Buscando melhores oportunidades B-Girl troca o Brasil pela França
Optar por sair de suas cidades no Brasil, de se afastar do aconchego da família e dos amigos para viver da profissão em outros país ou, até mesmo, para participarem de competições ou darem aula, é uma decisão difícil de se tomar, mas que tem se tornado cada vez mais comum nos últimos anos.
Um movimento lento mas constante, tem levado muitos dançarinos brasileiros de Breaking a deixar o país para investir na carreira profissional de B-Boys e B-Girls em diferentes países da Europa.
Fugindo do preconceito e da falta de perspectivas, eles cruzam o Oceano Atlântico em busca de novas oportunidades. Apesar de não existirem estatísticas oficiais que contabilizem o número destes brasileiros que vivem da dança no exterior, basta uma conversa com pessoas do meio para perceber que são muitos os que tomam essa decisão,
Essa semana conversamos com a B-Girl Paola, que junto com seu esposo B-Boy Kid Guma e o filho ainda pequeno, prepararam as malas e desembarcaram em Paris, na França.
Ela conta: “Dar um futuro melhor pro meu filho, uma qualidade de vida melhor me fez sair do Brasil”. A B-Girl confessa que sente falta de tudo e todos, menos das compras no Brasil, ela lembra que “na França com 50 euros é possível comprar bastante coisa e ainda voltar com dinheiro na bolsa”.
Confira a entrevista na íntegra que a B-Girl Paola deu ao Portal Breaking World:
BW – Queria que você falasse um pouco da sua história, onde nasceu e como foi a sua infância?
B-Girl Paola – Oi galera, meu nome é Paola, mais conhecida como B-Girl Paola, atualmente eu tenho 25 anos de idade, nasci em São Paulo, a minha infância foi com muita dificuldade, minha mãe muito trabalhadora, a minha irmã ajudou a criar a gente, nós éramos em 5 irmãos, mas éramos muito felizes, minhas brincadeiras eram jogar futebol, vôlei, empinar pipa, guerra de mamonas, carrinho de rolimã, virar estrelinhas, sempre gostei muito de me movimentar.
BW – Quando teve o primeiro contato com o Breaking? Como sua família reagiu quando você demonstrou o interesse de ser uma B-Girl? Com quem aprendeu a dançar Breaking?
B-Girl Paola – Comecei a dançar Breaking por meio de um projeto da “Escola da Família”, há 9 anos atrás. Minha família sempre me apoiou na minha carreira da dança. Minha mãe e meus irmãos sempre tiveram orgulho de mim; minha mãe, minha rainha, sempre me motivava a evoluir, a melhorar minha dança, mas no caminho encontrei pessoas que testavam a minha fé, dizendo que dançar era coisa de gente que não tinha o que fazer, que a dança não tinha futuro, pessoas que me aconselharam a parar de treinar certos movimentos no Breaking porque era coisa de homem, então, eu segui em frente e provei o contrário.
BW – Conte um pouco da sua caminhada como B-Girl no tempo que morou no Brasil. Que eventos participou aqui e fora?
B-Girl Paola – Por meio do Breaking eu tive oportunidades de trabalhar com pessoas reconhecidas na cena e fazer clips com Guizmo e Flash Zoom, na França e comerciais … Alguns trabalhos com Rashid, Nelson Triunfo, Mr. Kokada, já participei de eventos mas por enquanto nenhum fora, aguardo ansiosamente pelo primeiro “Camp” aqui fora.
BW – O Breaking é praticado por muitos homens, alguma vez se sentiu discriminada por ser mulher? Ou desrespeitada?
B-Girl Paola – Já me senti desvalorizada, porque a cena muitas vezes é machista e não percebe ou se percebe não quer mudar… Premiações menores, pressão por parte dos B-Boys para você entrar na cypher ou rachar contra outra B-Girl, ser comparada com homem (risos), desculpe, isso me faz rir.
BW – Acha que no Brasil os eventos valorizam as mulheres da cena? O que na sua opinião poderia ser diferente?
B-Girl Paola – Alguns eventos no Brasil foram feitos para B-Girls, mas poucos, né? Então, a maioria dos eventos não tem uma estrutura cabível ou não quer ter também o trabalho, eu acho, porque não reconhecem a força da B-Girl, o que desmotiva muitas meninas a continuarem… Uma estrutura justa em ambas as partes seria o certo!
BW – Você é casada com um B-Boy. Algumas B-Girls que são casadas com B-Boys relatam que sempre foram conhecidas como a mulher do B-Boy “Fulano” ou “Ciclano” e não por sua própria história ou por seu próprio nome na dança. Alguma vez você sentiu isso?
