Kika Maida: a primeira B-Girl brasileira
Não era coisa de uma moça de família vestir agasalho da Adidas, tênis com cadarços grossos e coloridos e andar acompanhada de uns 20 homens em plena luz do dia na década de 80. Por um outro lado, para ser respeitada na cena, já dizia Dina Di em algumas entrevistas, era importante passar uma imagem masculina para ter respeito, ter que seguir um tipo de vestimenta e postura, pois só dessa forma seria verdadeiramente vista e levada a sério, coisa que jamais aconteceria se a mina tivesse uma postura mais doce e usasse vestidos.
Enfrentar o preconceito, esconder tudo da família, escolher as calças ao invés dos vestidos: era resistir a tudo e a todos! Encarar olhares críticos da sociedade, os machistas que falavam o tempo todo muitas vezes sem dizer uma única palavra, não era para qualquer uma! Não, não era! Mas sim para as guerreiras, verdadeiras “Divas do Hip-Hop”!
No elemento Breaking elas também escreveram história e mesmo não sendo a maioria até hoje, sempre deixaram a cena mais bonita, viva e completa!
O Portal Breaking World apresenta uma entrevista exclusiva com a B-Girl Kika Maida, também conhecida como a primeira B-Girl do Brasil. Vale conferir:
BW – Fale onde nasceu. E quando teve o primeiro contato com a Cultura Hip-Hop?
Kika Maida – Nasci em São Paulo, Brasil e meus pais são bolivianos, minha mãe, dona de casa e meu pai, era ourives e cantor de bolero. Minha infância foi muito tranquila, na época eu era muito tímida. Na adolescência, eu dançava Funk de James Brown, meu primeiro contato com a Cultura Hip-Hop se iniciou em meados do anos 1980, quando conheci um grupo de dançarinos na Estação Tiradentes do Metrô. Eu os vi dançando e fiz amizade com eles. Nesse mesmo dia, os “urubus” pediram para nós sairmos do Metrô Tiradentes. Foi aí que o João Break teve a ideia de irmos para a São Bento. Quando conheci a São Bento, meu coração dizia: “É aqui que temos que ficar”. Foi dessa forma que surgiu a São Bento e tudo que conhecemos hoje!

BW – Com quem aprendeu a dançar Breaking? E quantos anos tinha? Quem eram suas referências na dança naquela época?
Kika Maida – Com 14 anos, eu aprendi a dançar Breaking vendo os meninos dançarem. Os B-Boys eram o João Break, Luizinho, Wilson, Hélio, Paulo Cabeção e o Deilton. Eu não tinha nenhuma referência na dança, com o tempo apareceu o filme “Beat Street” no cinema e aí conheci a Baby Love.
BW – Uma mulher que estava no meio de tantos homens dançando Breaking. Como sua família via isso naquela época?
Kika Maida – Minha família nunca soube que eu andava com 20 meninos.
BW – Você sofreu algum tipo de discriminação fora e no meio do Breaking por ser B-Girl?
Kika Maida – Na sociedade eu era, sim, discriminada, por dançar o Breaking, por andar de agasalho com vinte homens. A maioria dos B-Boys me tratavam como uma irmã, cuidavam de mim. Já outros B-Boys ficavam na deles, só observando!
BW – Como era sentida a presença de uma mulher, de um B-Girl no meio da roda de Breaking?
Kika Maida – Alguns B-Boys me admiravam, outros me ignoravam. Mas a maioria gostava muito da minha presença e admirava a minha coragem, num tempo bem diferente do que vivemos hoje.

BW – Alguma vez você sofreu algum tipo de assédio? Esse problema é antigo entre B-Boys e B-Girls?
Kika Maida – Nunca sofri assédio pelos seguintes motivos: eu tive uma educação e foi muito rígida. Eu era bem séria e ficava rodeada de homens que me respeitavam.
BW – Muitas mulheres do Breaking reclamam de serem conhecidas como a mulher do B-Boy “X” ou a mulher do B-Boy “Y”, mas quase nunca pela própria história. Isso aconteceu com você?
Kika Maida – Sim, no passado. Antigamente, sim, eu era conhecida por ser a mina do Thaíde. Hoje não. Eu sou a Kika Maida.

