O Rap Nacional pulsa no Portal Breaking World
Esta semana comemoramos o “Dia do Rap Nacional”, graças à Lei 13.201/2008, o Portal Breaking World, comemora esse dia apresentando uma entrevista lendária feita por nossa editora com o MC e letrista W-Yo, do grupo “RPW”, em 2009.
Sem dúvida, o Rap brasileiro é um divisor de águas, seja pelas inovações musicais ou pela capacidade de dar voz às pessoas, mostrando sua visão de mundo sobre a realidade e se fazendo visível e atuante numa sociedade que insiste em negá-la e renegá-la ao silêncio.
O grupo “RPW” cumpriu sua missão e deixou um legado para a nova geração. Obrigada Rubia, DJ Paul e W-Yo pelo trabalho de vocês. Vamos em frente, viva o Rap Nacional!
Leia a matéria:
BW – O grupo “RPW” foi criado em 1991, correto? O que faziam antes da união? Já eram amigos? Conte um pouco da história de vocês. E quando tiveram o primeiro contato com a música?
W-Yo – Nascido e criado em “Sampa” mesmo, aos 13 anos já tocava bateria em uma banda de Thrash Metal, aliás, conheci a Black Music pelo Rock (B.B. King, Louis Armstrong, Chuck Berry e outros). Aos 15 anos, na extinta casa “Toco” (Zona Leste de São Paulo), um dia, ouvi e vi o vídeo clipe traduzido do “Public Enemy – Fight the Power”, foi o que precisava. Voltei pra vila lembrando o nome do grupo, depois, conheci “Racionais MC’s” (Holocausto Urbano) e disse: É isso que quero fazer! Já tinha o dom da rima e comecei a aprimorá-la enquanto saía para pichar, de 1987 a 1992, com meus amigos, fazia Raps com os nomes dos pichadores da época. Montei meu primeiro grupo, “Crime Perfeito” e comecei a me apresentar aqui no lado oeste, aí o produtor Fabio Macari me apresentou para a Rubia e comecei a dançar para ela, logo depois, como escrevia também, ela me deixou fazer alguns backings, até adquirir independência no grupo.

BW – De quem foi a ideia de formar um grupo de Rap? Como era rimar nos anos 90? Tinha alguma diferença do que é feito hoje?
W-Yo – Sem dúvidas, o nosso primeiro hit (“Pule ou Empurre”), montamos junto com o Fabio Macari no meio da sala da minha mãe, deck de rolo, loops emendados com esmalte, quando com muita conversa o DJ Armando Martins (“Projeto Rap Brasil – Metrô FM”), começou a tocá-la. Lembro que íamos todos, cada um de um orelhão (de ficha… risos) ligar pra pedir a música, inventávamos nomes e bairros diferentes para que o som rolasse com frequência (risos e um gole na cerveja).
BW – Houve influências no trabalho de vocês? De quem ou de que grupos? O que vocês escutavam?
W-Yo – (Um gole) Sem dúvidas, RPW é original e criou o estilo “Bate-Cabeça” no Brasil pela diversidade de influências, cada um dos três veio e curtia uma época, então somamos tudo, minha contribuição veio com o Rock, Hardcore, Rap e Crossover. Como vivi a época Skate Punk no final dos anos 80, trouxe e incluí muitas influências de sons que curti e curto até hoje.
BW – No seu caso é verdade que foi pichador no passado? Que lembranças tem dessa época? Porque escolheu a sigla M.O.R.T. na época e como foi a mudança para W-Yo?
W-Yo – Legal! (risos) Então, na verdade comecei com esse vandalismo em meados de 1985/86, com canetão nos bancos de ônibus trabalhando como office-boy, depois, “evoluí” quando um amigo do colegial me levou para o “point”, na época era o Mc Donald’s do Borba Gato, lá comecei a sair para pichar com spray e me “profissionalizei” (risos). A sigla era uma música da minha banda “Madness Of Riot Testy” (cantávamos em inglês), tenho mais lembranças boas do que ruins, amigos até hoje, já com filhos e filhas como eu, na rua e madrugada aprendi muito as regras do jogo e a nota triste foi ir pra “Febem” e minha mãe me ver naqueles trajes, foi foda, jamais esquecerei. Daí, quando o W-Yo surgiu, comecei a conciliar as duas “pessoas”, sempre agradeci os pichadores, que são uma fatia grande do nosso público até hoje e tem muito pichador que me conhece mas não sabe que eu sou o W e muito rapper que pica e não sabe que eu era o M.O.R.T. (risos).

