O Graffiti precisa continuar com a nova geração
“Precisamos aceitar a nova geração, ensinar tudo o que aprendemos e também ouvi-los e aprender com eles. Essa geração tem acesso a coisas que não tínhamos. Teremos ótimos resultados com grandes chances de sair trabalhos magníficos por meio também da tecnologia.” (Xall)
Graffiti vem da palavra italiana “graffito”, que significa literalmente “escrita feita com carvão”. O grafitismo é considerado uma arte de rua elaborada a partir de uma técnica mais complexa. Ele representa um ramo das artes visuais.
No Brasil, essa arte teve visibilidade no final da década de 1970, especialmente no Estado de São Paulo, influenciada pela cultura norte-americana. Na época, vivíamos um período marcado pela censura provocada pela ditadura militar, por isso, os grafiteiros foram extremamente corajosos e transgressores.
De São Paulo a arte foi se espalhando, aos poucos, para outras cidades e estados do país. Norman Mailler, um consagrado escritor norte-americano, definiu o Graffiti como: “uma rebelião tribal contra a opressora civilização industrial”. A verdadeira resistência junto com os outros elementos do Hip-Hop.
Pensando na importância do Graffiti para a cena, o Portal Breaking World pretende trazer vários olhares e experiências sobre esse elemento tão importante na Cultura, mostrando quem são esses artistas.
Hoje conversamos com o grafiteiro Xall, do litoral de São Paulo, da cidade de Peruíbe. Confira nosso bate-papo com esse artista caiçara:
BW – Queria que você falasse um pouco da sua história, da sua infância e como foi seu primeiro contato com a Cultura Hip-Hop?
Xall – Minha infância e juventude foi em Ana Dias, distrito de Itariri, descalço de cachoeira em cachoeira e pedalando até a praia de Peruíbe. Conheci o Rap por meio de fita cassete com alguns amigos, no rádio da minha mãe colocávamos “509-E”, “Racionais MC’s” e “MC Barriga”. Nessa mesma época, eu já era conhecido na diretoria por “rabiscar” as mesas da classe e fui expulso diversas vezes, passeando por todas as escolas da região.

BW – Com que idade você começou a grafitar? Alguém te ensinou essa arte? Tem referências no Graffiti, nomes que você admire? Pode citar?
Xall – Eu já pichava desde os 14 anos. Sempre me interessei por arte de rua e os poucos desenhos que tinham nos muros de Peruíbe me atraiam. Sempre fui ligado em desenhos, e apesar de levar muitas broncas pelos rabiscos, também me destacava na escola nos trabalhos. Em 2007, eu estava no meu último ano e causando problemas pichando a escola, o diretor na época me deu a oportunidade que eu não tive em outros colégios. Pude fazer meus primeiros Graffiti na escola, durante o programa Viva Japão, mas sem nenhuma orientação de alguém da cena. Fui aprendendo sozinho.
BW – Fez algum tipo de curso para aperfeiçoar suas técnicas?
Xall – Me distanciei do Graffiti por alguns anos, devido as adversidades da vida. Aos 24 anos eu estava de passagem por Campinas, quando vi alguns trampos do Dime e do Moai nas ruas. Os desenhos me despertaram a vontade de pintar novamente. Ao procurar material na cidade, conheci a “Graffiti Shop New Family Crew” e conheci os caras por trás dos rolês que eu tinha curtido. Voltei para Peruíbe à milhão, soltando vários bombs. Um ano e meio depois, soube que os caras da “NFC” fariam um workshop. Decidi participar e valeu a pena todo o conhecimento e técnicas que os caras me passaram.

BW – Como você define o Graffiti que você faz e seu estilo?
Xall – Gosto de pintar letras, sempre com muitas cores e inserindo elementos. Minhas letras estão em constante mudança e evolução, pois busco sempre acrescentar novas técnicas e personalidade. Meu estilo é a mescla de wild style, bomb e piece.
BW – Alguma vez você teve apoio de alguém da prefeitura da sua cidade ou de outras cidades do litoral?
Xall – Em Peruíbe, temos pouco incentivo à Cultura Urbana, as atividades relacionadas ao Hip-Hop são em grande maioria iniciativas independentes, sem o apoio da prefeitura. Estive na organização da “Batalha do Boca” (batalha de rimas) durante 2 anos e organizo o “MGS Convida” (evento livre e independente de Graffiti), ambos em Peruíbe, sem esperar por apoio da Prefeitura. Hoje atuo como conselheiro na “Casa de Cultura de Itariri” e a expectativa é apoiar para que artistas já consagrados venham pintar na nossa região e que inspire novos desenhistas.
BW – Que oportunidades têm para quem grafita no litoral de São Paulo?
