O sangue colorido que corre nas veias do artista às vezes precisa se renovar
“O Graffiti pra mim é uma forma de mostrar, estampar minha alma, de ser eu mesma, posso ser livre, pois só arte me proporciona este poder.” (Mel Zabunov)
Me lembro quando estive na última vez com a incrível grafiteira Mel Zabunov, foi durante um evento de empoderamento feminino na Street House, em São Paulo.
Na ocasião, apesar de conhecê-la já há alguns anos, tive a oportunidade de escutar sua história de vida, contada por ela mesma e junto com isso fui testemunha ocular da notícia que em 2020 seria um ano sabático para Mel. Seria hora de desacelerar, segundo ela! Falou que iria aproveitar o tempo, segurar um pouco o trabalho com o Graffiti, arte que se dedicou durante toda a vida e iria se permitir refletir, repensar muitas coisas, conhecer teorias diferentes, entendeu que era exatamente isto que tinha que fazer para se sentir renovada, precisava conhecer novos universos, se escutar mais, criar um novo ritmo, um ritmo oposto ao que tinha. Em todo esse tempo percebeu que estava sendo engolida pela tendência e não era isto que queria. O que Mel não sabia era que alguns dias depois de anunciar sua decisão num grupo de mulheres da Cultura Hip-Hop, toda a humanidade seria surpreendida com uma pandemia que iria levar o mundo todo a uma parada obrigatória para uma intensa reflexão mundial sobre valores, sobre ritmo e cuidados com a vida e principalmente sobre a própria existência. Conhecer o novo, estar preparada para isso é, sem dúvida, o grande desafio nos próximos anos da humanidade. Mel parece que sentiu que algo iria acontecer, talvez coisas que são apenas sentidas por pessoas que têm a arte correndo nas veias.
O Portal Breaking World teve a honra de conversar com Mel Zabunov, confira a entrevista abaixo na íntegra:
BW: Queria que você falasse sobre sua infância. Onde foi, sobre sua família e como teve contato pela primeira vez com a Cultura Hip-Hop
Mel Zabunov: Nasci em um ambiente artístico, em São Bernardo do Campo, tive contato com artes visuais desde muito nova, minha mãe, artista autodidata, já fazia esta conexão unindo seus sete filhos e incentivando a criatividade por meio da música, da dança, escultura, do artesanato, artes plásticas e contação de histórias, ela passava todo este universo mágico para nós sozinha e nos contava o quão grande e interessante são outros países, sua culinária diferente, idiomas, culturas diferentes no geral, então, toda criatividade e vontade de desbravar o mundo herdei da minha mãe, tenho muito orgulho disto. Tive uma infância onde nós mudávamos muito de casa, perdemos muitas coisas, minha mãe sofria no casamento e por conta de religiosidade nos sentíamos sufocados, era bem difícil, não parávamos em escola nenhuma e nunca tínhamos condições para nada, assim, morávamos sempre em 1ou 2 cômodos, lembro que aos meus 8 anos, fomos morar de favor na casa da vó materna, onde minha mãe não tinha muita autonomia sobre os filhos, por conta dos meus tios meu pai não foi morar junto nesta época. Aos 12 anos de idade (ano 2000) comecei a reparar as pichações na rua e comecei a pichar uma sigla do meu nome, mas eu usava giz de cera, a partir de então me fixei no universo da pichação e a coisa ficava cada vez mais séria (15anos, 2003), de até eu começar ter um nome na cidade por conta da quantidade de rolês, por ser uma das poucas mulheres da pichação na cidade. Conheci o Rap na mesma época e comecei também a andar de Skate, desde então me apaixonei pelo movimento Hip-Hop e estava presente em tudo que envolvida este universo incrível, estava no auge da Black Music e nas portas das escolas marcávamos dias e horários que teriam matinês, que só rolariam Black, eventos de carro antigo, treinos de basquete, festa de pichação, campeonato de skate e eu dormia escutando “Espaço Rap” na Rádio 105 FM, eu sabia que tinha nascido para isto…
BW: Com que idade começou a desenhar e a ter contato com o Graffiti? Alguém te ensinou essa arte? Tem referências no Graffiti, nomes que você admire? Pode citar?