BW – O grupo teve importantes participações em grandes shows. Pode falar dessa época, dos principais eventos e baladas?
W-Yo – Poxa… (um gole)… Graças a Deus foram vários eventos e grandes shows, lembro de alguns: ser o primeiro grupo de Rap paulista a cantar no extinto “Olympia”, na abertura para o “Cypress Hill” na primeira vez que eles vieram para o Brasil, junto com o “Planet Hemp”. Ganhar o prêmio “DJ Sound Award’s 95” na categoria de melhor grupo de Rap nacional, onde uma atriz global (não lembro o nome… risos…) nos entregou o prêmio e nos divertimos muito nessa noite no “Tom Brasil”. O festival no campo de marte, “300 anos de Zumbi” com vários outros grupos. O clássico evento no extinto palco do Vale do Anhangabaú, onde caiu “mó chuva” quase no final. Participar da primeira edição do “GAS Festival” no palco Skate junto com a banda “Strike”. Cantar no “Mundial Brasileiro de Skate” no Ginásio do Ibirapuera, e assim vai…
BW – Vocês criaram o “Estilo Bate-Cabeça” no Rap Nacional, como foi isso? Explique esse estilo para quem não conhece. Receberam muitas críticas na época?
W-Yo – Sim, nós o criamos aqui no Brasil, isso foi devido a influência do grupo americano “Onyx”. Como já vim do Thrash Metal, acostumado com o fluxo entre público e artista, quando no Rap vi que na maioria das vezes, o que o MC falava, o público só confirmava, mas sem muito entusiasmo, daí pensei: Porque não fazer isso no Rap também?!? Aí quando vi o clipe da música “Slam” (“Onyx”), falei: é isso aí! Escrevi a letra de “Pule ou Empurre” no ônibus e cheguei no ensaio com base e tudo… risos… Apresentei pra Rubia e o Paul, no começo eles torceram o nariz, mas aí foram vendo que era o começo de uma nova tendência, aí começamos a fazê-la nos shows e a receptividade começou a fluir como eu queria, isso antes de gravá-la, em cima de base gringa mesmo. Demos o nome de “Bate-Cabeça” (todos pulando e se batendo no bom sentindo, mais com consciência, sem fazer disso uma briga) e a principal ideia é justamente fazer esse “funnyfluxo” divertido entre artista e público, dando chance a todos de curtirem o show, como se sentir bem. No começo houve várias críticas de resistência como: “Isso não faz parte do Hip-Hop”, “isso é só modinha, vai passar”, “o Rap não é brincadeira” e assim foi. Precisamos em uma época fazer um show com Thaíde e GOG no antigo “Santana Samba”, para apaziguar os bate-cabeças e os breakers, pois quando abria a roda, uns queriam moinho de vento e outros pular (risos). Na maioria dos shows também, tínhamos que pedir para quem fosse curtir, tomar cuidado com quem queria ficar de boa nos cantos para não dar briga, parecia manual de instrução (risos).
BW – Fale sobre a discografia do grupo, das músicas de trabalho e das participações especiais. Qual a música do “RPW” que foi mais conhecida e difundida nas rádios?
W-Yo – Orra! (dois goles grandes) Essa foi pesada heim!? (risos). “Coletânea Mov. Hip-Hop” (1992), “Pule Ou Empurre 12” (1993), “RPW… Está Na Área” (1996), “RPW Ao Vivo” (1996), “A Luta Continua, O Real Bate Cabeça” (2000) e “Talento Não Morre, Recicla” (2006). Essa é a discografia original, fora inúmeras outras coletâneas, muitos hits cravados desses álbuns e participações nas produções, como nas músicas, somam nomes de peso como: “Branco”, “Ugly C.I.”, banda “Ambulância”, banda “Calibre 12”, “DJ KLJay”, “Nill”, banda “Maguerbs”, “Thunder (ex P9)”, “DJ Cia”, “CCO” e algumas outras.