B-Girl Paola – Interessante essa pergunta, porque eu fui num campeonato uma vez e um B-Boy me apresentou para os amigos dele assim: “essa daqui é a esposa do Kid Guma”, eu mal esperei ele terminar de falar e já disse: “esposa do Kid Guma, não! B-Girl Paola! Não me apresente sobrepondo um homem para me fazer mais forte. Eu realmente não preciso, eu sou!”. Então, se você é B-Girl e um B-Boy ou qualquer outra pessoa te apresentar como “a esposa do Fulano”, você se impõe na hora e se apresenta como você se considera!
BW – Você já sofreu algum tipo de assédio dentro de eventos? O que você acha sobre esse assunto que muitas B-Girls relatam? Que conselhos daria?
B-Girl Paola – Todas as mulheres de alguma forma já sofreram assédio, o mal do homem é pensar que é superior. Essa é uma coisa que eu nunca vou entender, essa superioridade que os homens inverteram a respeito de si próprios.
BW – O que a fez sair do Brasil e se mudar para a França? O que foi para você ser B-Girl no Brasil?
B-Girl Paola – O que me fez mudar foi dar um futuro melhor pro meu filho, uma qualidade de vida melhor e também conhecer outras culturas, outras línguas. Ser B-Girl no Brasil é de certo modo normal, porque eu nasci aí enfrentando tudo para conseguir continuar, depois que eu vim para a França, eu percebi o quanto é difícil ser B-Girl no Brasil. Digo pela estrutura, pela qualidade de vida, acaba sendo muitas vezes cansativo porque além de ser B-Girl tem gente que é mãe, pai, que é obrigado a tomar rumos diferentes da dança.
BW – Como tem sido a vida de B-Girl em outra terra, ainda mais em tempo de Covid-19? E que desafios tem enfrentado?
B-Girl Paola – Quando eu cheguei na França, deu um mês e começou a Covid, então, todos os eventos foram cancelados. Viemos com Apolo, então, tivermos o triplo do cuidado. Como ficamos parados, deu uma desanimada, estava longe de amigos, em outro país e em quarentena. Ainda assim, no meio da Covid, consegui fazer um trabalho com um Rapper famoso aqui na França, o Guizmo. Agora que a pandemia passou por aqui e voltou tudo ao normal, estamos de volta com projetos, trabalhos e diversão.
BW – Você tem um filho pequeno, como consegue fazer todas as coisas? Ser B-Girl, ser esposa, ser mãe?
B-Girl Paola – Para ser B-Girl mesmo (digo treinar, sempre ir nos campeonatos, sair) a primeira palavra é força! Tem que ter força de vontade, não é fácil ser mãe, imagine treinar e ainda ser esposa, são duas pessoas diferentes que tenho que conviver e para cada uma delas…
BW – Na França você tem amizades com outras B-Girls?
B-Girl Paola – Tenho amizade com algumas B-Girls da América Latina que moram aqui e tenho falado com algumas que me inspiram.
BW – Como você analisa o nível em termos de competição das B-Girls brasileiras e as restantes de outras partes do mundo? Estamos num bom nível ou falta alguma coisa para termos boas representantes?
B-Girl Paola – O nível de B-Girls no Brasil é ótimo, só precisa de mais oportunidades para B-Girls mostrarem seu profissionalismo.
BW – O que significa o Breaking na sua vida? Já deu tempo de sentir saudade do Brasil? O que sente mais saudade e o que não sente falta?
B-Girl Paola – Significa liberdade, amor e paz. Significa manter o equilíbrio comigo mesma, significa identidade! Sim, deu tempo de sentir muita saudade de casa (risos) mas tenho meus objetivos, tenho uma vida cujo futuro depende de mim que é meu filho. Sinto falta de tudo e todos “menos de fazer compras (risos), aqui com 50 euros você compra bastante e ainda sobra”.
BW – O que tem feito na França? Quais são seus planos para o futuro?
B-Girl Paola – Passei pelo período da quarentena aqui, agora que acabou a quarentena, já posso participar de campeonatos e dar aulas. No futuro, quero ajudar as B-Girls que têm o sonho de competir fora, dar a elas um acesso.
BW – Que conselho você daria para as B-Girls da nova geração?
B-Girl Paola – Se estiver cansada pare, se dê um tempo, mas não desista, continue em movimento, sempre em movimento.
Fotos: Arquivo Pessoal