Mel Zabunov: Sempre desenhei, desde que me entendo por gente. Aos 9 anos já criava HQ com referência em animes e mangás, vendia muitos desenhos personalizados feitos a mão do Pokemon, Looney Tunes, Pica-Pau, entre outros (tenho até hoje as historinhas – risos). Contato com o Graffiti foi aos meus 12 anos, quando comecei a pichar e a reparar arte de rua, aos meus 16 anos fiz meu primeiro trampinho no quarto mesmo, uma sigla do meu nome. Naquela época não passavam técnicas e fui testando sozinha mesmo, pois já tinha experiência com o traço do spray por conta da pichação e fazia a maioria de látex e só contornava e fazia sombreados básicos com o spray e aos 16 fiz meu primeiro trabalho na rua: um throw-up escrito “DISTREETO” (tipo uma crew que eu tinha com umas amigas da escola). Não tenho uma referência exata de alguém em técnicas de Graffiti mas tenho como pessoa e caminhada, que é a artista Simone Siss e a artista e amiga FiXxa.
BW: Qual é a sua formação, Mel?
Mel Zabunov: Sou formada em Teologia e Jornalismo Cultural.
BW: Muitas pessoas sem discernimento confundem Graffiti com Pichação. Fale sobre isso e sobre as principais diferenças.
Mel Zabunov: Graffiti e Pichação são duas formas de expressão visual, em protesto ou não. O Graffiti, muitas vezes, estampa formatos de direto entendimento de um artista particular com seus próprios conceitos, é uma mensagem que mexe diretamente ou indiretamente com todos que hão de enxergar, te faz refletir ou simplesmente contemplar, por um segundo que seja, onde estamos inseridos no corre corre do cotidiano. A pichação é uma forma de estampar quantidade, tipo um carimbo em todo território urbano, é um grito para nos enxergar como parte da cidade e geralmente é composto por um grupo de pessoas no mesmo objetivo, tipo uma família de amigos com um carimbo específico, estampando pela cidade inteira a mesma grafia…
BW: Como você define o Graffiti que faz hoje em dia e o seu estilo?
Mel Zabunov: Meu estilo defino mais como freestyle, arte urbana, porque faço um mix de técnicas, às vezes, instalações, não tenho um estilo definido, por não querer me prender a nada categórico ou um grupo, sigo minha intuição na maioria das vezes…
BW: Quais são as oportunidades existentes aqui no Brasil para quem grafita? Já pensou em ir para a gringa?
Mel Zabunov: Hoje em dia, no Brasil, existem muitas e muitas oportunidades para a arte em geral, observo e também participo de muitos eventos vinculados à prefeitura ou também de empresas privadas, recebo convite de vários estados do Brasil afora para participar de eventos, isto é muito bom e tem crescido. Já fiz trabalhos no Chile, em Santiago e no interior, tenho vontade de realizar trabalhos em outros países, pelas ruas das cidades principalmente, conhecer outras culturas e agregar ao meu trabalho.
BW: Alguma vez se sentiu discriminada pelo fato de ser uma mulher grafiteira? Como a sociedade olha para isso?
Mel Zabunov: Algumas vezes me senti mal vista na rua mesmo, realizando algum trabalho, por outras mulheres no caso, que por ali passavam. A sociedade, na real, não consegue entender como arte, que pode ser profissão, como se ganha dinheiro e se possa ter uma carreira simplesmente desenhando, não é normal e aceitável ir contra o capitalismo, pois a arte é imprevisível em todos os âmbitos, mas como em todas as profissões, só depende de nós para crescer, a arte é exatamente isto ou mais, temos que acordar todos os dias com força pra não desistir do sonho ou da causa e ir entregar currículo no hipermercado mais próximo, não é fácil como qualquer outro emprego, mas é mais um trabalho autônomo.
BW: Recentemente você teve seu trabalho projetado em prédios. Como foi isso e qual foi a sensação?
Mel Zabunov: Ter um trabalho projetado em uma empena é ver um pedaço da minha alma sendo enormemente exposta para muitas pessoas contemplarem que arte pode estar onde elas nem imaginam, fiquei feliz com esta oportunidade.