BW – Fale da sua Crew. Quantas pessoas tinha? E como eram aqueles dias da efervescência do Breaking da década de 80?
Kika Maida – Minha Crew era a “Back Spin”, éramos 9 dançarinos. A década de 80 foi o auge do Breaking, então, todos queriam dançar achando que seria uma modinha. Houve momentos emocionantes, como rachas entre Crews, mas também houve muitas brigas. Um momento que marcou muito para mim foi o “racha” da “Back Spin” contra “Nação Zulu” na São Bento, eu fiquei nervosa, pois a Crew “Nação Zulu” dançava muito. Os rachas sempre eram emocionantes!
BW – Como eram os encontros na São Bento, como era a vibe? E como a sociedade reagia a tudo isso?
Kika Maida – Os encontros da São Bento eram emocionantes. Eu não via a hora de chegar sábado para me encontrar com os meninos. Com o passar do tempo, a vibe foi ficando cada vez melhor, pois havia mais B-Boys frequentando a São Bento e, dessa forma, tínhamos mais informações, mais conhecimento, novos movimentos de dança, mais amizades. A sociedade nos olhava de forma crítica, pois nós usávamos agasalho e, nessa mesma época, os malandros que hoje são chamados de “noias” também usavam agasalho. Mas éramos dançarinos de fim de semana e durante a semana nós éramos trabalhadores. Nos anos 80 você não via B-Boy fumando ou bebendo. Éramos “geração saúde”.

BW – Que outras mulheres faziam parte da cena naquela época? Pode citar algumas que fizeram história aqui em São Paulo?
Kika Maida – No ano de 1980, não havia mulheres dançando Breaking no Brasil. Em 1987, entraram duas B-Girls na “Back Spin”, que se chamavam Celina e Renata. Nesta mesma época, conheci a Baby da “Fantastic Force” e a Bety também, que dançavam muito bem.
BW – Muitos B-Boys do passado sofreram agressões da polícia. As mulheres também passavam por isso?
Kika Maida – Nunca tive problema com a polícia. Quando eu voltava com os meninos das baladas, os policiais nunca me tocaram.

BW – Me fale um pouco sobre o modismo da época e como as B-Girls se vestiam para dançar naqueles dias?
Kika Maida – Na década de 80, nosso modismo era um agasalho da Adidas, além de um tênis da Adidas com cadarço colorido e grosso.
BW – Você chegou a se relacionar com alguém da cena? A namorar?
Kika Maida – Namorei com o rapper Thaíde, eu era muito guerreira e eu o ajudei a chegar onde chegou, também fui casada com uma pessoa que não era do Breaking.
BW – Você teve filhos? Como foi essa parada para ser mãe? E depois, como retornou ao Breaking?
Kika Maida – Tenho uma filha chamada Stella, não foi fácil cuidar dela, pois chorava o dia inteiro, mas ser mãe é deixar algumas coisas de lado e viver plenamente para os filhos. Foi isso que fiz e essa é a experiência que tenho. Me separei do pai da minha filha e veio na minha mente a ideia de voltar a rever os amigos, ouvir as músicas que tanto amava. Um belo dia, andando no centro da cidade, vi três crianças pedindo dinheiro ou comida e eu somente olhei e não contribuí com nada… Decidi, então, mudar de profissão para ganhar mais e ajudar o próximo. Decidi ser rapper. Dessa forma voltei para a cena.
BW – Passado os anos, como você vê as B-Girls e os B-Boys atuais da nova geração? Muita coisa mudou?
Kika Maida – Vejo os dançarinos como se fossem meus filhos, com muito orgulho… Mudou tudo! A forma de dançar, as roupas, antes era racha hoje é competição, antes era intuição hoje é conhecimento, antes era papelão hoje é decorflex. Antes era rua agora é academia e eventos. Enfim tudo mudou!
BW – Que lembranças guarda de dias que não voltam mais?
Kika Maida – Em 1987, eu e minha Crew “Back Spin” e a “Nação Zulu” participamos de um seriado no canal dois, chamado “Luci Puma: a gata da pesada”. Em comemoração a esse seriado, os cariocas pagaram para as duas Crews passagem e hotel para ficarmos dois dias no Rio de Janeiro, pois haveria uma grande festa. Chegando na festa éramos 35 mais ou menos, havia inúmeros B-Boys cariocas, como uns 90. Abriram a roda e nos chamaram para um racha, São Paulo x Rio de Janeiro. Quando estávamos perdendo me jogaram na roda… E aí o que aconteceu? Dancei em cima e depois fui para o chão, todos me aplaudiram. Ficaram impressionados comigo! São Paulo venceu e naqueles dias da década de 80, eu fiz a diferença como B-Girl. Toda vez que eu me lembro desse acontecimento me emociono muito.
BW – O que significa o Breaking na sua vida?
Kika Maida – O Breaking para mim é tudo, envolve muito amor, paz e respeito.
Fotos: Arquivo Pessoal
- Kika Maida fez história no Breaking brasileiro
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