BW – Como ficou a formação do grupo depois da saída do DJ Paul? Como foi a adaptação e aceitação do público?
W-Yo – Certo, na verdade eu e a Rubia optamos por duas formações do “RPW”, a primeira forma mecânica clássica, somando nós dois e um DJ contratado. Outra é com banda nos lugares e festivais que deem estrutura para isso, achamos interessante porque o “RPW” sempre tocou em festivais e campeonatos de Skate com outras bandas e as vezes a potência do som mecânico não chegava igual acústica e agora é de igual pra igual, essa formação de peso é: Oscar Cake na bateria (banda “Calibre 12”), Ricardo Q-Pam e Tobéx, respectivamente, guitarra e baixo (banda “DeCore”). Quanto ao público, num show de estreia dessa formação na casa Hangar 110 em São Paulo, curtiram e aprovaram, pois, sempre fizemos crossovers com bandas e usamos samples sujos com guitarras.
BW – Em uma entrevista, você falou sobre “A perda do respeito da hierarquia da história pelos jovens que estão começando”. Declarou: “Isso pode prejudicá-los no futuro e pôr em vão toda a correria que foi feita por nós lá atrás. Quem está chegando agora precisa de referências, o que não está acontecendo”. Acha que esse problema ainda ocorre? Como vê o Rap que é feito hoje? O que considera bom e ruim?
W-Yo – Sem dúvidas (gole), isso ainda ocorre, pois com a facilidade que a tecnologia moderna dá às pessoas que querem fazer Rap, a maioria faz um trabalho mal elaborado e sem qualidade, na ansiedade de ter “algo gravado” e também faz o jogo da gravadora monopolizadora (105FM) a “Telefônica do Rap”, vendendo às vezes até carro ou algo assim para tocar por um mês e nisso sem perceber, cai nos braços dos mercenários, não se importando com a base sólida da história, hoje o Rap está definhado, perdido. O que era o termômetro hoje não é mais nada, os interiores paulistas e outros estados um dia debochados por muitos, crescem (como nunca pararam) e mostra à nave mãe como se pode trabalhar de uma forma humilde e sem demagogia. Bom? A internet hoje conecta Rappers do mundo todo para fazer música e eu sou prova disso, com parcerias com China, Hungria, República Dominicana, Espanha e Alemanha. Ruim? A nova rapaziada chegar agora, sem referência nacional como nós dos anos 90 temos e com isso não conseguiram dar sequência na corrida, o bastão foi passado mas caiu no chão, tocar na rádio não é ser artista (lembro do Facção: “Artistas de um mundo que não existe…”). Enfim, o Rap em São Paulo está um lixo!
BW – No passado, “Urbania” era um lugar para fazer música e rever os amigos? Comente.
W-Yo – Nossa! (outro bom gole) “Muiiiiiiiiiiiito bom” sempre falar do “Urbania”, uma casa diferenciada dos anos 90 em SP, destinada a molecada Skatista, que curtiam um bom som alternativo e queriam extravasar no fim de tarde de domingo. Foi lá que nos apresentamos a primeira vez para Skatistas de verdade, antes de gravar a “Pule Ou Empurre”, lá criamos nossa personalidade musical e nosso público direto, o alternativo. E gravando o primeiro disco (“Pule Ou Empurre”), não pensamos duas vezes no local de lançamento, a Alva Footwear e a Dekton Skates, que nos patrocinavam na época, garantiram os cem primeiros fãs a entrar de graça no pico e podendo ainda fazer uma sessão no mini ramp ao lado do palco, foi uma tarde frenética e hoje temos contato direto com esse mesmo público nos campeonatos de Skate de todos segmentos, festas de marcas, lançamentos de DVD’s, revistas do gênero e inaugurações de pistas de skate.

BW – Como você vê o movimento Hip-Hop? Acha que no caso do Rap ainda existe muito a se conquistar?