BW: Um pouco antes da pandemia, você anunciou que daria um tempo no Graffiti. O que a levou a tomar essa decisão? Pode explicar tudo que se passou dentro de você?
Mel Zabunov: Desde o ano passado gritava em mim algo novo, mas que só dependia de mim, de alguma renúncia, crescia uma vontade de conhecer teorias diferentes e desacelerar, por eu ser uma pessoa muito prática, entendi que era exatamente isto que eu tinha que fazer pra sentir um renovo, eu precisava conhecer novos universos, me escutar mais, criar um novo ritmo, um ritmo oposto e percebi que estava sendo engolida pela tendência e não era isto que eu queria. Há 7 anos corridos que eu só faço Graffiti, só trabalho com isto, só falo disso, vivo e respiro o Graffiti, tenho minha empresa, mas quero coisas diferentes, técnicas diferentes e para isto temos que parar para estudar, então, escutei minha intuição e tomei esta decisão, que está sendo um desafio maravilhoso e curioso…
BW: Fale um pouco do que anda fazendo atualmente e do seu trabalho.
Mel Zabunov: Desde quando tomei a decisão de tirar o ano sabático, estou me permitindo tirar bastante tempo pra refletir e contemplar a natureza orgânica e humana, tenho me dedicado aos estudos que envolvem escultura, biologia, antropologia e terapia do ser, muita pesquisa e já estou começando a produzir minha primeira exposição individual, que é meu grande sonho no momento, então, estou focando em acumular conhecimento para estampar tudo o que me representa como uma humana artista (risos).
BW: Em que partes das cidades tem Graffiti seu para quem desejar conhecer?
Mel Zabunov: No centro da cidade de São Paulo, no bairro Bela Vista (Bixiga) tem 3 trabalhos meus, uma especificamente na rua da Escola de Samba Gaviões da Fiel, Mural no Sesc Santo André, Mural na Fábricas de Cultura Diadema, Mural no Camping Valle das Águas na cidade de Socorro, Mural Travessa com Avenida Paulista, Mural Esquina com Casa do Hip-Hop Diadema, Mural Paredão da CPTM Mauá.
BW: No seu Graffiti você costuma abordar temas e fazer críticas, ou não
Mel Zabunov: Como minhas maiores inspirações são no “Ser Humano” em geral, sempre me preocupo em como posso conectar meu trabalho aos sentimentos de alguém, quero estampar exteriormente incentivos de autoestima, espiritualidade, tudo que é genuíno, natural e orgânico e fazer as pessoas olharem para dentro delas, encontrando todo seu potencial particular. Não sou muito de criticar, de me revoltar, fico mais na reflexão e procuro expressar isto nos meus trabalhos, tanto urbano quanto em telas e arte digital.
BW: Já fez algum tipo de exposição do seu trabalho?
Mel Zabunov: Tenho participado de exposições coletivas muito especiais, dentro e fora do Brasil, tais como: “Coleta ABC”, que rodou todas a sete cidades, “Respirarte Expo” itinerante, “Expo Criança Com Cristo”, Bola de Neve em Ubatuba, “Mulheres Artistas de S.B.C”, na Casa 43, “B-Girl Empowerment Day” na Street House, em São Paulo, “Graf Word Magazine”, na Philadelphia (EUA), “BostonArtReview”, em Boston-Massachussetts (EUA), entre outros.
BW: Fale da importância do Graffiti como elemento dentro da Cultura Hip-Hop?
Mel Zabunov: O movimento Hip-Hop resgata o melhor de nós, como somos parte da natureza, envolvidos pelos 4 elementos orgânicos, assim é esta cultura, de dentro pra fora, naturalmente embalados pela dança, pelo ritmo, a poesia e o visual, todos os universos do movimento Hip-Hop se conectam e devem estar em total sincronia, o Graffiti é de grande importância, pois a explosão das cores, inspirações e até mesmo protestos colocam no mapa de forma visual, conectando e aproximando a cidade a esta importante cultura.
BW: O que significa o Graffiti para você?
Mel Zabunov: O Graffiti pra mim é uma forma de mostrar, estampar minha alma, de ser eu mesma, posso ser livre, pois só a arte me proporciona este poder.
Fotos: Arquivo Pessoal/The Sarará