Xall – Ainda não há consumo de arte de rua na minha região, as oportunidades são poucas por aqui. Atuando na “Casa da Cultura” eu pretendo mudar esse cenário. Faço parte da “OGS CREW” (Organização Graffiti Santos) que me abriu as portas para diversas oportunidades, entre elas pintar por várias vezes em eventos com estrutura, organização e público muito receptivo à arte.
BW – Fale um pouco do que anda fazendo atualmente e do seu trabalho.
Xall – Estou focado em aprimorar as minhas letras, enquanto busco movimentar a cena na minha quebrada, trazendo grafiteiros para colorir as ruas e becos de Itariri. Quero despertar nos jovens da minha quebrada o interesse pela arte, acredito que ao ensinar, sempre aprendo muito. Com a “OGS” estamos desenvolvendo diversos painéis temáticos onde a crew interage letras e personas, cada um com o seu estilo.
BW – Em que partes da cidade, das ruas, tem Graffiti seu?
Xall – Em Peruíbe tenho painéis em todos os lugares, nas quebradas, centro e principais pontos como o bairro da Estação e orla da praia. Gosto de fazer bombs em portas de aço. Um dos meus trampos mais recentes foi as costelas de baleia, na popular Praça Redonda. Tenho arte dentro de diversas escolas da minha região e outras cidades da baixada [santista].
BW: No seu Graffiti, você costuma abordar que temas?
Xall – O tema das minhas artes variam de acordo com o meu humor, a região que estou pintando e os acontecimentos recentes. Pintei o ponto de ônibus da minha quebrada em Ana Dias, fiz uma flor com tons vibrantes e alegres, pois conheço a rotina do trabalhador que depende do transporte público em nossa periferia rural. Da mesma forma que busco causar o impacto positivo, também procuro incomodar a gestão da cidade, quando alguns acontecimentos indignam, em frente à prefeitura de Peruíbe pintei e deixei mensagens contra a gestão atual, que em uma atitude infeliz tinham retirado os carrinhos de reciclagem das ruas, apenas por que atrapalhavam a estética que os “ricos” gostam. Parece que deu certo, pois tenho visto muitos carrinheiros por toda a cidade.
BW – Já fez algum tipo de exposição do seu trabalho?
Xall – Já tive alguns convites, mas não cheguei a expor. Estamos alinhando com a “Casa da Cultura de Itariri” para fazermos uma exposição na cidade.
BW – Você já esteve na “gringa”? Pensa em levar seu trabalho para fora do Brasil?
Xall – Ainda não tive a oportunidade de ir para outros países, mas tenho sim uma vontade de pintar lá “fora”. Conheço alguns artistas do Chile e Uruguai, e sim, acredito que em breve virão novidades nesse sentido.
BW – Fale da importância do Graffiti como elemento dentro da Cultura Hip-Hop?
Xall – O Graffiti assim como todos os outros elementos é fundamental para o Hip-Hop, acredito que um evento completo tem que ter todos os elementos. Assim como fizemos com a “Batalha do Boca”, que começou com 5 pessoas e partir da 6ª edição conseguimos incluir as Batalhas de Breaking, Graffiti e DJ’s. Foi algo tão verdadeiro que pudemos contar com as presenças dos ilustres King Nino Brown e Nelson Triunfo. Para resumir, não existe Hip-Hop sem o Graffiti, sem Breaking, Rap e DJ. Somos uma potência juntos desde os anos 70.
BW – O que significa o Graffiti para você?
Xall – O Graffiti, para mim, tem uma importância enorme, pois foi por meio das tintas que eu consegui aos poucos encontrar um objetivo para a minha vida. Antes do Graffiti, eu tive problemas com a justiça e com o abuso de drogas. Por isso, continuo mesmo sem muito apoio, lutando para levar essa cultura adiante. Quantos iguais a mim, que gostam de desenhar, dançar, compor ou produzir e têm apenas as influências que deram errado na vida? Acredito que se eu tivesse conhecido outros artistas quando eu era mais novo, teria evitado muitas coisas ruins que me aconteceram. Antes de concluir, gostaria de destacar a necessidade de aceitarmos a nova geração, ensinar tudo o que aprendemos e também ouvi-los e aprender com eles. Essa geração tem acesso a coisas que não tínhamos. Teremos ótimos resultados com grandes chances de sair trabalhos magníficos por meio também da tecnologia. O Hip-Hop está evoluindo e como em toda evolução sai algumas coisas ruins, porém, tem muito mais coisas boas, vamos continuar acreditando nas crianças e nos adolescentes, que muitas vezes são esquecidos por já terem uma certa maturidade. Enfim, continuaremos a lutar por nossos direitos e manter nossas conquistas.
Fotos: Arquivo pessoal e Fotógrafo Duh Oliveira