaqueta e eu com as tintas e mão de obra (não compro jaqueta por pedido, pois pode correr o risco de não servir ou a pessoa não gostar do estilo da jaqueta… daí o tampo ficaria perdido). Valores, em média, no momento é de 250 a 350 reais, dependendo do desenho (lembrando que a pessoa tem que fornecer a jaqueta).Visitem meu site: https://fabianominu.wixsite.com/artenasjaquetas.

BW: Explique a frase “A arte não reproduz o que vemos… Ela nos faz ver!”
Minu: Essa frase é antiga, de um artista francês Paul Klee e traduz a liberdade que toda pessoa possui de analisar toda e qualquer expressão de arte, sendo assim, a arte não faz reprodução do que vemos, ela nos faz ver além do que é exibido.
BW: Que mensagem deixaria para quem admira o seu trabalho e deseja aprender essa arte?
Minu: Primeiro agradecer às pessoas que admiram o que eu faço, é uma satisfação muito grande e isso só me incentiva cada vez mais a continuar… gratidão! Para quem quer aprender: procure praticar o que você gosta e saiba que nada cai do céu e toda caminhada tem seus obstáculos; praticar a arte em jaquetas requer interesse, dedicação, paciência e conhecimento; ninguém surge do nada, todos têm suas referências e influências; sua marca é seu estilo, seja criativo; se não conseguir viver da arte, viva com ela, pois é uma maneira de elevar a autoestima, nada é mais prazeroso do que fazer o que gosta. Obrigado… grande abraço!

Fotos: Arquivo Pessoal/Cadu Barbosa