Política de empoderamento para o Breaking na perspectiva de gênero

Em nossa atualidade, reflete-se pouco acerca da formação e da permanência do feminino dentro do universo Hip-Hop, uma vez que a grande maioria dos precursores dessa arte são pessoas do gênero masculino e heterossexuais. Pensar o corpo feminino dentro da cultura Hip-Hop, com suas nuances e performances, seria uma forma de desnudá-lo sem as amarras das normas da sociedade. Dado que essa cultura funciona como forma de construção política da voz, mas diante do contexto histórico em que estamos inseridos, demanda-se tecer nossas narrativas a fim de (re)criar encaminhamentos para a construção de uma política do empoderamento para o Breaking na perspectiva do gênero.
Para tanto, necessita-se compreender que o primeiro confronto do ingresso e permanência de mulheres na cultura é o reconhecimento que se dá pela sua participação, sendo que seu espaço de validação é a rua e a noite, historicamente é o lugar de marginalização das mulheres, principalmente as de cor. O segundo confronto é dentro da dança, a mulher passa pela batalha do próprio corpo educado na delicadeza, rompendo com os valores femininos que proíbem as meninas de dançar até o chão ou de se expressarem com movimentos bruscos, fortes e compulsivos.
Parece-me fundamental (re)pensar acerca de como essas formas de controle refletem na constituição das nossas famílias, uma vez que, “politicamente, o Estado patriarcal, supremacista branco, toma a família como base para doutrinar seus membros com valores favoráveis ao controle hierárquico e à autoridade coercitiva”.
Promover a desconstrução de gênero dentro de nossa sociedade racista e sexista, possibilita o rompimento desse ideal de família que tem servido como forma de controle do Estado. Isso tem sido uma das pautas do feminismo negro interseccionado, em que prioriza-se o combate aos estereótipos ou imagem de controle por meio de uma política sexual, como forma de romper “a conspiração do silêncio” sobre o abuso físico e emocional, sobretudo de mulheres negras.
A luta pela igualdade de gênero faz parte das metas da “Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável”, adotada no ano de 2015, para o alcance da igualdade de gênero que estão concentradas no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e transversalizadas em outros 12 objetivos globais, definidos pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Nesse sentido, a ONU Mulheres lançou a iniciativa global “Por um planeta 50-50 em 2030: um passo decisivo pela igualdade de gênero”, com compromissos concretos assumidos por mais de 90 países. O Brasil foi um dos primeiros países a aderir à iniciativa, por meio da sanção da tipificação do crime de feminicídio. Nosso histórico de violências que recaem sobre o corpo da mulher e principalmente da mulher preta são refletidos em histórias de lideranças, como Beatriz Nascimento, Marielle Franco e tantas anônimas que se foram, vítimas desse “feminicídio à brasileira” que está em uma crescente em nossa atualidade. Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, mostram que a maioria das vítimas são pobres e negras, ou seja, há um recorte nesses índices de classe e de raça.
Diante disso, vale ressaltar que, todos os dias, temos notícias dos diversos tipos de violências que recaem sobre o corpo da mulher. Consequentemente, não é diferente dentro da cultura Hip-Hop, especificamente na dança Breaking, a maioria das mulheres em diálogo conosco sofreram algum tipo de abuso: seja entre seus pares oriundos desta cultura, seja por percussores dessa cultura que usa da sua posição de poder para assediar as jovens.
Há urgência em inserir a pauta feminista dentro de nossa cultura, uma vez que os casos de violências entre nossos pares aumentam diariamente. Ciente de que um dos mecanismos de ruptura dos padrões impostos em nossa sociedade tem sido a cultura Hip-Hop, como pode-se observar nas ações de combate ao Covid-19 realizadas por guardiões e guardiãs das favelas, que são em sua maioria percussores dessa cultura e estão à frente das ações sociopolíticas de impactos diretamente relacionados à justiça social.
Isso implica dizer que necessita-se compreender a trajetória da mulher no contexto da cultura Hip-Hop, a fim de romper com a norma institucionalizada pelo hegemônico sobre a categoria mulher. No caso da carreira artística da mulher preta e periférica, envolve ainda perceber que o terreno de luta pelo poder ocupa uma profissão que foge ao lugar subalternizado de inferioridade destinada às mulheres e, principalmente, as mulheres negras, podendo funcionar como uma via emancipatória relevante.
Espera-se, em última instância, com essa reflexão, contribuir para a melhoria da formação de lideranças femininas no Breaking, a fim de que se possa colocar em prática programas que auxiliem a mulher no que tange ao acesso, a qualidade e a equidade do Breaking no Brasil.
Foto: Arquivo Pessoal