W-Yo – No caso do Brasil, sempre teremos muito a conquistar, estamos avançados até, mas o ego e o orgulho nos impede e muito de sermos muito mais fortes, nem temos noção disso.
BW – Fale sobre os clipes do grupo. Onde foram feitos e transmitidos.
W-Yo – O primeiro clipe oficial do grupo é a música “Pule Ou Empurre”, de 93, aí saíram também o “RPW Está na área”, para um programa esportivo de canal fechado e muitos outros independentes disponíveis no canal YouTube.
BW – Sobre um dos trabalhos de vocês, o que quiseram dizer com “Talento não morre, recicla”?
W-Yo – O título surgiu de uma conversa entre o grupo, e falávamos sobre a necessidade de se reciclar e renovar. Daí surgiu a frase e casou perfeitamente com o que queríamos transmitir ao nosso público. Que o talento é eterno e se renova. As participações foram do “Branco”, que somos fãs de carteirinha, na música “Estilo de Vida” e as produções dos DJ’s Cia e KLJay. Foi muito divertido e legal a gravação desse último álbum, pois tivemos experiências com produtores que nunca tínhamos trabalhado antes, estilos diferentes e amigos de longa data.
BW – Em todos esses anos, o que gostariam de esquecer para sempre?
W-Yo – Esquecer… hummm… Acredito que o estresse interno do grupo que tivemos no show de lançamento do disco “Sobrevivendo No Inferno” do “Racionais”, no “Ginásio do Corinthians”, onde o cronograma foi alterado de última hora e deixando o penúltimo bloco que eram “RPW”, “Doctor MC’s”, “Consciência Humana” e “GOG”, se não me engano, para último bloco após os shows de “Thaíde” e “Racionais”. Isso foi foda, tocar para umas 100 fiéis pessoas das 5.000 que estavam no local, com luz acesa e rapaziada desligando os cabos, afetou nosso psicológico e quase acabamos o grupo. Mas ainda bem que fomos fortes.
BW – Deixe um salve para os nossos leitores!
W-Yo – Quero agradecer ao nosso público fiel que sempre nos acompanhou, minha eterna gratidão! E pedir pras guerreiras e guerreiros do Hip-Hop que não abandonem a causa e nem deixem a cultura se perder. O futuro está nas mãos de vocês, eu em breve me aposento! Abraços! A toda equipe do portal pelo convite e atenção, importante esse trabalho continuar com personalidades da velha escola, assim os novos conseguem saber um pouco mais da história que foi feita e quem levou tapa na cara por eles, não peço amém, mais sim um pouco de respeito! A todos Skatistas, Pichadores, Grafiteiros, Tatuadores, Punks, Heavys, Darks, Surfistas, enfim, todos que direta ou indiretamente apoiam “RPW”. Aos fãs que a internet nos apresentou no mundo, como na Alemanha, Japão, China, Espanha, Hungria, Argentina, Austrália e Portugal… Qualquer dia estaremos por esses lados, U.B.C. até o fim… Abraços, beijos, muito sexo, cerveja, Skate, Rap e Hardcore, sempre!
Em 2017, depois de 25 anos de trabalho, o lendário grupo de “Bate-Cabeça” anunciou em sua “fanpage” o fim dos trabalhos, escreveram: “RPW é esse ciclo, que hoje se encerra, após 25 anos de trabalho em conjunto, companheirismo e muita vontade de mudar a vida das pessoas através da música. Se alcançamos o objetivo, não sabemos, mas com certeza a vida de Rubia, DJ Paul e W-Yo se transformaram graças a esse intenso e belo ciclo chamado RPW. E cada um levará a bagagem adquirida para seus projetos individuais daqui pra frente, sempre com muito respeito aos fãs e principalmente ao Hip-Hop, essa grande mãe que salvou e salva vidas pela arte e militância”.
Na semana do “Dia do Rap”, no ano de 2020, é uma honra para o Portal Breaking World republicar essa matéria feita por nossa editora, que na época era só uma repórter! Salve W-Yo e “RPW” pela oportunidade e vida longa ao Rap Nacional!
Fotos: Cristina Sininho Sá/Reprodução
- "RPW" viajou por todo o país
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